BRASÍLIA (Thsomson Reuters Foundation) - Depois que o novo coronavírus chegou a comunidades indígenas do Brasil pela primeira vez, um vilarejo da floresta amazônica que tenta se proteger obteve uma vitória rara: fazer com que garimpeiros concordassem em partir por tempo indeterminado.
Líderes caiapós do vilarejo de Turedjam negociaram com mais de 30 garimpeiros, que concordaram em suspender as operações e retirar os equipamentos ao longo da semana passada, sem que se saiba quando ou se voltarão.
A medida pode ajudar a desacelerar o ritmo intenso do desmatamento se outros grupos indígenas tentarem seguir o exemplo, de acordo com ambientalistas.
Para os cerca de 400 indígenas que moram em Turedjam, no Estado do Pará, a decisão foi uma questão de vida e morte.
"Não queremos mais os garimpeiros circulando no meio das aldeias. Eles concordaram em sair", disse Takatkyx Kayapó, um dos líderes comunitários que negociaram com os garimpeiros, à Thomson Reuters Foundation.
O Brasil já soma mais de 11 mil casos de coronavírus e mais de 400 mortes. O primeiro caso entre comunidades indígenas foi confirmado no dia 1º de abril.
Especialistas de saúde alertam que o vírus em proliferação pode ser letal para os cerca de 900 mil indígenas brasileiros, que foram dizimados ao longo dos séculos por doenças trazidas pelos europeus, como o sarampo, a malária e a gripe.
Desenvolvimento da Amazônia
Assim como o garimpo em Turedjam, também houve uma interrupção do corte de árvores, disseram locais.
O desmatamento é um problema crônico no Brasil, que abriga cerca de 60% da Amazônia — a maior floresta tropical do mundo, que absorve vastas quantias dos gases de efeito estufa que provocam a mudança climática.
Com uma população estimada em 4.500 habitantes, os caiapós são uma das comunidades mais afetadas pelo desmatamento dos mineradores ilegais, de acordo com moradores de vilarejos e ativistas de direitos indígenas.
Entre 2016 e 2019, as operações de mineração de ouro nas terras dos caiapós no Pará levaram à derrubada de mais do que o dobro das árvores destruídas no 35 anos anteriores, segundo dados do governo.
No total, mais de 8.200 hectares de floresta foram destruídos por garimpeiros no Estado desde 1980.
Os moradores de Turedjam disseram que, no pico das atividades de mineração na área, era possível ver até 70 escavadeiras em suas terras a qualquer momento.
Desde que tomou posse, em janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro promete incluir os indígenas na sociedade brasileira e elevar seu padrão de vida permitindo a mineração e a agricultura comercial em suas reservas.
Corrida do ouro
O preço crescente do ouro, combinado com a retórica do presidente, desencadeou uma corrida do ouro no país nos últimos cinco anos.
Para algumas comunidades indígenas, conceder direitos de mineração a garimpeiros sem licenças se tornou uma fonte de renda vital.
Outros, como os caiapós de Turedjam, viram suas terras serem ocupadas por mineradores ilegais e dizem que normalmente não têm como detê-los.
Takatkyx, o líder caiapó, disse que a maioria dos moradores de Turedjam é contra a mineração, e o surto do novo coronavírus lhes deu a oportunidade de recuperar suas terras.
Também preocupados com a própria saúde, os mineradores aceitaram partir até que o perigo do vírus tenha passado. Depois disso, novas negociações decidirão se eles voltarão.
"Nós sempre quisemos fechar o garimpo. Com o risco de contágio pelo coronavírus na comunidade, nós debatemos e chegamos a um consenso", disse Takatkyx.
"Além do Pará, muitos garimpeiros vêm de outras regiões, então é um risco muito grande. Quando a pandemia acabar, nós faremos outra reunião para discutir o que fazer. A ideia é fechar os garimpos para sempre."
Uma porta-voz da Fundação Nacional do Índio (Funai) confirmou em um email que Turedjam é o primeiro vilarejo a expulsar garimpeiros desde o início do surto de coronavírus.
A agência disse que não participou das negociações entre os caiapós e os garimpeiros, acrescentando somente que, na questão da mineração ilegal, trabalha para "manter a integridade das terras indígenas" e "combater ilícitos" com ajuda da Polícia Federal e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O Ibama não quis comentar o que aconteceu em Turedjam, mas disse em um email que, juntamente com a Funai e outras instituições, monitora frequentemente "áreas críticas" em que a mineração ilegal está ocorrendo.