Vereadores contestam decisão de não ouvir sócios da Kiss em CPI

Vereadores de oposição podem entrar na Justiça para garantir os depoimentos

21 mai 2013 - 21h28
(atualizado às 21h36)
Familiares de vítimas da tragédia fizeram cobranças ao presidente da Câmara, Marcelo Bisogno
Familiares de vítimas da tragédia fizeram cobranças ao presidente da Câmara, Marcelo Bisogno
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

O presidente da Câmara de Vereadores de Santa Maria (RS), Marcelo Bisogno (PDT), vai negar o recurso dos vereadores de oposição que contesta a decisão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da tragédia da Boate Kiss de não ouvir os sócios da casa noturna. A decisão deve ser anunciada ainda na noite desta terça-feira e vai ser baseada em um parecer do Instituto Gamma de Assessoria a Órgãos Públicos (IGAM), empresa que presta consultoria para órgãos públicos e tem sede em Porto Alegre. Vereadores de oposição podem entrar na Justiça para garantir os depoimentos de Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann.

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O pedido para que Kiko e Mauro fossem ouvidos na CPI partiu do advogado da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Jonas Espig Stecca, que compõe a mesa da comissão. Mas a solicitação foi negada na reunião do dia 9 de maio, de acordo com a decisão dos três vereadores que compõem a CPI: a presidente, Maria de Lourdes Castro (PMDB), a relatora, Sandra Rebelato (PP), e o vice-presidente, Tavores Fernandes (DEM), todos da base de apoio ao governo do prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB).

De acordo com Maria de Lourdes Castro, os vereadores da CPI decidiram não convocar os sócios da Kiss por entenderem que a comissão existe para fazer o levantamento de possíveis irregularidades na administração municipal, não sendo função dela investigar os empresários, que estão presos e responderão sobre seus atos na Justiça criminal. Os três parlamentares da comissão chegaram a conversar com o juiz Ulysses Fonseca Louzada, responsável pelo processo criminal da tragédia, para saber a opinião dele. O magistrado só informou que a CPI era soberana em suas decisões e que, se ela entendesse que deveria chamar os sócios da Kiss para depor, deveria encaminhar um ofício ao Judiciário.      

Inconformados com a decisão, sete vereadores de oposição ao governo Schirmer protocolaram, no dia 14 de maio, um recurso contra a decisão da CPI, tendo como base o artigo 167 do Regimento Interno da Câmara, que diz ser possível recorrer ao Plenário de decisões de uma comissão. Outro argumento usado pela oposição foi o que os sete vereadores chamam de “incoerência” da decisão da CPI de não ouvir Kiko e Mauro, enquanto já está decidido que vai haver o depoimento do ex-sócio da boate Alexandre Costa. O fato de o advogado de Elissandro Spohr, Jader Marques, já ter dito que seu cliente deseja falar e tem muitas contribuições para dar à comissão foi outro motivo alegado pelos oposicionistas.

Como determina o regimento, sete vereadores deram suas assinaturas para o recurso: João Ricardo Vargas (PSDB), Admar Pozzobom (PSDB), Werner Rempel (PPL), líder da oposição, Luiz Carlos Fort (PT), Jorge Trindade (PT), Luciano Guerra (PT) e Daniel Diniz (PT). Na tarde desta terça-feira, o recurso era aguardado na reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas ele não apareceu. Diante do estranhamento dos vereadores Werner Rempel e Admar Pozzobom, coube ao procurador-geral da Câmara, Robson Zinn, avisar que o documento havia sido encaminhado direto para o presidente da Câmara. O advogado da AVTSM, Jonas Espig Stecca, também estava na reunião e estranhou o fato de o recurso não ter ido para a CCJ.

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Assim que a reunião da CCJ acabou, o advogado foi até a sala do presidente da Câmara. Saiu de lá com a informação de que a resposta em relação ao recurso dependeria de uma consulta feita ao IGAM. O parecer, que já está com Marcelo Bisogno, faz uma manifestação contrária ao acolhimento do recurso, alegando que ele é inconstitucional e que não cabe recurso das decisões da CPI.

Como o presidente Marcelo Bisogno já se manifestou que iria seguir o que o IGAM apontasse, era uma questão de horas para que seja anunciado que o recurso não vai seguir adiante. Já prevendo essa decisão, os sete vereadores de oposição que assinaram o recurso podem entrar com um mandado de segurança na Justiça. Outra possibilidade é a AVTSM se retirar da mesa da comissão, como forma de protesto.  

O desejo de que os sócios da Kiss sejam ouvidos foi motivo de manifestações dos vereadores durante a sessão plenária desta terça-feira. “Os sócios da boate devem ser ouvidos, sim. Só assim vamos dar respeito a esta CPI”, declarou o vereador Luciano Guerra. “Poderia ter me aconselhado somente com o procurador da Casa, mas pedi um parecer do IGAM, com total transparência”, disse o presidente da Câmara durante a sessão, depois de ser cobrado por familiares de vítimas e das manifestações dos vereadores dizendo que os sócios da Kiss devem ser ouvidos na CPI.

Em reunião da CCJ, vereadores ficaram esperando pelo recurso, que não chegou
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

O parecer do IGAM começou a circular entre os vereadores na tarde desta terça-feira. A posição é clara: o instituto considera o recurso contra a CPI inconstitucional e que a comissão tem total soberania para suas decisões. Como o presidente da Câmara já avisou que vai seguir as orientações do IGAM, a possibilidade de que os sócios da Kiss sejam ouvidos na CPI é cada vez menor. O próprio líder da oposição, que havia assinado o recurso, entende que a decisão da comissão parlamentar de inquérito não pode ser contestada, por ser uma oportunidade em que a minoria pode ser manifestar. “Me dei conta que o IGAM está certo. A CPI é a única possibilidade que a minoria tem de investigar alguma coisa. Basta um terço dos vereadores para haver uma CPI. Se todas as decisões dela tivessem que ser submetidas a plenário, seria um instrumento da maioria”, disse Werner Rempel, que pode não dar seu aval para um recurso na Justiça.

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Depois da sessão plenária, familiares de vítimas ainda cobraram das vereadoras Maria de Lourdes Castro e Sandra Rebelato para que ouvissem Kiko e Mauro. A presidente da CPI disse que a comissão pode até reavaliar sua decisão.

Nesta quarta-feira, a CPI da tragédia retoma os depoimentos. A partir das 9h, serão ouvidos a arquiteta Liese Basso, que prestou serviços para a Kiss, e os fiscais municipais Isabel Cristina Alfaro Medina, Julian Oscar Lenharte Lameira e Silvia Jussara Nogueira Dias. Outros depoimentos já estão marcados para o dia 29 de maio. 

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

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Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

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A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

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Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

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Fonte: Especial para Terra
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