Após 4 anos, responsáveis pela Kiss seguem sem julgamento

Réus devem ir a júri, mas recorreram do pronunciamento da Justiça

27 jan 2017 - 08h00
(atualizado às 08h02)
Entrada da Boate Kiss, que pegou fogo no dia 27 de janeiro de 2013
Entrada da Boate Kiss, que pegou fogo no dia 27 de janeiro de 2013
Foto: Agência Brasil

Quatro anos se passaram desde a madrugada de 27 de janeiro de 2013, quando Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, entraria para a história como o palco da terceira maior tragédia envolvendo casas noturnas do mundo. Por volta das 3h da manhã daquele dia, um incêndio no interior da boate Kiss acabaria deixando 242 mortos e 636 feridos, colocando o município nas primeiras páginas dos jornais ao redor do planeta. A maior parte das vítimas fatais morreu no local por asfixia decorrente da inalação de fumaça tóxica liberada pela combustão de espuma isolante inadequada. 

As chamas começaram a partir de um sinalizador, igualmente utilizado de maneira incorreta: projetado para uso externo, o artefato pirotécnico foi acionado pela banda Gurizada Fandangueira dentro da casa noturna. As chamas rapidamente se alastraram pelo espaço superlotado, impossibilitando a fuga de quase duas centenas e meia de jovens. Muitos dos que conseguiram sair ainda seguem em recuperação, dependendo de tratamento médico até hoje.

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Depois de quatro anos, as cicatrizes seguem marcadas na história da cidade. O prédio onde funcionava a danceteria está fechado, coberto com faixas e pinturas, todas lembrando a tragédia daquela noite e a longa espera pelas decisões da Justiça. O destino do espaço segue incerto, mas o prefeito Jorge Pozzobom assinalou ainda nesta semana com a possibilidade da construção de um memorial no lugar da boate.

Entrada da Boate Kiss, que pegou fogo no dia 27 de janeiro de 2013
Foto: Agência Brasil

Os processos referentes à tragédia se dividem na Justiça. O caso principal -o maior da história da justiça gaúcha- dá conta dos quatro acusados pelos 242  homicídios e segue aguardando sentença. Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos serão julgados pelo tribunal do júri, mas recorreram do pronunciamento do juiz Ulysses Fonseca Louzada. Ainda não há previsão para o julgamento e a demora é considerada normal, tendo em vista o tamanho e a complexidade da peça.

Além deste caso, há pelo menos outras seis grandes ações tramitando na Justiça gaúcha em decorrência do caso. São analisados desde hipóteses de inserção ilegal de documentos e falso testemunho -supostamente cometidos por membros do corpo de bombeiros- até a falsificação de um estudo de impacto de vizinhança que facilitou a abertura da boate ainda em 2009. Membros do corpo de bombeiros respondem, também, por utilização de procedimento insuficiente quando da liberação do alvará da casa noturna. 

O caso mais peculiar, no entanto, envolve o processo por parte do Ministério Público contra pais de vítimas do incêndio. Sérgio da Silva e Flávio da Silva são acusados de calúnia contra promotores da cidade em decorrência da confecção de cartazes criticando a atuação do MP no caso. O questionamento dos familiares dá conta da falta de fiscalização por parte do promotor Ricardo Lozza a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) fixado com a casa noturna ainda em 2012.

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Os pais ressaltam que após a assinatura do TAC as obras de adequação para sanar problemas de poluição sonora nunca mais foram fiscalizadas, gerando a instalação da espuma inadequada, que liberou a fumaça tóxica. Familiares ligados à Associação de Familiares de Vítimas da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) e do Movimento do Luto à Luta encaminharam uma petição junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) para reforçar o entendimento de que “o MP promoveu o arquivamento de todos os indiciamentos dos agentes da prefeitura que atuaram na outorga de alvarás e na manutenção das atividades da boate”. 

O diálogo do Executivo com a população diretamente envolvida na tragédia era praticamente inexistente até o ano passado, já que as associações de familiares solicitavam a inclusão do nome do ex-prefeito Cezar Schirmer junto aos demais acusados pelo incêndio, o que não aconteceu. Ainda em janeiro foi criado um Núcleo de Gestão Estratégica de Acolhimento, com o objetivo de possibilitar a aproximação entre familiares e sobreviventes do incêndio na boate com o poder público. A prefeitura, agora sob comando de Jorge Pozzobom, ressaltou que o órgão foi criado “no sentido de dar todo o suporte necessário à associação dos familiares”. Atualmente, Cezar Schirmer é secretário de segurança pública do Rio Grande do Sul. 

Na semana passada, o município de Santa Maria foi condenado a pagar R$ 200 mil aos familiares de uma das vítimas fatais, mas deve recorrer da sentença. No mesmo período, uma sobrevivente também garantiu na Justiça o direito a outros R$ 20 mil, que serão divididos entre município, Estado e proprietários da boate. Ambas as decisões são inéditas e, mesmo estando sujeitas a recurso, podem servir de jurisprudência para sentenças futuras no mesmo sentido.

No campo legal, a Assembleia Legislativa gaúcha sancionou em 2016 o projeto que abrandou a chamada "Lei Kiss", que desde 2014 fazia exigências mais rigorosas para a liberação de alvarás. A partir disso, muitos estabelecimentos voltaram a atender requisitos menos severos para conseguirem o direito à abertura ou manutenção de funcionamento. Em âmbito nacional, projeto semelhante -para dar mais rigor à concessão de licenças- agoniza no Congresso desde 2013, sem qualquer previsão para ser votado. 

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Para a passagem do quarto ano da tragédia, um mural foi grafitado junto ao principal túnel da cidade. Homenagens também serão realizadas durante todo o dia na cidade, começando com uma vigília às 21h desta quinta. 

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Fonte: Especial para Terra
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