Quando Wilson Witzel (PSC) recebeu 41,2% dos votos no primeiro turno das eleições para governador do Rio, o resultado foi uma surpresa. Ele mesmo admitiu, já eleito governador depois do segundo turno, que o apoio do agora senador Flávio Bolsonaro (PSL) foi fundamental para sua vitória.
Passado quase um ano, o presidente Jair Bolsonaro usa o apoio que seu filho deu a Witzel para atacá-lo depois da notícia, divulgada pelo Jornal Nacional, de que o nome do presidente foi mencionado por um porteiro do condomínio onde ele morava, no Rio, no curso das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco, em março de 2018.
Em Riade, na Arábia Saudita, Bolsonaro acusou Witzel de tramar para destruir sua reputação.
"No dia 9 de outubro, às 21h, eu estava no Clube Naval do Rio de Janeiro quando chegou o governador Witzel. Foi uma surpresa para os dois. Ele chegou perto de mim e falou o seguinte: 'O processo está no Supremo'. Perguntei que processo. 'O processo da Marielle. O porteiro citou seu nome'", disse o presidente.
Ele continuou: "Ou seja: Witzel sabia do processo que estava em segredo de Justiça e comentou comigo. No meu entendimento, o sr. Witzel estava conduzindo o processo com o delegado da Polícia Civil para tentar me incriminar ou ao menos manchar o meu nome com esta falsa acusação".
O presidente da República disse que o governador do Rio era uma pessoa desconhecida que teria usado a popularidade da família Bolsonaro para se eleger.
"Colou no Flávio Bolsonaro e em mim para poder se eleger governador do Rio de Janeiro. Depois de eleito, elegeu Flávio e eu como inimigos."
Em nota, divulgada ontem, Witzel afirmou não transitar "no terreno da ilegalidade", negou ter vazado qualquer informação da investigação à TV Globo e disse ter sido atacado injustamente.
"Lamento profundamente a manifestação intempestiva do presidente Jair Bolsonaro. Ressalto que jamais houve qualquer tipo de interferência política nas investigações conduzidas pelo Ministério Público e a cargo da Polícia Civil."
E acrescentou: "Não farei como fizeram comigo, prejulgar e condenar sem provas".
Mas Witzel já esteve mais próximo da família Bolsonaro. Essa proximidade começou no ano passado, durante as eleições, mas logo desandou para resultar no rompimento total de agora.
'Todos nós vestimos a mesma camisa'
O ex-juiz federal e ex-fuzileiro naval Wilson Witzel começou a disputa para governo do Estado do Rio entre os últimos colocados.
Durante a campanha, no entanto, associou sua imagem e ideias às do então candidato à Presidência, Jair Bolsonaro. Primeiro, Witzel declarou voto em Bolsonaro.
Depois, começou a desfilar com uma bandeira do Brasil nas costas, defendendo propostas como abertura de escolas militares para a população civil e dizendo-se a favor de "abater" uma pessoa "com fuzil na mão" e que daria "defesa jurídica" a policiais que matassem em confronto.
Em seu programa, Bolsonaro defendia um "excludente de ilicitude" para policiais que matam supostos bandidos.
E Witzel também costurou um apoio com Flávio Bolsonaro, filho de Jair e na época em campanha para o Senado no Rio.
O pai não apoiou candidatos na disputa eleitoral do Rio. "Nós somos neutros, exceto nos Estados onde temos candidatos. Estou neutro aqui [no Rio]", afirmou em entrevista veiculada na TV Globo na época da campanha. O PSL, de Bolsonaro, e o PSC, de Witzel, não estavam coligados.
Já Flávio, pouco antes das eleições do primeiro turno, participou de carreatas com Witzel. "Governador, todos nós vestimos a mesma camisa, que é a camisa do Brasil, da decência, da moralidade e do respeito com o dinheiro do contribuinte", disse ele em uma carreata em Nova Iguaçu, divulgada na conta de Twitter de Witzel.
Em 29 de setembro, Witzel divulgou outro vídeo, dessa vez no Facebook: uma carreata em Duque de Caxias ao lado de Flávio.
Em outros vídeos divulgados nas redes sociais, Witzel tentava colar sua imagem à de Bolsonaro: "Vamos seguir o conselho do nosso Capitão! Wilson Governador 20 e Bolsonaro Presidente 17", diz um texto nas redes sociais que acompanhava um vídeo de Bolsonaro.
'Alinhamento quase total'
No último debate da TV Globo antes do primeiro turno das eleições no Rio, enquanto Eduardo Paes (DEM) e Romário (Podemos) não declararam voto a presidenciáveis, Witzel e Índio da Costa (PSD) se alinharam explicitamente a Bolsonaro.
Em 7 de outubro de 2018, enquanto Bolsonaro passava para o segundo turno na disputa presidencial e Flávio era eleito senador pelo Rio com 4,1 milhões de votos, Witzel terminou a disputa do primeiro turno com 41,28% dos votos válidos. Uma semana antes, tinha aparecido em terceira posição no Datafolha, com 9% das intenções de voto. Na véspera da eleição, a pesquisa mostrava 14%.
Sobre sua associação à imagem de Bolsonaro, na época, Witzel afirmou, segundo o Uol, que suas pautas estavam "dentro da mesma linha, mesmo que não declarasse o voto no Jair Bolsonaro, o público faz a associação." "O alinhamento é quase total. Vou ter mais facilidade de trabalhar com um presidente da República alinhado com as minhas ideias", disse.
'Parece uma criança'
No segundo turno, no entanto, uma decisão liminar do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) proibiu Witzel de veicular em propaganda eleitoral o apoio do filho de Bolsonaro.
A ação que motivou a decisão partiu de seu concorrente Eduardo Paes, que alegou que Flávio Bolsonaro havia aparecido na propaganda eleitoral de Witzel na TV declarando apoio ao candidato, embora o PSL não tivesse formalizado apoio ao PSC.
Witzel seguiu em campanha e, no fim de outubro de 2018, no último debate antes do 2º turno, voltou a falar de Flávio. No debate da Globo, Witzel afirmou ter recebido um telefonema de Flávio o "autorizando a divulgar o apoio" à sua candidatura.
Dirigindo-se a Paes, disse que seu partido "tinha ido à Justiça para impedir que ele aparecesse nas propagandas". "Hoje ele deu autorização, estou feliz."
Ele foi ironizado por Paes, que retrucou: "Parece uma criança. Ficou feliz porque o Flávio Bolsonaro deu licença". E disse: "Parabéns ao Flávio Bolsonaro, que foi eleito senador. A gente está elegendo o governador, o senador não estará no Palácio Guanabara para assinar documentos".
'Dois sonhadores'
Witzel acabou vencendo o segundo turno com 59,87% dos votos válidos. Em sua festa de vitória, atribuiu o desempenho a, entre outras coisas, o apoio de Flávio.
"Quero manifestar gratidão a um jovem senador que, num gesto simbólico, contrariando até mesmo o 01 (Jair Bolsonaro), me deu a mão, numa caminhada em Nova Iguaçu, e falou 'salva o Rio de Janeiro, Wilson'", disse, em referência a Flávio.
"Foi naquela união de mãos, que vai passar para a história dos nossos filhos e netos, que dois sonhadores nos unimos. Isso foi o suficiente para que contaminasse todos os demais corações do meu lado e do lado dele. Aí ninguém segurou mais."
Depois das eleições, em 2 de novembro, jornais publicaram a notícia de que Flávio e Witzel se encontraram para conversar sobre uma viagem a Israel, onde conheceriam um drone equipado com uma arma capaz de atirar enquanto sobrevoa uma região. Teria sido o primeiro encontro entre os dois após a eleição. Uma foto do encontro também foi divulgada.
Em dezembro do ano passado, o presidente eleito Jair Bolsonaro, acompanhado de Flávio e outros apoiadores, participou com Witzel da cerimônia de inauguração de um colégio da Polícia Militar do Rio, em Duque de Caxias.
Mas essa relação azedaria.
O ínicio do fim: 'Desejamos sorte'
Já empossado no governo, Witzel começou a ver a família Bolsonaro se distanciar dele. Sua simpatia por um deputado estadual petista, André Ceciliano, que disputava o comando da Assembleia Legislativa do Rio, foi o primeiro motivo para o clã dar um passo para trás.
Carlos Bolsonaro, o filho do meio, eleito vereador no Rio, escreveu um comentário em seu Instagram: "Nenhuma ligação, eu, Jair e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) tivemos ou temos com o candidato e hoje governador Witzel. Desejamos sorte e sabedoria neste mandato que se inicia", escreveu, sem mencionar o apoio do irmão Flávio.
No dia seguinte, Witzel publicou um texto nas redes sociais dizendo não apoiar candidatos à Presidência da Assembleia. "Os poderes são independentes e reafirmo: não tenho candidato, esta é uma questão interna da Assembleia e das lideranças partidárias", escreveu.
Descolamento
Em março, Witzel começou a deixar clara uma pretensão de concorrer à Presidência da República em 2022 — e passou a tentar descolar sua imagem da família Bolsonaro.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o apoio informal do governador à candidatura de Ceciliano provocou um racha dentro do PSL na Assembleia Legislativa do Rio.
A reportagem também apontava como o governador tentava demarcar suas diferenças com o presidente — como quando, após uma reunião com Bolsonaro, disse que seria "muito difícil" aprovar a reforma da Previdência proposta por ele, sem demonstrar apoio.
A crise se agravou quando Witzel exonerou um aliado de Flávio do governo, Gutemberg de Paula Fonseca.
Em agosto, declarou que desejava ser presidente da República, "de preferência sucedendo o presidente Bolsonaro". À revista Época, afirmou que as falas de Bolsonaro só animavam as redes sociais, mas o país não saía do lugar.
"O que o Bolsonaro fala, eu não falaria. Sou um pouco mais preocupado com aquilo que tenho de expressar. Meio ambiente, por exemplo. Eu não falaria em fazer cocô dia sim, dia não, como o presidente fez. Até porque isso é simplesmente inexequível. É como editar uma medida provisória sobre o uso diário de banheiro. Bolsonaro anima as redes, e o Brasil não sai do lugar", afirmou.
Mas em outra ocasião, depois da reportagem da Época, Witzel voltou a afirmar que fazia parte da base de apoio do governo federal.
Em setembro, em entrevista à GloboNews, Witzel disse novamente querer ser presidente da República, mas dessa vez afirmou que não foi eleito com apoio de Bolsonaro.
"Fui eleito no Rio de Janeiro não pelo apoio do Bolsonaro, porque ele nunca declarou voto em mim. Eu declarei que votaria nele. Mas ele nunca declarou voto em mim. As pessoas me escolheram por aquilo que eu sou na minha história", afirmou.
"Muita gente, pelo fato de eu ter declarado meu apoio ao Bolsonaro, entendeu que nós tínhamos semelhança de propostas e também votaram em mim."
Rompimento
No mesmo mês o PSL deixou oficialmente a base de apoio de Witzel na Assembleia Legislativa — a maior bancada da Casa. O comunicado oficial do partido justifica a ruptura por "posicionamentos políticos" do governador e por orientação de Flávio, então presidente estadual do PSL no Rio.
Em entrevista ao Globo no começo de outubro, Flávio chamou Witzel de "ingrato" pelas críticas à gestão federal e por se colocar como candidato à Presidência da República.
O senador disse que o comportamento "beira a traição", mas também decidiu rever sua decisão de que os políticos da legenda com cargos na gestão estadual deveriam abandonar suas funções ou se desfiliar.
Afirmou que quem quisesse permanecer iria lidar com "o bônus e o ônus de ajudar um governo que será concorrente com o de Bolsonaro em 2022".
Por final, disse que Witzel havia lhe procurado durante a campanha pedindo que ele assinasse uma autorização para poder divulgar fotos a seu lado. "Eu atendi. Não me arrependo, mas esperava mais consideração", disse.
'Destruir a família Bolsonaro'
O rompimento definitivo veio nesta terça-feira (29/10), quando Bolsonaro acusou Witzel de ter vazado informações à imprensa sobre a investigação da morte de Marielle Franco.
"Digo mais, seu governador Witzel, acabei de ler aqui na Veja que o senhor teria vazado esse processo que está em segredo de Justiça para a Globo", disse Bolsonaro, em uma transmissão ao vivo pelo Facebook na madrugada de quarta, 30, na Arábia Saudita.
"O senhor só se elegeu governador porque o senhor ficou o tempo todo colado no Flávio Bolsonaro, meu filho. O tempo todo colado com ele", disse.
"Ao chegar à Presidência (sic), a primeira coisa que o sr. fez foi se transformar em inimigo dele. Por quê? Porque o senhor quer disputar a Presidência em 2022. Legítimo, nada contra isso. Mas para chegar lá, ao que tudo indica, o senhor tem que destruir a família Bolsonaro, destruindo aquilo que nós temos de mais sagrado. A nossa conduta de combate à corrupção, de honestidade", disse. "O seu objetivo é nos destruir."
Após a transmissão do presidente, Witzel voltou a comentar o caso. Segundo a Folha de S.Paulo, à imprensa, no Rio, ele disse ter recebido a notícia "com tristeza" e exigiu desculpas. Disse que não teve acesso a documentos da investigação e que o presidente pode ter feito as declarações "num momento talvez de descontrole emocional".