De 'superdimensionado' a risco dentro do Planalto, como Bolsonaro teve que mudar postura sobre coronavírus

Teste do presidente para a doença deu negativo, mas governo corre para conter estragos na economia e pressão sobre sistema de saúde.

14 mar 2020 - 07h55
(atualizado em 16/3/2020 às 16h28)
O ministro Mandetta, o presidente e intérprete de Libras durante transmissão ao vivo em que Bolsonaro sugeriu a suspensão das manifestações a seu favor no dia 15
O ministro Mandetta, o presidente e intérprete de Libras durante transmissão ao vivo em que Bolsonaro sugeriu a suspensão das manifestações a seu favor no dia 15
Foto: Reprodução/Facebook / BBC News Brasil

Poucos dias depois de ter dito que a questão do coronavírus "não é isso tudo que a grande mídia propaga" na última terça-feira (10), o presidente Jair Bolsonaro teve que mudar sua postura diante do avanço da doença no Brasil e da adoção de medidas radicais por outros países, com os Estados Unidos, que suspendeu milhares de voos com a Europa.

Na noite de quinta-feira (12), o presidente fez pronunciamento em rede nacional de televisão para desestimular protestos em seu apoio previstos para este domingo em todo o País — atos que ele mesmo havia incentivado nas últimas semanas. O pedido foi feito também em transmissão ao vivo na sua conta de Facebook, em que o presidente e o ministro da Saúde, Luiz Mandetta, apareceram usando máscaras cirúrgicas.

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O procedimento foi adotado porque havia suspeita de que Bolsonaro teria contraído coronavírus durante viagem aos Estados Unidos, o que foi descartado nesta sexta-feira após o teste para a nova doença dar negativo.

Embora o presidente não esteja com coronavírus, a preocupação com o impacto da doença sobre o sistema de saúde e a economia do país cresceu e elevou a pressão sobre seu governo para anunciar medidas preventivas e de redução de danos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu na sexta-feira anunciar ações emergenciais em até 48 horas, depois de ser publicamente cobrado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Por enquanto, o governo anunciou que "os bancos públicos atuarão com R$ 75 bilhões no combate ao coronavírus", após reunião na sexta-feira de diversos ministros, incluindo Guedes, Mandetta, Braga Netto (Casa Civil), Sérgio Moro (Justiça), Jorge Oliveira (Secretaria Geral) e Onyx Lorenzoni (Cidadania). Segundo o porta-voz da Presidência da República, General Otávio Rêgo Barros, "tal recurso será usado para crédito agrícola, capital de giro e crédito consignado".

Na noite de sexta-feira, também foi publicada em uma edição extra do Diário Oficial uma Medida Provisória (MP) da presidência que abre crédito extraordinário de cerca de R$ 5 bilhões em favor dos ministérios da Saúde e Educação para o enfrentamento ao coronavírus. Sendo uma MP, a matéria entra em vigor no momento da publicação, mas precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias — caso contrário, perde a validade.

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Dias atrás, o presidente disse a uma plateia de apoiadores em Miami (EUA) de que muito sobre o coronavírus seria 'fantasia'
Foto: Marco Bello/Reuters / BBC News Brasil

Na quinta-feira, o Ministério da Economia já havia anunciado para abril a antecipação de metade do 13º salário para aposentados e pensionistas do INSS, o que vai injetar R$ 23 bilhões na economia.

Outra medida em elaboração, segundo Rego Barros, é uma lista de produtos médico-hospitalares que terão redução de impostos e prioridade na importação nas aduanas do país.

O cenário atual contrasta com falas recentes do presidente, que na segunda-feira, ao comentar a forte queda nas ações da Bolsa de Valores durante a viagem aos Estados Unidos, disse que estava sendo "superdimensionado o poder destruidor desse vírus".

No dia seguinte, ainda durante essa viagem, reforçou a mensagem: "Durante o ano que se passou, obviamente, temos momentos de crise. Muito do que tem ali é muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propaga".

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Já na quarta-feira, ao chegar ao Brasil, minimizou também a letalidade da doença.

"Vou ligar para o (ministro da Saúde, Luiz Henrique) Mandetta. Eu não sou médico, não sou infectologista. O que eu ouvi até o momento (é que) outras gripes mataram mais do que esta", declarou Bolsonaro, ao ser questionado por jornalistas quando chegava no Palácio da Alvorada.

As falas de Bolsonaro minimizando a doença nesta semana ocorreram num momento em que já havia sinais claros da gravidade do coronavírus pelo mundo, por exemplo com adoção de isolamento de milhões de pessoas na China e na Itália. Elas também foram feitas depois que o vírus já havia chegado ao Brasil — o primeiro caso foi confirmado na terça-feira de carnaval (25/02)

Deputado Eduardo Bolsonaro usa máscara no Palácio da Alvorada: medidas de precaução foram tomadas depois que o secretário de comunicação, Fabio Wajngarten, foi diagnosticado com covid-19
Foto: Adriano Machado/Reuters / BBC News Brasil

Já na noite de ontem, o presidente destacou os limites do sistema de saúde brasileiro ao solicitar que os atos previstos para domingo fossem "repensados".

"O sistema de saúde brasileiro, como os demais países, tem um limite de pacientes que podem ser atendidos. O governo está atento para manter a evolução do quadro sob controle. É provável que o número de infectados aumente nos próximos dias, sem no entanto ser motivo de qualquer pânico", disse durante o pronunciamento em cadeia nacional de TV.

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Pandemia

No Brasil, os casos de Sars-cov-2, como é chamado oficialmente o novo coronavírus, têm crescido exponencialmente nos últimos dias — até esta sexta-feira eram 98 registros, em 12 Estados — São Paulo (56), Rio de Janeiro (16), Paraná (6), Rio Grande do Sul (4), Goiás (3), Bahia (2), Minas Gerais (2), Pernambuco (2), Santa Catarina (2), Alagoas (1), Espírito Santo (1) e Rio Grande do Norte (1) — e no Distrito Federal (2). Há ainda 1.485 casos suspeitos no país, e 1.344 foram descartados. Nenhuma morte foi registrada até agora.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou pandemia de coronavírus nesta quarta-feira. O termo é usado para descrever situações em que uma doença infecciosa ameaça muitas pessoas de forma simultânea no mundo inteiro.

A organização estima que 3,4% dos pacientes morrem por causa da Covid-19, a doença causada por este vírus. Mas especialistas estimam que essa taxa de letalidade gire em torno de 2% ou menos.

O risco é maior para idosos e pessoas que já tenham um quadro de saúde debilitado. A preocupação de autoridades em diversos países é retardar a transmissão da doença para evitar que faltem vagas no sistema de saúde para tratar os casos mais graves, que exijam internação hospitalar.

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