Samarco quer reconstruir em 2018 áreas destruídas por lama

4 nov 2016 - 11h34
(atualizado às 11h40)
Bento Rodrigues foi um dos distritos devastados pela lama de rejeitos da mineração
Bento Rodrigues foi um dos distritos devastados pela lama de rejeitos da mineração
Foto: Agência Brasil

Passado um ano do rompimento da barragem de Fundão, a reconstrução dos distritos de Mariana (MG) devastados pelo acidente ainda está no papel. As obras deverão ter início apenas em 2018 e as comunidades deverão ser entregues entre 2018 e 2019. Considerada a maior tragédia ambiental do País, o desastre de Mariana completa um ano nesta semana. Na tarde de 5 de novembro de 2015, a estrutura da mineradora Samarco desabou e a lama de rejeitos proveniente da mineração se espalhou, destruindo os distritos de Gesteira, Bento Rodrigues e Paracatu. A onda de lama também devastou a vegetação nativa, poluiu a bacia do Rio Doce e deixou 19 mortos.

Para gerir os projetos de reparação dos danos causados pela tragédia, a mineradora Samarco criou a Fundação Renova. Ela é a responsável por todas etapas de reconstrução dos distritos, que incluem os estudos topográficos e ambientais, a elaboração do projeto urbano e da planta das casas, a contratação da construtora e a realização das obras.

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Enquanto os novos distritos da zona rural não são entregues, seus futuros moradores seguirão alojados em casas alugadas pela Samarco em diversos bairros da zona urbana de Mariana. Cerca de 350 famílias perderam seus imóveis após a tragédia. O engenheiro Álvaro Pereira, líder de programas da Fundação Renova, explica que o desdobramento do processo leva em conta muitas consultas aos atingidos.

"Meu desejo é liderar uma construção que me permita olhar no olho das pessoas e ver elas seguras de que é exatamente o que elas querem". Para ele, o planejamento da reconstrução, embora seja uma etapa não visível, é a mais importante.

Os atingidos vão apontar, por exemplo, detalhes como a disposição das casas, definindo quem vai ser vizinho de quem. Eles também foram os responsáveis por escolher os terrenos onde as comunidades serão reerguidas. A Samarco já adquiriu as áreas. Bento Rodrigues, o maior dos três distritos, é previsto para ser entregue em março de 2019. O terreno escolhido foi aprovado por 206 das 236 famílias. Apenas 3 delas não compareceram à votação. Segundo Álvaro Pereira, é possível que no fim de 2018 algumas pessoas já possam se mudar, mesmo as obras não estando 100% concluídas.

"Mesmo depois de realojarmos todas as pessoas, haverá um período de acompanhamento", acrescenta o engenheiro.

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Projeto de reconstrução

Bento Rodrigues foi um dos distritos devastados pela lama de rejeitos da mineração
Foto: Léo Rodrigues/ Agência Brasil

Há duas semanas, a Fundação Renova apresentou a primeira versão do projeto urbano do distrito à imprensa. Ele foi desenvolvido após diversas reuniões com pequenos grupos de moradores. Foi feita uma dinâmica em torno de três questões: o que os moradores tinham em Bento Rodrigues e querem continuar tendo, o que eles tinham e não querem mais ter, e o que eles não tinham e agora querem ter.

O processo é idêntico para os outros dois distritos. Paracatu deve ser entregue em fevereiro de 2019. O novo terreno foi escolhido em votação que contou com a presença de 103 das 108 famílias. O local aprovado recebeu 67 votos. Já Gesteira, por ser um distrito menor, deve ser concluído em meados de 2018. Lá moravam apenas 8 famílias, além de 11 terrenos sem nenhuma edificação, o que também está incluído no projeto urbano.

O pedreiro Tcharle do Carmo Batista, de 23 anos, lamenta que talvez alguns idosos não estejam vivos em 2019 para ver o novo Paracatu. No entanto, ele está de acordo com o cronograma apresentado pela Samarco. "Como pedreiro, eu entendo de obra. E sei que para ser uma obra boa tem que ser demorada. A gente não quer que coloque lá uma empreiteira para fazer várias casas padronizadas em um dia. Em Paracatu, cada um tinha a casa do seu jeito e queremos que seja assim", diz.

Tcharle integra o Comitê dos Atingidos, que se reúne semanalmente e participa ativamente das etapas do cronograma de reconstrução. O Comitê foi o responsável por organizar o processo de votação em que as famílias escolheram os terrenos. O pedreiro acredita na importância de sua participação para ter influência nas decisões. "Como eu tenho conhecimento, acho que vou poder ajudar. Conferir se a massa está boa, se tudo está sendo feito da maneira correta. Eu não sou engenheiro, mas o que eu sei é o bastante para notar se houver algum problema", garante.

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Para auxiliar o Comitê a acompanhar as diversas etapas do cronograma, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) obteve da Samarco um acordo para que a mineradora pagasse uma assessoria técnica de confiança dos atingidos. "Assim como a Samarco possui os profissionais de confiança dela, nós também precisamos de suporte. Então foi contratada e entidade Cáritas, e ela realizou uma seleção de especialistas para nos prestar consultoria, como arquiteto, advogado, agrônomo e historiador", conta o motorista Antonio Pereira Gonçalves, de 47 anos, conhecido como Da Lua. Ele era morador de Bento Rodrigues.

A Fundação Renova está justamente aguardando a contratação dessa assessoria técnica para apresentar aos futuros moradores o projeto urbano preliminar de cada distrito. "É nosso interesse que eles estejam bem assessorados para fazerem críticas e comentários. Obviamente essa primeira versão ainda será modificada até chegarmos ao que querem as pessoas que irão morar no local", diz Álvaro Pereira.

Memória apagada

O pedreiro Tcharle do Carmo Batista teve sua casa destruída pela lama dos dejetos da mineração
Foto: Léo Rodrigues/ Agência Brasil

Apesar da reconstrução do distrito e da previsão de que todos os moradores sejam indeizados pela Samarco, Tcharle  lamenta aquilo que dinheiro nenhum permitirá que ele tenha de volta.

"Casa você constrói outra. O que não se constrói são lembranças. A lama levou. Passou o Dia das Crianças, procurei uma foto da minha infância e não achei. Não tenho mais fotos, não tenho lembranças", se emociona. Ele lembra em detalhes o dia da tragédia. Apesar de avisado com antecedência pelo irmão, que é funcionário da Samarco, ele não tinha ideia sobre a proporção que a tragédia alcançaria.

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"Nós apenas ficamos um pouco alertas, mas bem tranquilos. De repente um helicóptero dos bombeiros voou baixo e pousou no campo. Ali eu entendi que tinha sido grave, porque isso nunca aconteceu".

Segundo o pedreiro, o helicóptero atraiu as pessoas e um bombeiro avisou que as pessoas tinham cinco minutos pra chegar na parte mais alta do distrito, onde fica o cemitério. "Nós tínhamos vários cachorros. E rapidamente prendemos eles numa parte mais alta, acreditando que iam se salvar. Quando a lama chegou em Paracatu, já era noite. Nós ouvíamos os sons desesperados dos cachorros, dos porcos e das galinhas sendo arrastados. Foi uma pena. Talvez se tivéssemos deixado os cachorros soltos, eles teriam conseguido fugir", lamenta.

Legislação

Os novos distritos estarão totalmente adequados à legislação vigente. Álvaro Pereira destaca que nas comunidades antigas havia, por exemplo, edificações que não respeitavam a distância mínima legal para o vizinho. "O Plano Diretor Municipal de Mariana estabelece que o menor lote é de 250 metros quadrados. Nós encontramos famílias que possuíam lote de 90 metros quadrados. Neste caso, estas famílias receberão um lote de 250 metros quadrados", diz o engenheiro.

Circulando em Mariana, não é incomum ouvir diversos moradores opinarem que os atingidos estariam satisfeitos em morar na zona urbana e que muitos certamente não voltarão à zona rural quando o novo distrito for entregue. Tcharle discorda. Ele diz que não tem a menor pretensão de se fixar em Mariana e relata dificuldades financeiras, uma vez que o auxílio da Samarco é inferior à sua antiga renda .

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"Na zona urbana de Mariana tudo é comprado. Aqui você tem que comprar uma folha de couve, sendo que lá em Paracatu você ia na sua horta e pegava. Você tem que comprar um ovo, que lá você tinha no galinheiro. Você tinha porco e agora tem que ir no açougue. Nós tínhamos forno a lenha e minha mãe fazia merenda, mas aqui temos que ir na padaria. Aqui tudo é no dinheiro", compara.

Agência Brasil
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