Democracia, 30 anos: Lula defende reforma política

Especialistas, urbanistas, membro do FMI e militantes da sociedade civil contam o que avançou e o que falta para o País

15 mar 2015 - 16h38
(atualizado às 18h34)
<p>Lei ainda não está completamente estabelecida, diz Lula</p>
Lei ainda não está completamente estabelecida, diz Lula
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Há 30 anos, em 15 de março de 1985, a posse do presidente José Sarney colocava fim oficialmente à ditadura militar. A BBC Brasil convidou lideranças em diferentes setores para opinar sobre quais são os principais avanços colhidos em três décadas de democracia e em que áreas se avançou pouco.

Um dos que aceitaram o convite foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Assim como outros entrevistados, ele destacou o aumento da liberdade de expressão e a redução da desigualdade social como importantes conquistas desse período.

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Para que o País avance mais, Lula defendeu a democratização dos meios de comunicação e a realização de uma reforma política que estabeleça o financiamento público das campanhas eleitorais em substituição ao financiamento por empresas.

O comentário do ex-presidente tem como contexto o momento de fraqueza do governo de sua sucessora, Dilma Rousseff, que está pressionada pelo noticiário negativo em torno do escândalo da Petrobras (de onde recursos teriam sido desviados para financiar partidos).

Também foram convidadas Marina Silva e as principais lideranças do PSDB (Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves), mas eles não responderam às perguntas encaminhadas.

Especializado em qualidade da democracia, o cientista político José Álvaro Moisés destacou como avanços a estabilidade econômica e o controle da inflação - e apontou como grave problema a corrupção nos governos.

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A urbanista Raquel Rolnik também criticou a continuidade do sistema de financiamento de campanhas por grandes empresas, o que, na sua opinião, tem colocado as decisões do Estado sob o comando de grupos privados.

O problema da violência, principalmente contra os mais pobres, foi lembrado por Jailson de Souza, coordenador do Observatório de Favelas. Já Monica de Bolle, ex-economista do FMI, considera que houve pouco progresso no sentido de dar mais voz às "minorias" e às mulheres.

Mais pessimista, Guilherme Boulos, liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MST), disse que os avanços da democracia "estão em permanente ziguezague, alternando ganhos pontuais e retrocessos", e citou como exemplo a "criminalização das manifestações".

Confira abaixo a os comentários completos:

1) Luís Inácio Lula da Silva, ex-presidente

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Principais avanços: Eu acho que o maior avanço do País nesses 30 anos foi a conquista, consolidação e aprofundamento da democracia. As pessoas poderem se expressar, se organizar e escolher seus representantes. Só na democracia um trabalhador ou uma mulher podem chegar à Presidência da República. Só com democracia, com organização e pressão do povo, foi possível reduzir a pobreza, diminuir a desigualdade e tirar o Brasil do Mapa da Fome da ONU.

Avanços limitados: Eu acho que após 30 anos, precisamos de uma reforma política, extremamente necessária para o País e para recompor a vitalidade da política. É necessário esse salto de qualidade na democracia e na transparência, que pode fortalecer a confiança da sociedade nos seus representantes e nas instituições. Para isso, o meu partido, o Partido dos Trabalhadores, propõe, por exemplo, financiamento público de campanha.

E não só isso, outro aspecto no qual não conseguimos avançar foi na democratização dos meios de comunicação de massa. O Código de Telecomunicações é de 1962, muito distante de hoje. São seis famílias que detêm quase o total do mercado dos meios de comunicação. Isso ainda precisa avançar muito.

2) José Álvaro Moisés, especialista da USP em qualidade da democracia

Principais avanços: Houve avanços importantes nos direitos civis, políticos e socias. Aumentaram as liberdades de ir e vir, de expressão e religiosa. Os ciclos eleitorais para a escolha de governos se sucedem segundo as regras constitucionais e garantem a alternância no poder. A estabilidade econômica e o controle da inflação mudaram para melhorar as condições de vários segmentos populacionais, e uma maior atenção à questão social resultou na melhora de alguns índices que medem as desigualdades.

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Avanços limitados: Práticas de abuso de poder, como a crescente ocorrência do fenômeno da corrupção, indicam que o império da lei ainda não está completamente estabelecido. É evidente que o processo de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas demandadas pela sociedade enfrenta limites sérios quanto à sua eficiência e eficácia.

Em muitas áreas de atividade governamental o planejamento ainda está ausente e permanecem desperdícios que, por sua vez, são agravados pela malversação de fundos e pela corrupção, em todos os níveis.

3) Jailson de Souza, coordenador do Observatório de Favelas

Principais avanços: O processo de democratização é a grande conquista desde o fim da ditadura, em seus dois níveis: a consolidação das instituições republicanas e o avanço da democratização social, com a inserção de dezenas de milhões de pessoas no mercado. Nesse campo, precisamos avançar em termos de participação política e maior representatividade das instituições governamentais.

Jailson de Souza: banalização da violência ainda é problema
Foto: BBC Mundo / Copyright

Avanços limitados: Nada é mais urgente do que superar a banalização da violência letal e do encarceramento (prisões), que têm crescido de forma acelerada e atingem principalmente jovens pobres, negros, com baixa escolaridade. Esses fenômenos - sustentados na guerra às drogas - são a maior tragédia do País nas últimas décadas e precisam ser enfrentados em todas as esferas sociais. Eles colocam em questão o nosso processo de democratização, numa perspectiva plena.

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4) Monica de Bolle, diretora do think tank Casa das Garças e ex-economista do FMI

Principais avanços: Uma área em que se avançou muito - e que acaba tendo repercussão nas instituições, na economia e na solidificação da democracia - foi o processo de inclusão social. Claro que muitos ainda se sentem à margem da democracia, então tem muito ainda o que avançar.

Mas acho que hoje existe uma percepção entre as pessoas, em todas as faixas de renda, de que o País é delas e elas têm nas mãos a possibilidade de mudá-lo pelas vias democráticas. Houve uma mudança colossal também em termos de solidez econômica. A estabilização foi uma demanda da população, muito claramente expressa nas urnas nos anos de 1990.

Avanços limitados: Avançamos muito timidamente na inclusão de vozes das minorias - e tem minoria que nem minoria é, como o caso das mulheres. De um modo geral, a mulher ainda é muito pouco representada em diversas áreas.

5) Guilherme Boulos, liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto

Principais avanços: Os avanços no atual período democrático foram mitigados. Houve avanços econômicos, sociais e nos direitos civis, mas que estão em permanente ziguezague, alternando ganhos pontuais e retrocessos. Por exemplo, o atual Congresso Nacional, altamente reacionário, ameaça direitos conquistados no último período. Assim como a retomada de uma política econômica neoliberal ameaça ganhos sociais. Mesmo o direito à manifestação está sempre ameaçado por projetos de lei restritivos e criminalização pelo judiciário e as forças de segurança. A estrutura social do País permaneceu intacta nestes 30 anos, o que bloqueia avanços firmes em outras áreas.

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Avanços limitados: Poderíamos elencar alguns aspectos arcaicos que permaneceram intocados no período democrático - o sistema político patrimonialista; o acesso à terra rural e urbana; o monopólio dos meios de comunicação e a estrutura tributária regressiva (carga tributária mais elevada sobre os mais pobres). As reformas de base pleiteadas no tempo do presidente João Goulart (1961-1964) - política, tributária, agrária, urbana - permanecem lamentavelmente atuais. E igualmente travadas.

6) Raquel Rolnik, urbanista e ex-relatora especial da ONU para habitação

Principais avanços: Evidentemente, avançamos nas liberdades civis e políticas. No campo específico da política urbana, tivemos avanços no marco regulatório, com a Constituição Federal (1988) e o Estatuto da Cidade (2001). Eles definiram a função social da cidade e da propriedade, incluíram o direito à moradia, reconheceram a existência dos assentamentos informais (favelas) e o direito de eles serem integrados à sociedade. Ou seja, o direito a ter direitos: direitos à água, à luz, à escola, aos serviços públicos.

Avanços limitados: Apesar dos avanços regulatórios na política urbana, muito pouco foi de fato implementado. Por quê? Porque não houve uma ruptura com o nosso sistema político tradicional, contaminado pela mentalidade colonial-escravocrata que ainda impera no País.

Aqui, o Estado é um espaço para exercício de negócios privados. Esse processo não foi rompido, pelo contrário, se fortaleceu. À medida em que avançou a democracia e os partidos tiveram que concorrer no mercado dos votos, a questão do financiamento das campanhas fortaleceu muito os agentes privados. Isso é muito claro na atuação das empreiteiras e das concessionárias de serviços públicos: a decisão sobre a política urbana se dá no âmbito do acordo entre esses agentes e os agentes políticos, para que empresas forneçam os financiamentos das campanhas e os agentes políticos possam se reproduzir no poder. Partidos de esquerda que ganharam força, na medida que foram ampliando sua participação institucional e parlamentar, pactuaram com a manutenção deste modelo para poder governar.

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