Tragédia de Santa Maria completa 1 ano sem aprovação de lei no Congresso

Depois do incêndio, 28 projetos para tornar mais rígida a prevenção de incêndios foram apresentados na Câmara e no Senado, mas textos principais ainda não foram votados

23 jan 2014 - 15h22
(atualizado às 15h23)
<p>Mesmo com a tragédia que tirou a vida 242 pessoas, Congresso não votou lei</p>
Mesmo com a tragédia que tirou a vida 242 pessoas, Congresso não votou lei
Foto: Fernando Borges / Terra

O incêndio da Boate Kiss completa um ano na próxima segunda-feira sem a aprovação pelo Congresso de uma lei mais rígida para a prevenção de incêndios. Logo depois da tragédia que matou 242 jovens em Santa Maria, a Câmara dos Deputados e o Senado receberam, segundo levantamento do Terra, 28 projetos relacionados a situações de risco e segurança de casas noturnas, mas nenhum deles foi votado até agora.

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A principal proposta, que contempla boa parte dos 23 projetos que surgiram na Câmara, é de autoria da comissão externa criada para acompanhar as investigações da tragédia. O texto substitui um projeto que existe na Casa desde 2007 e passou a tramitar a partir de julho do ano passado em regime de urgência.

Apesar do status, o projeto ficou para trás na importância de outras matérias em 2013, como a aprovação dos royalties do petróleo para saúde e educação. Para o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), coordenador da comissão externa, faltou sensibilidade e compreensão dos deputados.

“Insisti para que o projeto fosse votado, mas ele acabou sendo preterido por outras matérias. Cobrei da tribuna e avalio que faltou um pouco de sensibilidade, de compreensão da Casa para a importância, para que quando chegássemos ao primeiro ano da tragédia tivéssemos uma nova legislação e alertei para isso”, disse o deputado. Pimenta diz que recebeu do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), a promessa de que o projeto será votado em fevereiro, na volta do recesso parlamentar. 

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Parâmetros nacionais de segurança

A tragédia da Boate Kiss levou parlamentares a se questionarem sobre a falta de diretrizes sobre prevenção de incêndios e concessão de alvarás de funcionamento de locais privados. Pela Constituição, a prevenção de incêndios e as políticas urbanas são exclusivas dos Estados e municípios, respectivamente, o que dificulta a criação de uma lei federal sobre o tema.

“Cada Estado e município têm autonomia plena. Estabelecemos alguns parâmetros nacionais que obrigatoriamente os Estados e municípios terão de adaptar-se”, disse Paulo Pimenta, sobre o projeto da comissão da Câmara.

Relatado pela deputada Elcione Barbalho (PMDB-PA), o projeto obriga que os municípios observem as normais especiais de prevenção de incêndio e desastres na emissão de alvarás de lugares com ocupação superior a 100 pessoas. Em caso de descumprimento, o prefeito e o oficial do Corpo de Bombeiros responsáveis responderiam por improbidade administrativa.

A emissão de um alvará de funcionamento para casas noturnas ficaria condicionada à contratação de um seguro para cobrir eventuais indenizações a frequentadores.  Com isso, os deputados esperam que as exigências das seguradoras reforcem ainda mais a segurança dos estabelecimentos.

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O texto também determina que as aprovações de construções e reformas de estabelecimentos devem observar as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou de outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro).

As normas da ABNT são utilizadas como referência em legislações sobre prevenção a incêndio, mas não há uma lei federal que obrigue a aplicação. “As normas da ABNT, que eram uma referência, passam a ser obrigatórias. Na Boate Kiss, não existia saída de emergência, por mais que existisse uma porta. Era a mesma porta. A ABNT diz que a porta de emergência deve estar em local oposto”, explicou Pimenta.

Imagens internas da boate Kiss mostram destruição
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As especificações da ABNT também ajudariam a padronizar as sinalizações de saídas de emergência e dos materiais utilizados no revestimento de locais fechados. O projeto assinado pela comissão estipula ainda que cursos de engenharia e arquitetura incluam em suas disciplinas conteúdo de prevenção e combate a incêndio e desastres. “Pelas pesquisas realizadas, estão sendo formados no país engenheiros, arquitetos e outros técnicos dessa área que jamais tiveram uma aula sequer sobre o tema. Não se pode aceitar mais que haja profissionais com essa deficiência”, diz o texto.

Outras propostas

Também aguarda para ser votado na Câmara dos Deputados um texto que trata das obrigações que devem ser observadas por proprietários e responsáveis por boates, bares e casas de shows. A matéria, que reúne sugestões de 15 projetos apresentados por deputados, proíbe, por exemplo, a alteração da estrutura de estabelecimentos depois da emissão do alvará.

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Outra novidade é estipular multa de R$ 5 mil e possibilidade cassação da permissão de funcionamento em casos de superlotação. O projeto prevê também interrupção periódica do evento em casas de shows para indicar aos presentes a localização de saídas de emergência e apresentar procedimentos de segurança.

A proibição de materiais inflamáveis em revestimentos, do uso de fogos de artifício em ambientes fechados e a obrigatoriedade de equipamentos de contagem de fluxos de pessoas também são abordadas no projeto.

O texto ganhou nova redação na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara e aguarda votação no Plenário.

No Senado, foram cinco projetos de lei sugeridos em 2013 e reunidos em um só. A matéria passou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e foi encaminhada para outra comissão, criada para debater soluções para financiamento da segurança pública.

Equipe do Terra lembra a tragédia de Santa Maria
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O texto condiciona o alvará de funcionamento a uma série de equipamentos de segurança: um extintor de incêndio a cada 200m² em locais fechados, chuveiros automáticos para locais com mais de 250 pessoas, utilização de produtos que não produzam fumaça, para-raios, entre outros. O texto também proíbe a utilização de sinalizadores em locais fechados, o que deu início ao incêndio que terminou em tragédia em Santa Maria.

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Em julho, o Senado aprovou um projeto que tramitava desde 2011 e que já poderia ter evitado outras tragédias. A proposta obriga a inspeção periódica em edificações e a criação de um laudo específico para registrar as visitas técnicas. O texto seguiu para ser analisado na Câmara.

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

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Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissandro - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

 

 

Fonte: Terra
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