Rock in Rio e calor: violência pode se repetir, diz coronel

22 set 2015 - 06h32
(atualizado às 07h23)

A onda de roubos, furtos e violência em praias da zona sul do Rio de Janeiro que marcou o último final de semana pode se repetir no próximo sábado e domingo se as autoridades não planejarem uma resposta que integre órgãos policiais e de assistência social. A opinião é do coronel Ubiratan Ângelo, um dos coordenadores da organização não governamental Viva Rio.

Abordagem de jovens pobres a caminho da praia deve ser feita por assistentes sociais, diz ex-comandante da PM
Abordagem de jovens pobres a caminho da praia deve ser feita por assistentes sociais, diz ex-comandante da PM
Foto: Vitor Madeira/Viva Rio

Ângelo fez carreira na Polícia Militar do Rio e chegou a ser comandante da instituição. Atualmente trabalha em projetos da Viva Rio para desenvolvimento de pesquisas, ações de campo e criação de políticas públicas para promover a paz e a inclusão social.

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Dezenas de pessoas foram roubadas durante o fim de semana no Rio por grupos de jovens nas praias de Copacabana, Ipanema e em ruas da região. Uma parte das ações foi filmada por órgãos de mídia e cinegrafistas amadores.

Os adolescentes escolhiam vítimas específicas e as atacavam com empurrões, socos e pontapés com o objetivo de roubar carteiras, bolsas e colares.

Em resposta, moradores locais se reuniram por mídias sociais e organizaram grupos de "justiceiros", que atacaram jovens suspeitos em ônibus que passavam pela região.

A polícia deteve quase 30 pessoas, entre adultos e adolescentes.

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Autoridades relacionaram a onda de violência a uma decisão da Justiça – em resposta à uma ação da Defensoria Pública – determinando que adolescentes só poderiam ser apreendidos em caso de flagrante.

Isso teria feito com que a polícia deixasse de realizar a prática de prevenção que vinha acontecendo no mês anterior: a abordagem de jovens suspeitos em ônibus que se dirigiam da periferia à zona sul.

Segundo Ângelo, esse cenário pode se repetir se autoridades não coordenarem, até o fim de semana, ações integradas que envolvam não só a polícia, mas os órgãos de assistência social.

De acordo com ele, as condições que possibilitaram os episódios de violência no último sábado e domingo devem se repetir: praias lotadas, alta presença de turistas na cidade e efetivo policial dividido entre os eventos do Rock in Rio e jogos de futebol.

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Na tarde de segunda-feira, o secretário da Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, anunciou esforços para integrar as ações da polícia com a prefeitura e órgãos de assistência social para tratar do problema de adolescentes da periferia que seguem sem recursos e desacompanhados para as praias da zona sul.

Segundo Beltrame, órgãos responsáveis por menores seriam trazidos para auxiliar a atuação da polícia no patrulhamento da orla.

Leia trechos de Ubiratan Ângelo entrevista à BBC Brasil:

BBC Brasil – Os episódios de violência ocorridos nas praias da zona sul do Rio de Janeiro no último fim de semana eram arrastões?

Ubiratan Ângelo – Em todas as cenas mostradas de roubo e furto não há a presença de armas, mas o uso da força em conjunto. O que você tem é uma união de jovens que em determinado momento elegem uma vítima e todos a atacam ao mesmo tempo, diminuindo sobremaneira a capacidade de resposta da vítima, ou seja, de se defender.

As pessoas que estão em volta acabam correndo, gerando a sensação de que está havendo um arrastão, quando na verdade há uma pessoa só sendo roubada.

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Então eu não vi um arrastão, eu vi vários episódios de roubo em área próxima, na praia. E vi pessoas correndo. Se alguém está sendo roubado e alguém corre, as pessoas começam a correr ou a pegar seus pertences e se afastar. Aquilo soa como um arrastão.

Já tivermos cenas de arrastão em outros anos em que várias pessoas vêm correndo e catando objetos de quem está no meio do caminho. Eu não vi essa cena, não há registro policial desse episódio.

BBC Brasil - Qual seria a abordagem correta das autoridades para lidar com o problema?

Ubiratan Ângelo – Nós temos dois fatos: jovens estão sendo acusados de atos criminosos como roubos e furtos. Esses jovens normalmente são negros e moram na periferia, em lugares de carência social já sabida há muito.

O outro fato são as ações que a polícia vinha tomando. A Polícia Militar fazia ações em ônibus, chamadas de caráter preventivo, separando aqueles jovens que estão com alguma coisa que possa gerar um flagrante e outros que estão em situação de risco. Ou seja, aquele jovem que não tem nem dinheiro para pagar a própria passagem de ida e consequentemente não vai ter como ficar na praia e nem como voltar. Ele vai ter que dar um jeito e sua ação pode cair na ilegalidade.

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Mas a prevenção da questão social não cabe à polícia. São outras organizações que têm que se manifestar, com ações concretas e positivas, que possam trazer a redução do risco social pelo qual esses jovens passam.

A polícia tenta fazer uma ação preventiva, de contenção imediata, no momento em que o fato ocorre ou está para acontecer. Mas elas deveriam ser feitas por outros órgãos (de assistência social).

BBC Brasil – Como as ações da Defensoria Pública e da Justiça influenciaram os fatos do último fim de semana?

Ubiratan Ângelo – As autoridades que têm responsabilidade por isso não tomaram suas ações e a Defensoria Pública achou por bem sair da sua inércia e tomou uma medida do campo da percepção dos direitos humanos.

Ela disse que a polícia estava encaminhando jovens para a delegacia que não estavam em situação de flagrante. A informação que eu tenho da polícia é diferente: a polícia disse estar encaminhando para a delegacia jovens que praticam atos infracionais. Os jovens que estavam em risco seriam mandados para o campo (da assistência) social.

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O secretário da segurança, dr. (José) Mariano Beltrame, diz que outros órgãos têm que atuar e está criticando essa ação do Judiciário (de proibir que policiais apreendessem menores sem flagrante).

A polícia pode prender ou apreender se não houver flagrante? Não pode. A polícia pode recolher quem estiver em situação de risco? Até pode, não há nenhum impedimento, mas não pode fazer isso sozinha, sem os responsáveis pela assistência social, pelo desenvolvimento social e pela questão da criança e do adolescente.

BBC Brasil – Mas na prática, com a iniciativa da Defensoria Pública, houve uma mudança no comportamento dos policiais que pararam de fazer as abordagens preventivas.

Ubiratan Ângelo – Essas operações não vinham acontecendo conforme deveriam acontecer, com a presença dos outros órgãos. O Judiciário proibiu que a polícia fizesse recolhimento (de adolescentes) se não houvesse flagrante. Assim, os jovens que poderiam estar em qualquer situação de risco deixaram de ser identificados pela polícia, mas isso não é a função da polícia.

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Outros órgãos que tratam da criança e do adolescente e do desenvolvimento social têm que solicitar a presença da polícia para proteger os seus serviços, mas eles é que têm que realizar os serviços.

BBC Brasil – É possível proteger os moradores da zona sul, turistas e frequentadores da praia sem as abordagens preventivas?

Ubiratan Ângelo – Não se pode deixar de fazer ações, mas elas não podem ter o cunho repressivo policial. A polícia têm que reprimir o crime ou a possibilidade da ocorrência de crime, ou seja, quando você tem elementos fundamentais para fazê-lo. Ela não pode selecionar pela classe social, ela não vai resolver a questão social. Não compete à polícia fazer isso, mas lhe sobra fazer isso porque ninguém faz.

E pior, quando as autoridades públicas começam a dizer que a polícia está de mãos atadas, que ela não pode mais efetivar seu caráter preventivo, isso provoca na cabeça do cidadão o seguinte sentimento: estou abandonado então vou tomar as minhas providências. Não justifica o que jovens fizeram, atacando ônibus, atacando outros jovens, mas sim o porquê deles terem feito isso.

BBC Brasil – Como o senhor vê a atitude dos jovens da região que atacaram supostos suspeitos de participação nos crimes?

Ubiratan Ângelo – O que eles fizeram é crime, eles têm que ser presos porque não cabe a eles tomar ações de "pseudo justiceiros", ou fazer justiça com as próprias mãos.

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BBC Brasil – E o que é preciso fazer depois que o crime acontece sem colocar em risco toda aquela multidão na praia?

Ubiratan Ângelo – Quando alguém é roubado e as pessoas começam a correr e começa a reverberar uma informação não necessariamente verdadeira: arrastão. Isso vai colocando cada vez mais pessoas em risco. Quando você vê um ataque a uma vítima você se sente fragilizado. Isso se ameniza com efetivo de controle social: Polícia Militar e Guarda Municipal.

BBC Brasil – Esses policiais devem andar com armas de fogo na praia?

Ubiratan Ângelo – Legalmente sim, tecnicamente não. Pelo mesmo motivo que não se usa arma de fogo em estádio. Por que é um espaço onde a probabilidade de ter um disparo contra ele (policial) é muito reduzida, tendendo a zero. Segundo: a probabilidade de um disparo dele acertar inocentes é quase 100%.

As ações acabam sendo resolvidas com o confronto corporal. Preferencialmente, um grupo de policiais entra em ação para poder dominar e conter a situação. Mas no entorno você tem que ter alguém (policial) com uma arma para uma situação mais grave.

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BBC Brasil – Quais as medidas mais urgentes para serem tomadas para tentar evitar que esse cenário se repita?

Ubiratan Ângelo – Vamos pegar um fim de semana com uma potencialidade como o último: os jogos do campeonato brasileiro, o Rock in Rio, a praia lotada, manifestações de paz, em defesa da liberdade religiosa, uma série de eventos que demandam policiais e a guarda municipal.

Os efetivos dessas instituições são limitados. Então para atuar nesse momento, quando todo mundo sabia que a praia ia estar cheia com turistas internacionais e nacionais, você tem que ter ações em conjunto. A parte criminal deve ser conduzida pela polícia e a social por esses órgãos (de assistência social).

Então a medida mais urgente é que as autoridades sentem para discutir nesta semana, porque no fim de semana tem Rock in Rio de novo e pela expectativa vai ter sol. Ou seja, vai ter jogo e a praia vai encher novamente.

Elas devem saber o que vão fazer, quais serão suas ações com a participação da polícia e da guarda municipal.

Vídeo mostra momento da execução de quatro jovens em SP
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