Crime, ciência e drag queens: brasileira é finalista de concurso de doutorados explicados em clipes

Natalia Oliveira formou-se doutora em Biologia com tese sobre uso de biossensores para detecção de fluidos corporais em cenas de crimes; agora, a pernambucana de 28 anos concorre a prêmio de importante publicação cientítica que desafia pesquisadores a explicarem trabalhos por meio da dança.

30 out 2017 - 15h27
(atualizado às 15h54)
Clipe de Natália Oliveira
Clipe de Natália Oliveira
Foto: BBC News Brasil

A princípio, a série "CSI", bailes de drag queens em Nova York na década de 1980 e as ruas de Recife não têm muito em comum, mas, para a pernambucana Natália Oliveira, eles têm tudo a ver.

'Temos que aproximar a ciência do público', diz brasileira finalista em concurso de clipes da Science
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A cientista misturou tudo isso ao transformar sua tese de doutorado em clipe e tornar-se a única brasileira entre os finalistas de um concurso da revista Science, uma das mais importantes publicações da área do mundo.

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Há dez anos, a revista e a Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês) criaram a competição, chamada Dance seu PhD, para desafiar pesquisadores a explicarem seus doutorados por meio da dança. A ideia é divertir e informar ao mesmo tempo, criando uma ponte entre os laboratórios e o público.

Vale qualquer estilo, contanto que o autor participe. E é o que Natália faz no vídeo de pouco mais de cinco minutos, produzido com a ajuda de amigos.

"Podem estranhar e dizer que isso não é um trabalho sério, mas é bom quebrar esse paradigma", diz a pesquisadora de 28 anos, doutora em Biologia Aplicada que agora cursa pós-doutorado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

"Cientistas buscam resolver problemas do mundo. Então, quanto mais gente entender e se engajar com a ciência, melhor. Especialmente agora que a área brasileira passa por um momento difícil."

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Clipe de Natália Oliveira
Foto: BBC News Brasil

Biossensores

Dançando pelas ruas do Recife e nos corredores e laboratório da universidade, Natália explica no clipe sua tese sobre o uso de biossensores para identificar fluidos corporais em cenas de crimes, mesmo que o autor tenha tentado apagar seus rastros com materiais de limpeza.

A sugestão de participar do concurso veio de um professor que sabia do envolvimento da cientista com teatro. Ela comprou a ideia e levou para o grupo de dança do qual participa desde o início do ano, o Vogue 4 Recife.

O inspiração da coreografia vem do vogue, um estilo de dança criado em bailes de drag queens no Harlem, em Nova York, que teve seu auge em meados dos 1980 e início dos anos 1990 e foi tema do documentário Paris is Burning (1990).

Clipe de Natália Oliveira
Foto: BBC News Brasil

O clipe traz Natália e seus amigos "lacrando", como se diz na cultura gay, com passos de dança que tornaram-se famosos em todo o mundo pelas mãos da Madonna, com a música - e clipe - Vogue.

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"A ideia era explorar a representatividade das pessoas que fundaram essa cultura, como as drag queens, mulheres trans, gays negras e latinas e as travestis", conta ela. E, ao mesmo tempo, explicar sua tese de doutorado: "Funciona como o aparelho que o diabético usa para medir o nível de açúcar no sangue, mas para fluidos biológicos em locais de crimes".

Ciência forense

Natália já havia trabalhado com essa tecnologia em seu mestrado, usando biossensores para detectar o vírus da dengue. O próximo passo foi aplicar a técnica às ciências forenses, uma área que sempre despertou seu interesse. Por isso o clipe faz referências à série americana CSI, em que uma equipe de peritos busca desvendar crimes.

Clipe de Natália Oliveira
Foto: BBC News Brasil

"Sempre fui muito fã da série, mas depois, quanto mais conhecia sobre a ciência forense, mais via que o programa retratava as coisas de uma forma que não era real", diz Natália, que deixou para trás a ciência forense da ficção para se dedicar à do mundo real.

"Há uma carência do mercado, porque muitos testes desse tipo não conseguem detectar materiais biológicos depois que a cena do crime é limpa."

Natália trabalhou por dois meses na elaboração do clipe e da coreografia, o gravou ao longo de duas tardes e levou uma semana para finalizá-lo. O trabalho é um dos quatro finalistas entre os vídeos de Química. Há ainda disputas em Biologia, Física e Ciências Sociais. A votação vai até hoje - o público pode indicar seus favoritos pelo site.

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O vencedor de cada uma das quatro categorias, eleito pelo júri com base em critérios científicos, artísticos e na união desses dois aspectos, receberá um prêmio de US$ 500 (R$ 1.620). Dentre eles, será determinado o grande ganhador, cujo autor receberá um prêmio adicional de US$ 500 e participará da conferência anual da AAAS nos Estados Unidos.

Natália diz estar "com as melhores expectativas possíveis" e "convocando todo mundo" que conhece para ajudar na promoção do vídeo.

'Cortes significativos'

Clipe de Natália Oliveira
Foto: BBC News Brasil

"Só tem nós do Brasil, isso é bom para divulgar o trabalho que fazemos aqui. A ciência tem uma linguagem bem técnica, e isso pode ajudar a torná-la mais acessível", diz a cientista pernambucana, para quem isso ganha ainda mais importância diante do momento pelo qual passa essa área no país.

"Muitos cientistas e professores estão fechando laboratórios por causa do corte de programas de apoio e financiamento", afirma, citando como exemplo a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, que deixou o Brasil rumo aos Estados Unidos afirmando que a falta de verbas inviabilizou suas condições de trabalho por aqui.

Natália conta que "cortes significativos" em financiamentos de agências de incentivo como CNPq e CAPES fizeram o Laboratório e Imunopatologia Keiko Azumi, da UFPE, onde ela fez suas pesquisas, abrir um edital para doações privadas para garantir a continuidade dos trabalhos.

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"A maioria das instituições de ensino superior estão passando por isso hoje. Quem dependia de recursos públicos foi diretamente afetado pelos recentes cortes em ciência e tecnologia", diz Natália.

Clipe de Natália Oliveira
Foto: BBC News Brasil

"Temos de mudar essa ideia de que a ciência não é disponível e acessível ao público. Só assim as pessoas vão entender o que fazemos e nos apoiar ainda mais neste momento difícil."

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