A população da cidade gaúcha de Charqueadas sofre na pele os efeitos da corrupção ocorrida na Petrobras. Recentemente, foi fechada a sede da Iesa Óleo e Gás, uma das empresas envolvidas no escândalo investigado pela Operação lava Jato da Polícia Federal. Há alguns anos, a instalação da fábrica de módulos era um prenúncio de tempos de bonança e pleno emprego. Mas o resultado foi a situação de calamidade pública decretada pela prefeitura, com a demissão de mil pessoas, dívidas de mais de R$ 350 mil no comércio local, que ainda deve amargar quedas de até 30% nas vendas, milhões em financiamentos não quitados, doações suspeitas para campanhas políticas... Mas, principalmente, um sentimento de desilusão e revolta entre aqueles que tiveram suas vidas afetadas por promessas não cumpridas.
A chegada da Iesa ao Pólo Naval do Jacuí parecia o prenúncio de novos tempos. Até seis mil empregos diretos e indiretos seriam criados a partir dos contratos firmados com a Petrobras, cujas somas poderiam chegar a US$ 900 milhões. Isso atraiu investimentos e alavancou a expansão do comércio local. A promessa é de que pelo menos 16 módulos de plataformas seriam construídos.
“O que a gente não imaginava é que havia todo um esquema de cartas marcadas na Petrobras e que eles iam dar uma licitação de quase US$ 1 bilhão para uma empresa que não tinha condições de concluir o projeto. Há quatro anos ninguém poderia imaginar (...) Uma empresa que chega aqui com o contrato de 32 módulos para movimentar quase US$ 1 bilhão, que prefeito não ia querer? Nós tivemos uma disputa ferrenha com o município de Navegantes apara que esse empreendimento viesse para cá. Não veio fácil, tivemos que oferecer incentivos para disputar”, afirma o prefeito de Charqueadas, Davi Gilmar.
Mas apesar das facilidades para a instalação da unidade e dos milhões em financiamentos liberados por bancos públicos (como os mais de R$ 40 milhões do Badesul), o relacionamento com a Iesa nunca foi muito fácil, segundo relatam os credores. Os pagamentos sempre aconteciam com atraso até 2014, quando cessaram. A Petrobras anunciou que assumiria a dívida, mas não o fez.
Essa instabilidade também era sentida dentro da fábrica. Além dos problemas com pagamentos de salários e benefícios, os trabalhadores chegaram a ficar um mês parados pela falta de material. Mas não era só isso, praticamente todos os ex-funcionários entrevistados pelo Terra disseram que tinham a clara impressão de que parecia não existir interesse da empresa em entregar os pedidos. Nenhum dos módulos foi concluído.
“A gente achava que não ia parar nunca. Estava todo mundo motivado, o serviço era fácil, mas tinham coisas que eu não conseguia entender... Era como se fosse uma criança montando um quebra-cabeças, tu vai ver que a peça está virada, coisas que não tinham explicação”, afirma Luciano Couto Aquino, que trabalhava como encanador industrial.
“Se viu desde o princípio que as coisas estavam meio pesadas, faltava material, as coisas estavam paradas. A parte administrativa parecia até meio político, a gente brincava que aquilo ali parecia uma prefeitura, um órgão publico... Eu tinha essa impressão (de que não queriam entregar), e olha que eu fui um dos que ficou ali por mais tempo. O que eu vi era um pessoal sem propósito, que não fazia a movimentação e a entrega dos módulos da Petrobras. Me pareceu que vinham puxando, cada vez mais, até se usava muita palavra de que era um amadorismo”, relata Furtunato Cardoso dos Santos, que deixou um emprego estável com a promessa de uma carreira melhor na Iesa, trabalhando como encarregado de montagem mecânica.
Doações para campanha do prefeito
Os problemas começaram logo, com a escolha do terreno onde seria construída a unidade. A prefeitura se comprometeu a conseguir o terreno nas margens da RS-401, avaliado em pouco mais de R$ 900 mil no processo de desapropriação. Mas a proprietária do local recorreu à Justiça e um acordo foi firmado elevando o valor para R$ 3,9 milhões, sendo que a Prefeitura arcaria com R$ 1,1 milhão e o restante seria pago pela Iesa. Isso tudo em 2011.
No ano seguinte, foram disputadas as eleições municipais e o prefeito Davi Gilmar Abreu de Souza (PDT) buscava a reeleição. Entre as doações recebidas por ele na campanha estavam R$ 300 mil de Armando Chaves Garcia, que é presidente da Granja Carola, empresa proprietária do terreno de 36 hectares que foi desapropriado. A Iesa também deu sua contribuição, com R$ 40 mil, doados para a direção municipal do partido do prefeito.
“Acho que a Iesa ajudou várias empresas, e o fez de maneira legal, oficial, e aceitamos a doação. Fizemos o registro disso como fizemos do valor da Granja Carola (... ) Eu não vejo nenhum problema nisso, não teve prejuízo algum para o município, não pagamos um centavo a mais do que a perícia judicial determinou”, justifica o prefeito.
O fim do contrato da Iesa com a Petrobras veio logo após a eclosão da sétima etapa da Operação Lava Jato que prendeu os principais empreiteiros do País, inclusive dirigentes da Iesa. Os trabalhadores ficaram sabendo do desfecho por mensagens de celular, mas logo a Justiça suspendeu as demissões e tentou o bloqueio de dinheiro das contas da empresa para garantir o pagamento das indenizações trabalhistas, calculadas em aproximadamente R$ 17 milhões.
Com a suspensão, os demitidos não receberam o salário de novembro, não sabem se vão conseguir receber a rescisão, e também não conseguem procurar emprego com carteira assinada, porque, legalmente, ainda trabalham para a Iesa. Uma audiência de conciliação realizada na última quarta-feira não resolveu o probelma e uma nova reunião está marcada para 11 de dezembro.
Cada um se vira como pode. Uns contam com as economias, outros com bicos, e os que estão em situação mais precária já recorreram ao Centro de Referência da Assistência Social (Cras), onde está sendo feito o cadastramento para a inclusão em programas sociais e entrega de cestas básicas para os mais necessitados. Mas isso é apenas para quem vive em Charqueadas. Estima-se que 60% dos trabalhadores eram de fora do Estado e de outras cidades da região.
“Alguns já estão sendo atendidos no Cras, aqueles que têm uma necessidade maior de alimentos”, diz a secretária de Assistência Social, Mari Lucia Camargo Barboza Ribeiro, afirmando que, em uma semana, o Cras já atendeu o mesmo volume contabilizado em um mês.
“Os caras estão lá cheios de dinheiro e o cara aqui numa miséria”
Na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de Charqueadas, o movimento de ex-funcionários é constante. Um deles era Luciano Couto de Aquino, 39 anos, pai de três filhos, que buscava informações sobre como fazer o cadastro com a prefeitura para receber benefícios sociais até que consiga trabalho fixo. O sentimento dele, como o de outros afetados pelas demissões, é de revolta por viver na pele o que a corrupção representa no País.
“A dívida vai acumulando... não tem mais nada. A gente se prejudica por causa dos outros... ganha menos, não tem como escapar... saber que os caras estão lá cheios de dinheiro e o cara aqui numa miséria”, afirma.
Além de ter perdido o emprego, Furtunato Cardoso dos Santos, também amarga a perda de uma nova oportunidade de trabalho, já que as demissões foram suspensas pela justiça, além de saber que sua esposa não será efetivada na vaga temporária em um loja da cidade por conta dos efeitos que a demissão em massa provoca no comércio local.
“Como cidadão me sinto desprezado e até mesmo desinformado do que acontecia. Tu vive em um mundo ilusório, que não é real. Tu via muita coisa acontecendo e não tinha o que fazer. E se fala em salários e pessoas que estavam lá dentro, salários de R$ 50, 60 mil, não sei até que ponto isso é real, e para pessoas que iam uma, duas vezes por semana na empresa”, afirma.
Calote de R$ 350 mil no comércio local
Segundo a Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) de Charqueadas, o impacto da chegada da Iesa foi grande, exigindo investimentos para atender a demanda apresentada pela empresa e pelo desenvolvimento que parecia bater à porta, mas que logo mostrou sua real face.
“Os comerciantes começaram a se qualificar, para ter produtos de qualidade para fornecer vários investimentos para absorver (a demanda)... nossos colegas começaram a investir em imóveis, loteamentos novos, agitou o comércio, novas redes de lojas vieram, pessoas empregadas no comércio (...) Mas a Iesa desde o início mostrou que não era boa pagadora, sempre teve um problema sério para pagar”, afirma o presidente da CDL, Nário Delfin Delgado, que acumulou prejuízos de R$ 10 mil ao fornecer para a Iesa. “Mas temos informações de que a soma chega a R$ 350 mil”, completa.
Segundo ele, o impacto na região é grande, tanto que, neste ano, o comércio local já prevê uma redução de 20% a 30% nas vendas, “também deve haver redução de empregos”, prevê.
Mas os efeitos da crise provocada pela Iesa não surgiram apenas após a rescisão do contrato com a Petrobras. Desde o começo do ano, os fornecedores viam as dívidas aumentarem, sem sinalização de que haveria a liquidação. O gerente do restaurante familiar que fornecia alimentação para a Iesa, Oscar Paulo da Silva, conta que a dívida acumulada chega a R$ 95 mil, sendo que a empresa reconhece apenas R$ 80 mil. O restante atribui a empreiteiras que trabalhavam com ela.
“O que eu tinha para receber era o meu lucro, pelos 15 meses de trabalho, por isso trabalhei de graça, não recebi... fui um exemplo de escravidão, porque trabalhei e não tive lucro, ficou na mão deles”, afirma Oscar, dizendo que tudo que recebeu foi usado para pagar fornecedores e evitar problemas. “Meu avô dizia que teu bem maior é o teu nome”, justifica sobre a conduta de negócios praticada no interior.
“O nosso sentimento é de mágoa por ter sido usado não pela Iesa ou por qualquer empreiteira, mas pelo governo, porque vimos a campanha da candidata a reeleição citando o Pólo Naval do Jacuí... Charqueadas existia antes da Iesa, mas acho que sai menos com o fim do Polo Naval. Na cidade, não se vê otimismo, lojistas pensando em expandir... nas reuniões da CDL, parece uma igreja, como se um parente tivesse morrido”, afirma.
O maior medo de todos é que caso a Petrobras não consiga retomar os investimentos feitos na região para continuar com o Pólo Naval, a Iesa possa se tornar mais um museu a céu aberto, como se vê bem próximo dali na usina Jacuí 1, onde a estrutura está parada há 25 anos, sem uso.
“Estamos com a esperança de que não vão desperdiçar todos aqueles equipamentos (avaliados em R$ 600 milhões) porque já temos o esqueleto da Jacuí 1, que nos assombra na entrada da cidade, esperamos não ter um esqueleto dos módulos para nos assombrar no futuro”, finaliza o prefeito.
Esclarecimento da IESA Óleo & Gás
No dia 17 de novembro de 2014, a TUPI BV (BG, Petrobras e Petrogal) notificou a IESA Óleo & Gás sobre a rescisão do contrato para fornecimento do Pacote III de Módulos para FPSOs Replicantes. Devido a tal decisão, a IESA iniciou o processo de rescisão do contrato de trabalho de seus colaboradores de Charqueadas, já que não poderia arcar com as despesas da fábrica e da equipe; entretanto, a Justiça determinou, no dia 22 de novembro, a suspensão das demissões.
Já no dia 24 de novembro, a Justiça do Trabalho determinou o bloqueio das contas bancárias da IESA de modo a garantir a quitação das verbas rescisórias dos trabalhadores alocados no projeto de Charqueadas.
A empresa se deu por intimada dos termos das duas determinações da Justiça no dia 25 de novembro. Nosso corpo jurídico está analisando os processos e tomará as medidas cabíveis aos casos na audiência de conciliação, que será realizada amanhã, dia 3 de dezembro.
A IESA O&G ratifica que a decisão da Petrobras de rescindir o contrato em Charqueadas não tem nenhuma relação com a Operação Lava-Jato, mas sim em função de discordâncias na condução dos trabalhos de produção dos módulos.
Quanto à divulgação pela imprensa da existência de contas bancárias “zeradas” em nome do presidente Sr. Valdir Lima Carreiro, a IESA esclarece que, como a empresa vem passando por uma crise financeira, a Justiça do Trabalho de Macaé, município do Rio de Janeiro, em especial a Segunda Vara, vem fazendo reiterados bloqueios junto às instituições financeiras brasileiras nas contas mantidas pela IESA Óleo & Gás e também por seus administradores, dentre eles o Sr. Valdir Lima Carreiro, que vem sofrendo penhoras e bloqueios nas quatro únicas contas bancárias que mantém em seu nome. O presidente não zerou as contas propositadamente nem sabia, com antecedência, da sétima fase da Operação Lava-Jato.