O delegado aposentado da Polícia Civil Aparecido Laertes Calandra negou nesta quinta-feira, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), qualquer envolvimento com episódios de tortura durante a ditadura militar no Brasil. Apesar de ex-presos políticos terem reconhecido o policial como o torturador de codinome capitão Ubirajara, ele disse que no período em que trabalhou no Destacamento de Operações e Informações do Centro de Operações e Defesa Interna (DOI-Codi) atuou apenas como assessor jurídico. Ele informou que desconhece qualquer violação aos direitos humanos cometida no local no período de 1972 a 1976, quando exerceu essa função no departamento. "Nunca ouvi gritos", disse.
Ele não soube explicar como tantas pessoas o reconheceram como membro das equipes de interrogatório. "Atribuo isso a um engano pessoal das pessoas que estão fazendo essas acusações. Nunca participei de nenhuma atividade de tortura e nunca apoiaria isso", declarou. Embora cumprisse expediente no DOI-Codi, ele negou trabalhar no sistema de informações do governo.
O coordenador da Comissão da Verdade, Pedro Dallari, apresentou documentos em que o comando do Exército elogia o delegado por sua performance profissional. "Isso era parte da conduta do comando aqueles que se dedicavam especificamente a sua função. E a minha era de assessor jurídico", justificou.
Aparecido Calandra disse ainda nunca ter usado codinomes. "Sempre usei o meu nome. Nunca interroguei ninguém e muito menos violei direitos humanos. Sempre fui o contrário disso", destacou.
Para a aposentada Darci Miyaki, ex-presa política, que relatou ter sido torturada por ele, não há dúvidas da verdadeira identidade do capitão. "Ele mudou pouco, muito pouco. Está com cabelo mais ralo, branco, mas o visual, a estrutura são os mesmos. Esse cidadão era o Ubirajara, um torturador e partícipe de muitos assassinatos", disse ela.
Antes do depoimento do acusado, sete ex-presos políticos falaram na audiência sobre os momentos em que estiveram de frente com o delegado. Durante o testemunho, Darci Miyaki questionou a versão da morte de seu companheiro de militância Élcio Pereira. "A morte dele foi anunciada em um tiroteio no dia 28 de janeiro de 1972, mas, nesse dia, ele estava sendo trazido do Rio (de Janeiro) para São Paulo comigo", relatou. Ela disse que foi torturada diversas vezes pela equipe do capitão Ubirajara. "Foram choques elétricos no ouvido, nos dedos dos pés, das mãos, choque na vagina. Era algo muito violento", descreveu.
A aposentada Maria Amélia de Almeida Teles, detida pela ditadura em dezembro de 1972, também esteve na audiência e disse ter sido torturada pessoalmente pelo delegado. Amélia foi presa junto com o marido e Carlos Nicolau Danielli, companheiro de militância. Ela contou que os filhos do casal, à época com 4 e 5 anos, também foram levados ao DOI-Codi e presenciaram a mãe já machucada pelos métodos violentos aplicados no interrogatório. "Eles queriam saber porque eu estava azul. Quando olhei para o meu corpo, vi que estava toda roxa", relatou.
Em um dos momentos em que ela esteve com Aparecido Calandra, o delegado lhe mostrou um recorte de jornal com a manchete de que um terrorista havia sido morto em tiroteio. "Era uma versão mentirosa. Danielli foi morto naquela sala", declarou.
Amélia contou que foi ameaçada de que o mesmo poderia ocorrer com ela, pois eles dariam as versões que quisessem para as mortes. "Ele ficou ali se gabando de ser autor daquela farsa. Ameaçando que eu poderia ter manchete como essa", apontou ela. A morte de Danielli é uma das acusações que pesam sobre o capitão.
Além de Darci e Amélia, também prestaram depoimentos os ex-presos políticos Gilberto Natalini (atualmente vereador de São Paulo pelo PV), o jornalista Sérgio Gomes, o deputado federal Nilmário Miranda, o deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP) e o físico Arthur Scavone. Eles detalharam as situações em que estiveram com o capitão Ubirajara no período da prisão.
O advogado José Carlos Dias, membro da Comissão da Verdade, considerou o depoimento uma "desfaçatez". "Os vizinhos ouviam os gritos e ele, que trabalhava lá, não ouvia um grito? É uma desfaçatez. Mas nós cumprimos o nosso dever de perguntar", avaliou. Pedro Dallari fez avaliação parecida ao dizer que o depoimento foi pouco "crível". "É ruim por um lado, mas as provas que a comissão possui contra ele são muito robustas", disse. "Os fatos indicam claramente que o delegado praticou tortura", completou.
Ele informou ainda que a comissão já recolheu grande número de depoimentos que farão parte do relatório final. "Todos os depoimentos que considerarmos importantes para a elucidação dos fatos, nós colheremos, mas temos um problema de tempo", reforçou. Pedro Dallari espera que haja prorrogação, até o final do ano, do prazo para conclusão dos trabalhos, que se encerrariam em maio.