Executivos da Vale receberam um e-mail anônimo com advertências sobre a segurança das barragens da mineradora duas semanas antes da tragédia de Brumadinho. O texto levou o então presidente da empresa, Fabio Schvartsman, a buscar a identidade do autor e chamar essa pessoa de "um câncer", mostra um documento de inquérito policial ao qual o jornal americano The Wall Street Journal (WSJ) teve acesso.
Autoridades afirmam que estão investigando a resposta de Schvartsman, no momento em que apuram se uma cultura de retaliação na companhia contribuiu para o colapso da barragem em 25 de janeiro. Com 270 mortos, é o maior desastre desse tipo na mineração em mais de 50 anos.
O e-mail de 9 de janeiro foi enviado a Schvartsman, ao atual presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, ao diretor financeiro, Luciano Siani Pires, e a outros executivos.
O texto dizia que as barragens da companhia estavam "em seu limite", de acordo com um resumo de 15 páginas do recente interrogatório de Schvartsman pela polícia feito por policiais e promotores, ao qual o jornal teve acesso.
Procurada, a Vale afirmou ao WSJ que o e-mail era genérico e não trazia evidências, além de negar com veemência uma cultura de retaliação na companhia. Segundo a mineradora, os executivos não tiveram conhecimento sobre um risco crítico ou iminente na barragem antes de seu colapso.
Já a defesa de Schvartsman disse que seu cliente sempre atuou quando era presidente diante de reclamações quando elas incluíam informações concretas e declarou que o e-mail não continha fatos específicos.
Os advogados de Bartolomeo e Pires não foram localizados pela reportagem do WSJ.
'A Verdade'
O e-mail anônimo, intitulado "A Verdade", foi parcialmente reproduzido no documento policial. Ele não menciona a estrutura que ruiu em Brumadinho cerca de duas semanas depois, segundo o resumo.
"Nós estamos enfrentando grandes desafios pela frente, nossas operações não têm o nível mínimo adequado de investimento, estamos com falta de pessoal nas áreas de operação, manutenção e engenharia e eles são mal remunerados... o equipamento está quebrando, as barragens estão no seu limite", afirmava a mensagem.
No domingo seguinte após receber o e-mail, Schvartsman - que deixou o posto em março - enviou e-mails a três colegas para tentar descobrir quem havia escrito o e-mail. Segundo os policiais, ele queria "olhar olho no olho" do autor.
Schvartsman não determinou uma apuração sobre os problemas citados no e-mail. Ele disse a autoridades que o autor nunca foi identificado.
Questionado sobre sua resposta, o executivo da Vale disse acreditar que o e-mail anônimo fosse de um empregado descontente com sua política para acabar com uma cultura corporativa que segundo ele era dividida em feudos.
O advogado de Schvartsman também afirmou que dois outros diretores da Vale disseram que o e-mail continha inconsistências e acreditavam que o remetente tivesse agido de má-fé.
Blindagem de executivos
Em entrevistas coletivas após a tragédia, Schvartsman disse que os problemas técnicos relacionados às barragens eram responsabilidade de empregados de nível mais baixo e que todas as informações que havia recebido mostravam que elas estariam seguras.
No entanto, investigadores do caso suspeitam que o comando da Vale deliberadamente se blindava de informações que poderiam incriminá-los para evitar ser responsabilizados, com práticas de táticas de retaliação e intimidação em um setor que a companhia dominava.
Promotores preparam acusações criminais contra funcionários da Vale que poderiam incluir executivos de alto nível, afirmaram autoridades ao The Wall Street Journal.