Vítimas da Boate Kiss ainda recebem tratamento psicológico

O atendimento de longo prazo ainda é essencial a muitos dos sobreviventes da tragédia que matou 242 pessoas

27 jan 2015 - 09h06
(atualizado às 09h10)
<p>O acidente na boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013, deixou 242 mortos e mais de 600 feridos</p>
O acidente na boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013, deixou 242 mortos e mais de 600 feridos
Foto: Freelancer

As sequelas psicológicas dos sobreviventes de incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), ainda precisam de atenção especial dois anos depois da tragédia. A tragédia, que vitimou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridos, aconteceu no dia 27 de janeiro de 2013.

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O personal trainer Ezequiel Lovato Corte Real, de 25 anos, que na noite da tragédia estava na Boate Kiss e ajudou no resgate, relata que não ficou com nenhuma sequela física - apenas psicológica. Corte Real afirma que as lembranças do momento da tragédia são muito vagas: ele se recorda apenas de ter entrado e saído muitas vezes da danceteria para tirar outras pessoas.

Apesar de não reter lembranças concretas da tragédia, o personal trainer ficou com uma grande sensação de culpa, um sentimento de que poderia ter feito mais para ajudar. Dois anos depois, ele resume como a experiência moldou sua percepção: “Aconteceu uma mudança absurda na minha vida, aprendi a dar valor a tudo. Parece que alguém encostou na minha cabeça e deu novo sentido à vida”, conta.

Fernanda Lopes, de 22 anos, estudante de Relações Públicas, foi uma das primeiras a sair da Boate Kiss no momento em que o incêndio começou. Mesmo assim, foi uma das últimas a abandonar as imediações, onde permaneceu ajudando quem saía, auxiliando no que era possível. Apesar da intensidade da experiência vivida, ela diz ter conseguido se recuperar sem qualquer sequela física ou psicológica.

Para Fernanda, a grande lição que ficou diz respeito à segurança das casas noturnas. Dois meses após a tragédia da Kiss, na primeira festa que frequentou depois do ocorrido, perguntou ainda na entrada, para os seguranças, o local das portas de saída. Também procurou estar sempre a par da lotação dos lugares. 

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Em outro episódio, percebeu a superlotação da casa noturna em que estava, saiu pouco mais de uma hora depois e ligou para a Brigada Militar, que sequer se deslocou até o evento. O aprendizado foi o que ficou: “Eu sou muito festeira, sempre fui, mas agora cuido mais os lugares que frequento”, afirma.

Recuperação lenta e difícil

Silhuetas pintadas em frente à boate Kiss representam as 242 vitimas da tragédia de Santa Maria
Foto: Daniel Favero / Terra
Nem todos os sobreviventes daquela noite conseguiram se recuperar por conta própria. Muitos frequentadores da danceteria, familiares e socorristas ficaram abalados pelo acidente. De acordo com a diretora de enfermagem do Hospital Universitário de Santa Maria, Sueli Guerra, o atendimento de longo prazo, nesses casos, foi e é essencial. “O acompanhamento é fundamental para devolver às vítimas o equilíbrio necessário na retomada das atividades de suas vidas diárias”, avalia.  

Ainda hoje, esse trabalho continua. Atualmente, grande parte do atendimento psicossocial é feito por psiquiatras do próprio Hospital Universitário de Santa Maria. Outros casos, mais leves, podem ser atendidos também pelo Acolhe, serviço de atendimento montado pelo município de Santa Maria, ou por outros órgãos, como o Centro de Referência de Saúde do Trabalhador (CEREST), que atuam em conjunto com o Centro Integrado de Atendimento a Vítimas de Acidente (CIAVA).

Como funciona o CIAVA

O CIAVA atende vítimas diretas (frequentadores da casa noturna na noite da tragédia) e vítimas indiretas (familiares e profissionais que prestaram socorro). O centro conta com uma equipe multiprofissional de especialistas de diferentes áreas, como fisioterapeutas, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, psicólogos, médicos clínicos, neurologistas, cirurgiões plásticos e psiquiatras, para atender todas as necessidades das vítimas.

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À época da tragédia, o atendimento imediato aconteceu em três fases. A primeira foi o atendimento emergencial, ainda nas primeiras horas após o incêndio. Na segunda fase, aconteceu o atendimento hospitalar, estendendo-se por algumas semanas após o incêndio, com remoção de vítimas internadas para outros hospitais de referência. Na atuação imediata após a tragédia, a Cruz Vermelha de Santa Maria também participou do atendimento e acompanhamento emergencial, fazendo nos primeiros 90 dias o acompanhamento psicossocial, que posteriormente ficaria a cargo do CIAVA. 

Na terceira fase, de acompanhamento ambulatorial, o CIAVA foi responsável pelo acolhimento a todos os que foram expostos à tragédia, através de acompanhamento e atendimento ambulatorial por diversas especialidades. No ano de 2013, de acordo com o Serviço de Estatística do Hospital Universitário de Santa Maria, entre fevereiro e dezembro foram realizados mais de 4300 consultas ambulatoriais pelo CIAVA, desde a clínica médica até outras especialidades, como pneumologia, cirurgia plástica e fisioterapia. Em 2014, o número de atendimentos foi superior a 3500. 

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