Quando o presidente Jair Bolsonaro chegou ao edifício em Dallas (EUA) onde seria homenageado por um grupo de empresários na quinta-feira (16), dois grupos o aguardavam no portão com faixas e cartazes.
De um lado, vestidos de verde-amarelo, por volta de 20 brasileiros que moram no Texas davam as boas vindas ao presidente. Do outro, um grupo cerca de três vezes maior e composto quase unicamente por americanos protestava contra o visitante.
O ato contra Bolsonaro reunia veteranos de guerra, indígenas, estudantes universitários, ativistas LGBT, ambientalistas, sindicalistas, pacifistas e até pastores evangélicos.
A maioria não falava português e participava pela primeira vez de uma manifestação que envolvia o Brasil.
"Este protesto não é só sobre Bolsonaro", disse à BBC News Brasil o militar aposentado Ron Unger.
"Bolsonaro é um risco para mulheres, para pessoas LGBT, para o meio ambiente. As pessoas que se opõem a ele estão lutando por causas universais."
Como muitos ali, Unger afirmou que sabia pouco sobre o Brasil, mas que sabia o suficiente sobre Bolsonaro para decidir se juntar à manifestação.
Guiados por uma das poucas brasileiras do grupo, gritavam "ele não" e perguntavam "quem matou Marielle".
Os brasileiros retrucavam com "ele sim", slogans antiesquerda ("a nossa bandeira jamais será vermelha") e "Brazilians are here" (os brasileiros estão aqui), destacando a diferença em relação aos antagonistas.
"A maioria deles não tem noção do que é viver no Brasil. Eles defendem o comunismo, mas vivem no país mais capitalista do mundo", afirmou o fortalezense Victor Câmara, que disse morar em Dallas há seis anos e cursar business na faculdade.
Eleitor de Bolsonaro, Câmara soube que haveria uma manifestação contrária ao brasileiro e decidiu aparecer para "dar uma força para ao presidente e apresentar nosso lado".
"Faz parte da democracia. Eu não vou convencê-los, e eles não vão me convencer", disse o aposentado Walter Candeia, que vive entre João Pessoa e Dallas e também votou no capitão reformado na última eleição presidencial.
Impactos na política local
A visita do presidente brasileiro virou assunto nos jornais de Dallas e pautou a agenda política local na véspera do segundo turno da eleição para prefeito da cidade, a terceira mais populosa do Texas.
Scott Griggs, um dos candidatos na disputa, participou da manifestação contra Bolsonaro acompanhado por apoiadores voluntários, que vestiam camisetas com o logo de sua campanha.
Griggs é membro do Partido Democrata, que faz oposição a Donald Trump, e hoje exerce o posto de vereador em Dallas.
Ele foi um dos sete vereadores da cidade - há 14 ao todo - a assinar um manifesto entregue ao World Affairs Council of Dallas-Fort Worth, instituição que recebeu Bolsonaro, pedindo que o evento fosse suspenso.
"A cidade de Dallas tem a obrigação moral de ir contra o fanatismo. Como prefeito, eu não receberei Bolsonaro em Dallas", disse o candidato no Twitter.
O grupo se inspirou nas manifestações que fizeram Bolsonaro desistir de visitar Nova York, onde ele receberia o prêmio Personalidade do Ano da Câmara de Comércio Brasil-EUA ao lado do secretário de Estado americano, Mike Pompeo.
O próprio prefeito nova-iorquino, Bill De Blasio, se opôs à visita do brasileiro. De Blasio disse que Bolsonaro era "um ser humano muito perigoso" e criticou suas posturas em relação a minorias, a direitos LGBT e ao meio ambiente.
De Blasio integra o Partido Democrata e anunciou na quarta-feira que será pré-candidato à Presidência dos EUA.
Sob a pressão do prefeito e de ativistas, o Museu Americano de História Natural cancelou a premiação. Na ocasião, a instituição informou que, inicialmente, não sabia que Bolsonaro seria a pessoa homenageada num evento privado para ocorrer lá e deu a entender que as ideias manifestadas pelo presidente não eram compatíveis com os "valores" do museu.
"Estamos profundamente preocupados com os objetivos declarados da atual administração brasileira", disse o museu, pelo Twitter.
Pesaram na decisão de cancelar o evento pedidos de pesquisadores, professores e membros da comunidade brasileira e americana que argumentaram que um político que "rejeita a ciência" e o aquecimento global, e defende a exploração econômica da Amazônia, não poderia ser homenageado num local que representa a pesquisa científica.
Os organizadores, então, transferiram o evento para um hotel, até que três empresas desistiram de patrociná-lo: a Delta, a consultoria Bain & Company e o jornal Financial Times.
Outros patrocinadores, entre os quais grandes bancos como o UBS, Credit Suisse e JP Morgan, mantiveram o apoio ao evento.
Diante de toda a polêmica, Bolsonaro abandonou os planos originais e decidiu ir ao Texas, Estado mais conservador que Nova York.
Quando foi anunciado que Bolsonaro iria ao Texas receber seu prêmio, De Blasio voltou ao Twitter: "Jair Bolsonaro aprendeu que nova-iorquinos não fecham os olhos para a opressão. Nós rejeitamos a sua intolerância. Ele fugiu. Não estou surpreso - os bullies normalmente não aguentam um soco."
Recepção no Texas
No Texas, Bolsonaro pensou que seria melhor recebido. E foi.
Na quarta-feira, o brasileiro se encontrou com o ex-presidente americano George W. Bush e participou de um jantar que teve entre os convidados o senador Ted Cruz e os governadores do Texas, Gerg Abott, e de Oklahoma, Kevin Stitt - todos eles membros do Partido Republicano.
Na quinta, reuniu-se com os CEOs da Exxon Mobil e da AT&T e recebeu o prêmio da Câmara Brasil-EUA que seria entregue em Nova York. O co-premiado Mike Pompeo, porém, não apareceu - assim como também não compareceu ao evento da câmara em Nova York, que foi realizado mesmo com a transferência da entrega do prêmio a Bolsonaro para Dallas.
Mas, embora o Estado do Texas seja tradicionalmente mais alinhado aos valores da direita americana, isso vem mudando. As principais cidades do Estado estão no comando de prefeitos democratas. É o caso de Dallas, onde esteve Bolsonaro.
O prefeito democrata Mike Rawlings afirmou que "discorda fortemente de algumas das posições declaradas do presidente Bolsonaro", mas afirmou que não se oporia à visita de nenhum chefe de estado eleito democraticamente.
Manifestações e Flávio Bolsonaro
Apesar dos encontros, a viagem acabou ofuscada por declarações de Bolsonaro sobre o noticiário no Brasil.
Na quinta-feira, o presidente criticou promotores que investigam transações financeiras de seu filho e senador Flávio Bolsonaro (PSC-RJ). Segundo Bolsonaro, as ações buscam prejudicar seu governo e vêm sendo tramadas desde que ele concorria à Presidência.
"Querem me atingir? Podem vir pra cima de mim. Eu abro meu sigilo - eu sei que tem de ter um fato [para abrirem o sigilo] -, mas não vão me pegar."
Segundo reportagens da revista Veja e da TV Globo, entre outros veículos, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro apura se Flávio lavou dinheiro por meio da compra e venda de imóveis quando era deputado estadual.
A Justiça autorizou a quebra do sigilo bancário de 95 pessoas e empresas ligadas a Flávio - algumas das quais também já trabalharam para Jair Bolsonaro.
Em outros momentos da viagem ao Texas, Bolsonaro comentou as manifestações pelo Brasil contra a redução nos repasses para a Educação.
"Só vi faixa de 'Lula livre', mais nada. Vi uma manifestação de escolas particulares em que os filhos foram levados para a passeata e nem sabiam o que estava acontecendo", disse o presidente na quinta-feira.
No dia anterior, ele chamou os manifestantes de "idiotas úteis e imbecis", que estariam sendo usados como "massa de manobra".
"É natural [que haja protesto], agora a maioria ali é militante, não tem nada na cabeça, se perguntar 7x8 para ele, não sabe. Se você perguntar a fórmula da água, não sabe, não sabe nada. São uns idiotas úteis, uns imbecis, que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais no Brasil", afirmou o presidente na porta do hotel onde estava hospedado em Dallas.
Sobre os cortes nos repasses, ele disse que todos os setores do governo vivem a mesma situação e que a medida busca garantir o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Bolsonaro disse ainda que não há cortes na educação, mas sim contingenciamentos (quando o governo segura gastos previstos, geralmente por causa da baixa arrecadação). Durante a passagem pelo Texas, ele também afirmou que nenhuma universidade brasileira está "entre as 250 melhores do mundo".
No entanto, dependendo do ranking internacional analisado, há sim instituições brasileiras entre as 250 melhores. A CWUR World University Ranking 2018-2019, por exemplo, coloca a Universidade de São Paulo na 77ª colocação entre as melhores.
Indígenas e direitos LGBT
A política educacional de Bolsonaro também foi alvo de protestos entre manifestantes que o aguardavam no evento de empresários em Dallas - assim como declarações do presidente sobre direitos LGBT e demarcações de terras indígenas.
Três sacerdotes de igrejas protestantes progressistas endossavam o movimento.
"O Jesus que ele (Bolsonaro) diz seguir não é o mesmo que nós conhecemos", disse Michael Gregg, pastor na Igreja Batista Royal Lane.
"A retórica de Bolsonaro leva ao ódio, que leva à violência, que leva à morte. Não podemos ficar em silêncio", afirmou o reverendo Neil Cazares Thomas, pastor na Igreja Unida de Cristo.
Membro do povo indígena americano lipan apache, Leroy Daniel disse que Bolsonaro planeja entregar as terras de índios brasileiros para grandes empresas.
O presidente se comprometeu várias vezes a não realizar novas demarcações, a reduzir áreas já delimitadas e abrir territórios indígenas para atividades econômicas, como a mineração.
"A luta dos povos indígenas é a mesma em muitos lugares do mundo, mas a situação no Brasil parece particularmente grave hoje", afirmou.