Coronavírus: Lewandowski vota para que vacina seja obrigatória, mas não 'forçada'

Julgamento será retomado na quinta-feira (17/12) com voto dos outros dez ministros do STF.

16 dez 2020 - 20h56
(atualizado às 21h04)
O ministro Ricardo Lewandowski se manifestou a favor da obrigatoriedade da vacinação para covid-19, mas contra a possibilidade de que as pessoas sejam fisicamente forçadas a se imunizar
O ministro Ricardo Lewandowski se manifestou a favor da obrigatoriedade da vacinação para covid-19, mas contra a possibilidade de que as pessoas sejam fisicamente forçadas a se imunizar
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF / BBC News Brasil

Primeiro a votar no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidirá se a população pode ser obrigada a se vacinar contra o coronavírus, o ministro Ricardo Lewandowski se manifestou nesta quarta-feira (16/12) a favor da obrigatoriedade, mas contra a possibilidade de que as pessoas sejam fisicamente forçadas a se imunizar.

Para o ministro, o Estado pode apenas impor sanções aos que não se vacinarem por meio de medidas indiretas como impedir os não imunizados de exercer determinadas atividades ou frequentar certos lugares. Ele também decidiu que essas medidas indiretas não serão exclusividade do governo federal — ou seja, Estados e municípios também poderão adotar sanções contra quem se recusar a vacinar.

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Ao argumentar pela obrigatoriedade, o ministro destacou a importância da imunização de uma grande parte da população para que a circulação do vírus se reduza, efeito conhecido como "imunidade de rebanho".

"Por isso, a saúde coletiva não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a ser vacinadas", destacou.

Após o voto de Lewandowski, o julgamento foi suspenso e será retomado na tarde de quinta-feira (17/12). Caso a maioria do Supremo acompanhe sua decisão, será uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro, que tem defendido que a vacina seja facultativa e que apenas a União poderia fixar a obrigatoriedade.

Antes da sua manifestação, houve fala de advogados, da Advocacia-Geral da União (que representa o governo federal) e do procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras.

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Embora Aras seja comumente visto como um aliado de Bolsonaro, o PGR se manifestou na mesma linha do voto de Lewandowski, defendendo que a obrigatoriedade é constitucional, mas sem "coerção física". Ele comparou a situação da vacina com a do voto obrigatório nas eleições brasileiras, ressaltando que ninguém é fisicamente obrigado a comparecer às urnas, havendo, no entanto, sanções para aqueles que deixam de votar ou justificar sua ausência.

"Assim como o voto é obrigatório, nem por isso os eleitores são capturados para comparecer às urnas. A vacinação obrigatória não significa condução coercitiva ou emprego de força física", argumentou Aras.

Ministro aponta condições para a obrigatoriedade

Lewandowski, porém, votou para que certas condições sejam cumpridas para que a vacina seja obrigatória. A primeira delas é que a obrigatoriedade seja implementada "com base em evidências científicas e análises estratégicas pertinentes". A segunda é que venha acompanhada "de ampla informação sobre eficácia, segurança, e contraindicações dos imunizantes".

Além disso, esse processo deverá respeitar "a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais das pessoas", assim como atender aos critérios de "razoabilidade e proporcionalidade". Por fim, o ministro estabeleceu que as vacinas obrigatórias deverão ser distribuídas "universal e gratuitamente".

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"Vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre consentimento do usuário, podendo contudo ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou a frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei ou dela decorrentes", disse o ministro em seu voto.

O ministro argumentou também que o direito à saúde previsto na Constituição inclui o direito à medicina preventiva. Por isso, afirmou, "não é uma opção do governo vacinar ou não vacinar, é uma obrigação do governo (vacinar a população)".

Com o voto de Lewandowski, o STF iniciou o julgamento de duas ações que discutem a obrigatoriedade da vacina contra covid-19 para toda a população.

O julgamento será retomado na quinta-feira com o voto do ministro Luís Roberto Barroso nessas duas ações e também em uma terceira que discute se pais devem ser obrigados a imunizar os filhos, incluindo aí todas as vacinas hoje recomendadas para crianças pelo Sistema Único de Sáude.

Lewandowski é o ministro-relator das duas ações mais amplas, enquanto Barroso é o relator de uma ação em que o Ministério Público de São Paulo tenta obrigar os pais a vacinar seu filho de cinco anos. Como esse caso ganhou repercussão geral, a decisão valerá para todas os pais ou responsáveis legais de crianças no país.

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No STF, duas ações questionam a obrigatoriedade da vacina, e uma terceira discute se pais devem ser obrigados a imunizar os filhos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Entenda melhor as duas ações sobre covid-19

As duas ações mais amplas foram propostas por partidos políticos. O PDT (Partido Democrático Trabalhista) entrou com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) alegando que Estados e municípios devem poder estabelecer a obrigatoriedade uma vez que o presidente Jair Bolsonaro já afirmou que a vacina não será obrigatória no Brasil. O partido afirma que a postura do presidente é lesiva à saúde da população e que, se o presidente não tomar as medidas necessárias para vacinar a população na luta contra a pandemia, os Estados e municípios devem poder fazê-lo.

"Omitindo-se a União em seu dever constitucional de proteção e prevenção pela imunização em massa, não pode ser vedado aos Estados a empreitada em sentido oposto, isto é, da maior proteção, desde que com amparo em evidências científicas seguras", afirma o partido na ação.

"Historicamente essa função sempre foi da União, porque o Ministério da Saúde tem essa função de coordenação", diz o professor de direito Wallace Corbo, da FGV-Rio. "Mas o STF entendeu no começo do ano, quando começou a analisar as medidas de restrição e disputas em saúde, que deve atuar o ente federativo que mais protege a população."

Ou seja, o entendimento do STF até agora é de que a União não tomar uma medida de proteção na pandemia não impede que outras unidades federativas o façam.

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"Então, é possível que legitime a possibilidade dos Estados e municípios determinarem a obrigação", disse Corbo à reportagem, antes do início do julgamento.

A outra ADI foi levada à corte pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e trata da questão da obrigatoriedade de forma mais ampla. O PTB é contra a obrigatoriedade alegando que "subsiste insegurança quanto à eficácia e eventuais efeitos colaterais das vacinas".

Embora nem todas as vacinas em desenvolvimento já tenham se provado seguras, as que estão em estágio mais avançado de testes — como a da Pfizer, a Moderna, a Coronavac e a de Oxford — tiveram a segurança comprovadas em estudos clínicos. Além disso, uma vacina não pode nem mesmo ser oferecida se não for considerada segura e eficaz pela Anvisa, com base nos testes.

Na verdade, já existe previsão legal de vacinação obrigatória no Brasil, desde a Constituição até uma lei aprovada para tratar especificamente do combate ao coronavírus, explica o professor de direito Wallace Corbo, da FGV-Rio.

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"Uma lei aprovada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro já prevê a obrigatoriedade da vacinação como uma possibilidade", diz ele.

O que o PTB questiona e o STF está analisando no julgamento é se a possibilidade de obrigatoriedade poderia de alguma forma ferir a "liberdade individual".

Pais podem deixar de vacinar seus filhos 'por convicção'?

Já a ação com repercussão geral levanta a seguinte questão sobre a vacinação de crianças: os pais podem deixar de vacinar os seus filhos por "convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais"?

Nela, um casal questiona a necessidade de obrigar o filho a tomar vacina. Os pais alegam que o filho foi amamentado até os 6 meses e depois introduzido à alimentação vegana. Ele é acompanhado por nutricionista e pediatra e está saudável. O casal diz que "a vacina é um processo de adoecimento artificial, no qual é introduzido o vírus em sua forma não ativa, para que o corpo humano possa desenvolver anticorpos necessários ao combate da doença".

Os pais consideram "que esse procedimento de adoecimento proporcionado pela vacina seja extremamente agressivo para uma criança saudável".

A cientista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, explica que as vacinas aprovadas por órgãos como a Anvisa e indicadas pelo ministério da Saúde para crianças são seguras e não são agressivas. As partículas presentes nas vacinas são capazes de gerar uma resposta do sistema imunológico, mas não são capazes de adoecer o corpo — o que adoece o corpo é entrar em contato com a doença sem estar vacinado.

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"A vacina funciona através da imunidade de rebanho, que é um conceito vacinal", explica o médico infectologista Jorge Kalil. Como o vírus passa de pessoa para pessoa, quando todos estão vacinados o vírus não consegue encontrar pessoas suscetíveis e é erradicado.

Os pais, no entanto, afirmam que não questionam os fatos científicos sobre as vacinas, mas sim o direito de "escolha da maneira como criar seus filhos e do respeito a uma ideologia natural e não intervencionista".

A ação dos pais reconhece que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece que a vacina não só é uma obrigação dos pais como um direito das crianças, mas afirmam que a Constituição dá o "direito à liberdade de consciência, convicção filosófica e principalmente à intimidade" e que esse direito estaria acima da lei estabelecida pelo ECA.

O Ministério Público, que contesta os pais na ação, afirma que o direito de escolha dos pais não pode estar acima do direito da criança à saúde.

"O direito à vida e à saúde se sobrepõe a qualquer outro direito, sendo certo que a imunização é um direito indisponível do menor, não cabendo aos pais refutá-la, sob qualquer pretexto", afirma o órgão.

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O STF deve pesar qual direito está acima do outro e decidir a questão.

Politização da Coronavac

Disputa política entre o governador de São Paulo, João Doria, e o presidente Jair Bolsonaro está afetando planos de vacinação contra a covid-19 no Brasil
Foto: Divulgação Governo de São Paulo/Reuters / BBC News Brasil

Há ainda outras duas ações sobre vacinação contra covid-19 que foram levadas ao STF pela Rede Sustentabilidade e pelo PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e que estão em andamento na Corte. O julgamento delas também estava previsto para esta semana, mas as ações foram retiradas de pauta e ainda não há nova data marcada.

Os partidos entraram com Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) após o presidente Jair Bolsonaro dizer nas redes sociais que o ministério da Saúde não irá comprar a vacina Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac Biotech.

Como no Brasil a vacina está sendo desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo, a questão acabou envolvida na rivalidade política entre Bolsonaro e o governador do Estado, João Doria. Além disso, o fato da empresa de biotecnologia que idealizou a vacina ser chinesa também acabou politizado pelo governo, que enxerga a China com animosidade, apesar da enorme relação comercial do Brasil com o país.

Os partidos afirmam que motivos políticos e não técnicos para não comprar essa vacina podem gerar risco à vida e à saúde pública e ferem "o dever de impessoalidade, moralidade e eficiência da administração pública e do interesse público".

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No entanto, diante da pressão de governadores e das ações propostas no STF, o governo anunciou nesta quarta-feira (16/12) seu plano nacional de vacinação contra coronavírus e incluiu a Coronavac em sua apresentação.

A vacina Coronavac está sendo testada no Brasil em parceria com o Butatan e com aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). É uma das vacinas contra a covid-19 em estágio mais avançado de desenvolvimento e já teve sua segurança comprovada por pesquisas clínicas — ou seja, já se sabe que ela não faz mal e não causa efeitos colaterais graves, explica Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência.

O governo do Estado de São Paulo diz que os resultados dos testes de eficácia, que vão avaliar se a vacina de fato gera uma boa proteção contra a doença, devem sair em dezembro. Com isso, a imunização no Estado poderia começar em janeiro.

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