Luís Guilherme Barrucho
Enviado especial da BBC Brasil ao Rio de Janeiro
"Pelo amor de Deus, aqui ninguém vota na Dilma", diz a eleitora tucana, tomando chope em um clube à beira-mar de Copacabana. "Aécio nunca deve ter colocado os pés aqui e é melhor nem vir", fala a eleitora petista, empunhando uma bandeira do PT e ao som da bateria de uma escola de samba no centro de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
As declarações refletem a forte polarização entre o eleitorado dos dois candidatos à Presidência no Rio de Janeiro, terceiro maior colégio eleitoral do Brasil, depois de São Paulo e Minas Gerais. A poucos dias do segundo turno, o Estado entrou no roteiro tanto de Dilma Rousseff quanto Aécio Neves.
O tucano esteve o Rio no domingo (19), onde fez carreata pela praia de Copacabana. Já Dilma visitou o Estado duas vezes, a primeira na segunda-feira, quando fez comício com os dois candidatos ao governo, Marcelo Crivella (PRB) e Luiz Fernando Pezão (PMDB), ambos da base governista, e de novo na quarta-feira, quando fez uma caminhada com mulheres em Duque de Caxias.
A reportagem da BBC Brasil acompanhou dois comícios: o de Aécio, no domingo, e o de Dilma na quarta-feira, e conversou com os militantes.
Os locais foram escolhidos estrategicamente pelos coordenadores de campanha. Sondagens não oficiais dos partidos indicam que Aécio lidera com folga em bairros de classe média alta na Zona Sul do Rio de Janeiro, enquanto Dilma obtém maioria entre o eleitorado mais pobre da Baixada Fluminense, na Região Metropolitana do Estado.
"Não aguentamos mais tanta corrupção. O PT já ficou 12 anos no poder. Tem de sair", disse uma eleitora tucana à BBC Brasil. "Do contrário, viraremos uma Cuba, uma Venezuela."
"Se o Aécio virar presidente, não quero nem saber no que o Brasil vai se transformar", rebate uma eleitora petista. "Na época de FHC, não tinha dinheiro nem para colocar iogurte dentro de casa. Queijo, então, nem pensar."
Aécio
Na extremidade da orla de Copacabana, o clube Marimbás foi o ponto de encontro do comício do tucano pelo bairro mais famoso da cidade, no domingo.
Do lado de fora do local, o amarelo e o azul predominavam, com centenas de manifestantes perto das grades de ferro para conseguir ver Aécio.
Mas, do lado de dentro do clube, as cores do PSDB restringiam-se aos broches e adesivos colados nas camisas e bolsas de marca dos eleitores, entre sócios, artistas e correligionários, que empunhavam bandeiras com o rosto e o número do candidato.
Se as marquises do clube ajudavam a dissipar o forte calor – e protegiam os rostos cuidadosamente maquiados das mulheres -, não ofereciam resistência ao discurso inflamado. Nesse caso, contra o PT.
"Ninguém aqui aguenta mais o PT. São muito populistas", disse uma sócia à reportagem da BBC Brasil.
O marido dela chegou a ensaiar uma crítica sobre Aécio, mas foi imediatamente interrompido. "Não, ele não vai votar na Dilma, não. Pelo amor de Deus, aqui ninguém vota na Dilma", disse. "E quem vota nela, é melhor manter silêncio, nem abrir a boca."
Sócia do clube há quase 40 anos ("Aqui é ótimo. Um amigo meu, que mora em Milão, ama esse lugar"), ela diz querer "mudança".
Aécio chegou atrasado, por volta das 11h, e teve dificuldades para entrar no clube, onde daria uma entrevista coletiva a jornalistas, antes do início da carreta que levaria milhares de pessoas à praia de Copacabana.
Aos gritos de "Aécio presidente", ele venceu a multidão acompanhado da esposa, Leticia Weber, que vestia uma camiseta de uma grife paulistana com os dizeres "Uai we can", em alusão ao slogan "Yes we can", do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Sob a mira dos fotógrafos, o tucano subiu as escadas rumo ao terceiro andar do local, onde a imprensa já o aguardava. No caminho, cumprimentou os eleitores.
Aos jornalistas, ele cobrou que Dilma entre "no debate de propostas e não de agressões".
"Quero fazer aqui um convite para a nossa adversária para que possamos debater propostas, falar do futuro do Brasil. Sou da escola política do meu avô, que ensina que quem deve brigar são as ideias, não as pessoas", disse Aécio.
Ao fim da entrevista, que durou menos de dez minutos, o tucano dirigiu-se à saída do clube. No caminho de volta, uma sócia do clube lamentou não ter podido tirar foto com o candidato.
"Sou sócia daqui há mais de 50 anos; nem consegui chegar perto dele", criticou ela, impedida de se aproximar do tucano.
Para outros sócios, o evento causou "confusão".
"Olha só, todos esses carros parados aqui. Isso não é de gente nossa, isso é gente de fora", afirmou um dos sócios.
"É porque tem muito jornalista aqui. Será que eles vieram de carro?", brincou outro.
Dilma
Na quarta-feira, a Praça Roberto da Silveira, no centro nervoso de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, reuniu centenas de eleitores de Dilma para a concentração do comício com a petista, no que seria, inicialmente, uma caminhada com as mulheres.
Ali, desde as 14h, a bateria da escola de samba Grande Rio esquentava os tamborins para o início do evento, marcado para duas horas depois, mas ainda sem sinal da presidente.
"Já votei em Fernando Henrique (Cardoso, ex-presidente). Fui criada em Minas e meu pai era de direita. Mas desde a primeira eleição de Lula passei a votar no PT", afirmou uma moradora de 62 anos.
"A vida de todo mundo aqui melhorou muito. Há nove anos, meu filho se casou e fez um rega-bofe de primeira classe. Quando isso aconteceria nos tempos de arrocho do governo do PSDB?", questiona.
"O problema é que a elite tem horror a pobre. Para eles, pobre é doença. Eles não querem pobre andando de avião", acrescenta.
A amiga, quem conheceu em uma pastoral da Igreja Católica, consente, balançando positivamente a cabeça. "Quando eu ia pensar que viajaria de avião? Hoje, querido, viajo várias vezes por ano", diz ela à BBC Brasil.
"Meus filhos são formados e tenho dois carros zero quilômetro na garagem de casa. É só ver (aponta o trânsito intenso ao redor da praça) todo esse engarrafamento aí. Todos os pobres agora são motorizados", ri.
"Nós somos Dilma de coração", finaliza ela, que se considerava "pobre", mas "agora sou classe média, fofura".
Por volta das 16h, a multidão – com homens e mulheres - saiu sem Dilma, contornou a linha do trem e desafogou em um cruzamento de ruas próximo à chamada Praça do Pacificador. A presidente ainda não havia chegado.
No trajeto, políticos locais filiados ao PT, como Lindbergh Farias, candidato derrotado ao governo estadual, e Carlos Minc, ex-ministro do Meio Ambiente, discursaram.
Quando um deputado federal petista falou que o "Brasil não está mais de joelhos ao FMI", uma militante ironizou: "Ih, olha lá, já querendo copiar o Lula".
Dilma chegou por volta das 17h. Saltou de um sedã de luxo preto de vidros esfumaçados e foi direto falar com a imprensa, em uma estrutura apertada onde mal cabiam todos os jornalistas. Aproveitou também para adiantar aos repórteres e cinegrafistas que não falaria "muito" porque estava decidida a poupar a voz.
"Não vamos deixar o país voltar para trás. Todo o governo, o meu e o do (ex-presidente) Lula, teve as pessoas como centro. Sabemos o quanto você, que está me escutando agora, batalha para conseguir mudar de vida. Mas tem um aspecto: no passado, você também lutava e não melhorava de vida", afirmou a presidente durante a entrevista coletiva, que durou pouco mais de três minutos.
Dali, Dilma seguiu para um carro aberto, no qual percorreu apenas 300 metros pela Avenida Leonel Brizola, no centro da cidade. Visivelmente cansada, deixava escapar certo ar de insatisfação, mesmo entre acenos e beijos ao povo.
De cima do veículo, a presidente discursou e depois decidiu concluir o trajeto a pé, sob os gritos dos militantes e para o desespero de sua escolta. Entrou de volta no carro oficial e bateu em retirada.