Sobrevivente da Kiss já estuda em casa, depois de 78 dias internada

Kelen Giovana Leite Ferreira, 19 anos, planeja voltar a frequentar as aulas na UFSM em setembro, apesar das limitações físicas

16 jun 2013 - 15h35
(atualizado às 15h35)
Kelen teve 18% do corpo queimado e teve de amputar parte da perna direita
Kelen teve 18% do corpo queimado e teve de amputar parte da perna direita
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Aos poucos, a estudante Kelen Giovana Leite Ferreira, 19 anos, vai retomando a rotina de antes do incêndio na Boate Kiss. Claro que ela não é a mesma pessoa que entrou na casa noturna de Santa Maria (RS) na véspera do dia 27 de janeiro. Além das sequelas físicas – Kelen teve 18% do corpo queimado e teve de amputar parte da perna direita –, a tragédia é uma experiência que nunca mais vai esquecer.

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"Muita gente achou que, por causa da amputação, eu não ira seguir estudando. Eu tinha duas opções: seguir adiante ou ficar em cima de uma cama. Escolhi a primeira", disse
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Mesmo depois de tudo o que passou, ela não desistiu de tocar a vida adiante. “Muita gente achou que, por causa da amputação, eu não ira seguir estudando. Eu tinha duas opções: seguir adiante ou ficar em cima de uma cama. Escolhi a primeira. Quero me formar. Vou poder ajudar muita gente com a terapia ocupacional. Quem saiu dessa vai poder ajudar muita gente de várias formas”, diz Kelen.

A estudante de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) está morando com os pais, em Alegrete, na Fronteira Oeste. A rotina de consultas ainda é pesada. Em Santa Maria, ela faz um trabalho de recuperação com professoras de seu curso. Ela ainda tem de ver especialistas em Alegrete e Porto Alegre. A lista de profissionais que a atende tem fisioterapeuta, fisiatra, cirurgião plástico, psicóloga e psiquiatra.

Kelen está podendo cursar Terapia Ocupacional a distância por conta do material enviado pelos professores da UFSM. Disciplinadamente em casa, ela responde questões e faz leituras. Em setembro, quando o segundo semestre de aulas de 2013 começar, Kelen pretende freqüentar as aulas novamente. Para isso, ainda depende que uma prótese para a perna amputada fique pronta. “Sem a prótese fica difícil andar da sala de aula para a biblioteca, da biblioteca para o RU (Restaurante Universitário). Além disso, não posso pegar nada de sol”, afirma Kelen, que tem usar malhas por causa das queimaduras pelo corpo.  

A jovem passou 78 dias internada no Hospital de Clínicas em Porto Alegre, 15 deles em coma. Ela tinha sido uma das primeiras a ser retirada da Kiss e foi levada para o hospital em um carro particular, antes de bombeiros e ambulâncias chegarem.

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A estudante foi levada de Santa Maria para Porto Alegre no mesmo dia da tragédia, no primeiro avião que saiu da Base Aérea, por conta de sua condição crítica. A alta veio no dia 15 de abril. Na mesma semana, ela fez uma visita aos colegas de curso no campus da UFSM.

Kelen, que era frequentadora assídua da Kiss, tinha ido à boate com duas amigas, Juliana Oliveira dos Santos e Lauriani Salapata, e depois encontrou outras duas parceiras que estavam trabalhando na casa noturna, Gabriele Stringari e Cristiane Quevedo da Rosa. Só Kelen e Gabriele se salvaram.

Ela ainda tem de ver especialistas em Alegrete e Porto Alegre. A lista de profissionais que a atende tem fisioterapeuta, fisiatra, cirurgião plástico, psicóloga e psiquiatra
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Kelen foi retirada de dentro do inferno graças à ajuda de Gustavo Riet, 34 anos, que ela nem conhecia. Aliás, ela só reconheceu seu salvador depois que viu na TV uma entrevista que ele deu para um documentário.   

Agora em casa, Kelen está feliz por ter recebido o carinho de muita gente e por poder contar com o apoio da família. Ela já passou pelo pior, mas não quer que o que aconteceu fique impune. “Eu também quero justiça. Se não for feita pelos homens, vai ser feita por Deus. O que tiver que ser, vai ser. Mas uma coisa é certa: quem tem dinheiro não vai ficar preso. E isso eu não acho certo”, argumenta Kelen.  

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RS: incêndio em boate de Santa Maria deixa mais de 240 mortos

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

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Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

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Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

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Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
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