O plano da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) de atentados simultâneos contra autoridades e funcionários, desbaratado nesta quarta-feira, 22, por uma operação da Polícia Federal (PF), tinha como objetivo criar caos ao cometer homicídios e extorsão por sequestro em vários estados e teria sido motivado por mudanças nas regras para visitas a detentos em presídios federais.
Principal alvo da facção - uma das organizações criminosas mais poderosas da América Latina e que domina o tráfico de drogas e de armas no Brasil-, era o senador e ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. O PCC queria sequestrá-lo para negociar a libertação de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, preso há mais de 20 anos e considerado a principal liderança do PCC.
Quando era ministro na gestão Bolsonaro, Moro determinou a transferência de líderes da organização criminosa para presídios de segurança máxima, numa tentativa de enfraquecer o grupo. A transferência acontece com autorização da Justiça, depois de pedidos protocolados pelos ministérios públicos estaduais.
Marcola foi transferido do sistema penitenciário estadual de São Paulo para a penitenciária federal em Brasília em fevereiro de 2019. Outros 21 membros da cúpula do PCC foram transportados em um avião das Forças Armadas para presídios federais a partir do aeroporto de Presidente Prudente.
Em 2020, Moro deixou o governo depois de romper com Bolsonaro e, em 2021, o ex-juiz foi considerado parcial pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na condenação de Luiz Inácio Lula da Silva. No ano passado, ele foi eleito senador pelo Paraná.
Represália a endurecimento das regras de visitação
O promotor de Justiça de São Paulo, Lincoln Gakyia, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), de Presidente Prudente (SP), investiga o PCC há 18 anos e vive há mais de dez sob escolta policial 24 horas por dia por causa das ameaças de morte recorrentes.
Autor do pedido que transferiu 22 líderes do PCC para presídios de segurança máxima em 2019, Gakyia também se tornou alvo da facção e afirmou que Moro passou a ser visado depois de decretar o fim das visitas íntimas nos presídios federais, em 2019.
A portaria que endureceu as regras das visitas é de 2018 e restringiu as visitas sociais em instituições de segurança máxima a videoconferências e ao parlatório, e não em pátios de visitação, como costumava acontecer. A medida dificulta a coordenação do crime organizado de dentro da prisão, além de causar problemas para o acesso dos criminosos a informações de fora da cadeia.
"Os presos odeiam o Moro por causa disso. Por causa da portaria que proíbe isso no sistema federal", disse Gakyia, que afirmou também que o plano alvejando Moro foi descoberto em janeiro deste ano, a partir de um depoimento de uma testemunha, e teria partido de um tipo de "departamento de homicídios" do PCC. "A ordem veio de lá. Creio que queriam um sequestro, mas poderia ser execução também."
Os detalhes do plano
Além de Moro e Gakyia, as investidas da facção tinham como alvos também autoridades do sistema penitenciário e da polícia de vários estados. De acordo com os investigadores, os ataques vinham sendo planejados desde 2022.
Segundo a investigação, os criminosos alugaram chácaras, casas e um escritório ao lado de endereços do Moro, sendo que sua família também teria sido monitorada durante meses. Ao menos dez indivíduos participavam do monitoramento da família do senador em Curitiba.
De acordo com o Correio Braziliense, os criminosos receberam ordem para monitorar Moro há seis meses. Eles eram comandados por Janeferson Aparecido Mariano, conhecido como Nefo ou NF.
Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, "havia compartimentos sendo preparados" numa das chácaras. "Compartimentos falsos, paredes falsas. E eles poderiam ser desde para armazenar armamento, droga, como para guardar pessoas", citou, segundo o diário, que também divulgou que os integrantes do PCC fotografaram e documentaram a rotina do casal Moro e dos filhos, que vinham sendo escoltados pela PM do Paraná.
O senador e sua família estariam sendo seguidos pela "Sintonia Restrita", conhecido como setor de operações especiais, ou "departamento de homicídios e atentados" do PCC, segundo Gakyia.
Moro ficou sabendo em janeiro do plano da facção, quando Gakyia e o procurador-geral da Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, levaram o depoimento da testemunha a Brasília.
Nesta quarta-feira, o ex-juiz disse em discurso na tribuna do Senado que o plano de ataque do PCC seria uma "represália" da facção: "Se eles vêm pra cima da gente com uma faca, a gente tem que usar um revólver. Se eles usam um revólver, nós temos que ter uma metralhadora. Se eles têm uma metralhadora, nós temos que ter um tanque ou um carro de combate. Não no sentido literal. Mas nós precisamos reagir às ações do crime organizado."
Politização da operação da PF
A operação da PF foi objeto quase que imediato de comentários políticos num contexto de polarização no Brasil, acentuado desde as eleições de 2022.
No Twitter, o ex-presidente Jair Bolsonaro vinculou o plano contra Moro a uma ação orquestrada pela esquerda, sem apresentar provas. "Em 2002, Celso Daniel [ex-prefeito de Santo André, assassinado]; em 2018, Jair Bolsonaro [o episódio da facada durante a campanha presidencial] e agora Sérgio Moro. Tudo não pode ser só coincidência. O Poder absoluto a qualquer preço sempre foi o objetivo da esquerda", escreveu Bolsonaro, que está nos Estados Unidos.
Em resposta, Flávio Dino condenou as insinuações. "Há pessoas irresponsáveis que, para tentar escapar de suas próprias responsabilidades, tentam, infelizmente, levar o debate político brasileiro para o nível da lama. E nós não aceitamos isso", disse. "Quero dizer que é repugnante a ação política dessa extrema-direita desvairada e aloprada querendo, neste momento, desqualificar o trabalho sério da Polícia Federal, trabalho esse que salvou a vida, graças a Deus, do senador Sérgio Moro", acrescentou.
Os críticos de Luiz Inácio Lula da Silva também destacaram as declarações do presidente na véspera da operação. Em entrevista ao site Brasil247, Lula afirmou que, quando esteve preso em Curitiba devido à condenação por causa da operação Lava Jato, pensava: "Só vou ficar bem quando f* com o Moro". A declaração causou reações do ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, que convocou coletiva para desvincular Lula das ações do PCC.
Também na quarta, em almoço com advogados, Flávio Dino negou que a Operação Sequaz da PF tenha sido deflagrada por motivos políticos.
Em entrevista concedida no mesmo local do almoço, o ministro disse que a Polícia Federal estava investigando a quadrilha há pelo menos 45 dias, desde que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o avisou de que havia um plano de execução de Moro, e que foi a própria PF quem decidiu deflagrar a operação nesta quarta.
rk/md (EBC, AFP, ots)