O centro histórico de São Paulo passará por reformas no segundo semestre deste ano e a principal mudança será a troca do pavimento das calçadas e calçadões, incluindo as áreas com o "mosaico português", datado dos anos 1970. O projeto abrange uma área de cerca de 63 mil m² de 22 ruas do chamado "centro velho".
"As pedras portuguesas serão trocadas por piso de concreto similar ao que há no (Vale do) Anhangabaú", afirma o secretário de Infraestrutura Urbana e Obras e presidente da SPObras, Marcos Monteiro. A proposta é discutida há mais de uma década, a fim de melhorar a acessibilidade e facilitar a manutenção das vias na região central. Em 2019, por exemplo, um projeto piloto fez a troca do piso para opções em concreto em um trecho da Rua Dr. Miguel Couto.
A medida divide opiniões. Críticos consideram a troca das pedras portuguesas por piso de concreto o apagamento de um elemento característico do centro paulistano e que maior investimento em zeladoria seria suficiente. Já defensores ressaltam que a configuração atual é uma barreira para deslocamentos de pessoas com deficiência, por ter desníveis e um possível maior risco de quedas.
O projeto municipal ainda prevê a implementação de acessibilidade universal, de uma nova sinalização turística e da iluminação funcional e cênica, além da instalação da infraestrutura subterrânea de drenagem e implantação de valas técnicas para melhor ordenamento das redes de telecomunicações. O investimento previsto é de R$ 80 milhões.
Segundo Monteiro, também há um projeto em fase finalização para a reforma do quadrilátero da República, o chamado "centro novo" - região entre o Vale do Anhangabaú e a Praça da República. "A requalificação do centro histórico faz parte de uma requalificação maior do centro, com a intervenção no Largo do Paiçandu, no cruzamento das avenidas Ipiranga e São João, o retrofit dos edifícios e ações sociais para minimizar população de rua no centro da cidade", diz o secretário. Paralelamente às melhoras de infraestrutura, o secretário diz que espera um incremento das condições para o comércio e para os frequentadores da região.
O projeto está em fase de licitação - no próximo dia 20, a Prefeitura realizará a abertura das propostas na concorrência para definir a empresa que realizará as obras. A previsão é de que as obras terão duração de 22 meses, sendo metade do tempo destinado à restauração dos calçadões das ruas internas, e a segunda metade destinada às ruas periféricas.
"Não fecharemos todos os acessos às ruas. As obras serão feitas em trechos alternados para que não haja interrupção total da passagem de pessoas e veículos por essas vias", afirma o secretário de Infraestrutura Urbana e Obras. "Nessa primeira fase (primeiros 11 meses), não devemos ter praticamente reflexo nenhum nas ruas, porque estaremos mexendo nas vias onde não há trânsito, exceto pela circulação de caminhões e descarga de material, que faz parte da obra", completa.
Padrão de urbanização da cidade
Para Fernando Atique professor de História, Espaço e Patrimônio Edificado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), historicamente, as calçadas e os calçadões de São Paulo são elementos emblemáticos usados como representação de força política pelos representantes da cidade.
Ele diz que as pedras portuguesas - pavimentação utilizada atualmente no centro histórico - têm um valor importante por serem duráveis e permitirem a infiltração de água. "Mas, por causa do peso de transporte e obras, elas acabaram se deteriorando, até porque é um piso muito difícil de ser reassentado, precisa de uma tecnologia ancestral", explica. "Quando são feitas obras que precisam retirar o piso daquela área, acabam reassentando de forma incorreta, porque dá muito trabalha para refazer o desenho das pedras portuguesas". E sem a manutenção correta e frequente, esse tipo de piso perde a assessibilidade, afirma.
Atique diz que, por outro lado, a proposta de pavimentação de concreto proposta pela Prefeitura "joga fora" o desenho convidativo das calçadas antigas. "A proposta é eficiente quando pensamos em acessibilidade, mas destrói a beleza e arborização da área, porque muitas árvores terão de ser retiradas para as obras e, mesmo reaborizando, as condições não serão as mais adequadas, pois o piso de concreto não permite absorção da água como os outros, tem menos infiltração", opina.
Ele questiona a real necessidade de se reformar a região e diz que as pedras portuguesas poderiam ser mantidas com reparação constante. "Qual o custo social de reparar essas áreas que há dois séculos vêm sendo reconstruídas e deixar de lado outras áreas que nem calçadas tem?", indaga.
"Uma alternativa seria ensinar a técnica do mosaico português como profissão para uma manutenção constante e adaptação ao modelo de acessibilidade universal, o que beneficiaria também a população desempregada, uma questão pertinente à Prefeitura, e não perderíamos um desenho histórico e consagrado do centro histórico de São Paulo", afirma. "A troca por concreto é mais imediata e elimina manutenção, mas joga fora histórico de padrão de urbanização da cidade", completa.
Acessibilidade no centro
Para Lina Santos, coordenadora de Terapia Ocupacional da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e especialista em acessibilidade, a obra é necessária para garantir o direitos de circulação das pessoas com deficiência. "Vimos outras regiões de São Paulo sendo revitalizadas com foco em acessibilidade, mas não o centro, que realmente precisa dessa reforma, pois permite o acesso à história da cidade com segurança", diz.
"O número de pessoas que frequenta é muito grande, inclusive de pessoas com deficiência. Então, a troca do piso tem uma importância significativa, porque o concreto é um piso liso, de manutenção mais fácil do que o piso português, além da instação do piso tátil - questões fundamentais para pessoas cadeirantes e com deficiência visual", reforça.