"Me diga o seguinte: quantos grêmios de faculdade vocês tomaram? Nenhum. Quantas redações de jornal vocês tomaram? Nenhuma. Quantos sindicatos vocês tomaram? Nenhum. Quantas igrejas de teologia de libertação vocês tomaram? Nenhuma. Em suma, vocês deixaram tudo nas mãos dos comunistas, e tudo está nas mãos deles. E eles fazem o que quiserem. Deu pra entender?"
Falas do escritor Olavo de Carvalho (1947-2022) estimulando ações radicais circularam com frequência em aplicativos de mensagem e redes sociais nos dias anteriores à invasão de Brasília por grupos bolsonaristas.
O trecho acima está em um post do TikTok de duas semanas atrás. O vídeo aparecia como primeiro da lista (indicado na aba "Melhores") quando se buscava pelo nome do escritor. Procurada pela BBC News Brasil, a empresa não comentou.
Outro excerto com a voz de Olavo, que morreu aos 74 anos em janeiro do ano passado, ganhou ainda mais destaque no contexto das cenas de vandalismo e depredação das sedes dos Três Poderes — o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.
O escritor diz no áudio: "Eu acho uma intervenção militar extremamente difícil, a não ser depois de um processo de tomada do poder pelo próprio povo. Se você tiver um movimento de desobediência civil generalizada... pessoal cercar o palácio, não deixar senador entrar, não deixar ministro entrar, não deixar juiz entrar... se chegar neste ponto, as Forças Armadas entram".
Radicalização
Para ter a influência que mantém ainda hoje, a ponto de ser referência ideológica em ações agressivas de quebra institucional, as ideias e a própria trajetória de Olavo de Carvalho passaram por radicalizações e se beneficiaram amplamente do poder de disseminação das redes sociais.
O escritor surgiu na arena pública a partir dos anos 1990 como articulista conservador de grandes jornais brasileiros e, nos anos 2000, se consolidou como fomentador de espaços de debate na internet ligados à uma ascendente nova direita brasileira.
"Ele deu densidade para uma geração jovem que assistia ao crescimento do Partido dos Trabalhadores e resistia ao que então se considerava ser a hegemonia da esquerda no pensamento brasileiro, no pensamento nas artes e na cultura de uma forma geral", diz João Cezar de Castro Rocha, professor titular de Literatura Comparada da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Guru
Mas, entre os elementos que trouxeram inicialmente mais apelo, popularidade e fidelidade a Olavo de Carvalho, está a figura do "guru" que apontava caminhos para resolver ansiedades eminentemente existenciais de seus seguidores.
"Parece estranho dizer isso, mas [o olavismo] não é um movimento que nasce com uma intenção de traçar objetivos e métodos políticos. Nasce com perfil existencial, espiritual e que propõe, de alguma forma, resgatar, restaurar a ordem da alma interior daquele que se tornará seu discípulo ou daqueles que se tornarão seus devotos", diz um escritor identificado com a direita brasileira que prefere não se identificar.
A pesquisadora Michele Prado, em seu livro Tempestade Ideológica (Lux, 2021), aponta que "Olavo de Carvalho pôs em prática uma proposta de 'renascimento cultural e espiritual' do Brasil através da criação de um 'grupo de elite intelectual' sob sua mentoria".
"Olavo introduzia nos seus alunos um enorme sentimento de orgulho, superioridade e invencibilidade que, tornando-os fanáticos em prol de sua figura, resultaria em pessoas sem limites morais conforme testemunhamos", escreve Prado.
Diogo Chiuso, que foi editor de obras do escritor em uma editora de Campinas (SP), afirma que a radicalização das ideias olavistas se deu a partir de 2013, com os protestos de junho pelo país.
"A partir dali ele se aprofundou na política. Começou a falar em derrubar o sistema. Eu brincava que ele estava parecendo o [Guilherme] Boulos [hoje deputado federal do PSOL e, à época, figura central do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto]. Foi nesse ponto que as coisas mudaram, acho que ele viu uma oportunidade de derrubada de poderes, de voltar o discurso dele mais para a política", afirma Chiuso, que é autor do livro O Que Restou da Política (Noétika, 2022).
"Mas a conclusão que chego é que ele não enxergava como possível essa derrubada do sistema político pela via democrática."
As redes sociais como via para o discurso olavista
O estilo de Olavo de Carvalho se encaixava bem com a natureza da internet e das mídias sociais, analisa Castro Rocha, da Uerj.
"A figura pública que ele assumiu parece que foi feita sob medida para o universo digital, que, entre outras coisas, é caracterizado pela chamada economia da atenção. É preciso ter uma atitude que chame a atenção dos outros. O Olavo mesmo já era um meme. As expressões que ele fazia, a linguagem corporal... para cada frase, muitos xingamentos e para cada xingamento a repetição de uma obsessão."
No entanto, observa Castro Rocha, o apelo memético de Olavo veio acompanhado pela escalada de agressividade e de intolerância em relação ao campo oposto: a radicalização no discurso.
"Ele assumiu uma persona raivosa, intolerante, que utilizava palavras mais chulas, que xingava os adversários e que, sobretudo, revelava o desenvolvimento de uma intolerância radical com tudo aquilo que não era espelho."
"Era retórica do ódio de um lado e a lógica da refutação de outro, que são instrumentos poderosos de linguagem para tornar o outro, aquele que é diferente, um nada a ser simbolicamente eliminado."
Na visão de Castro Rocha, a influência de Olavo de Carvalho persistirá por muito mais tempo do que a influência do bolsonarismo.
"Bolsonaro encontra-se em processo acelerado de derretimento da sua imagem enquanto os adeptos de Olavo, a cada nova crise que surge, recuperam frases, áudios, textos dele como uma forma de explicar o que nós estamos vivendo. Vou repetir: a presença do Olavo superará em muito a presença do bolsonarismo no Brasil", afirma.
"Isso é particularmente grave, porque seus pensamentos têm como marca o desprezo à universidade e a incapacidade de lidar com o outro."
- Este texto foi publicado emhttps://www.bbc.com/portuguese/brasil-64256711