Depoimento de Vaccari à CPI vira palco de 'guerra' entre PT e PSDB

9 abr 2015 - 19h50
(atualizado às 19h50)

Mariana Schreiber

Foto: BBC Mundo / Copyright

Da BBC Brasil em Brasília

A fala do líder do PT na Câmara dos Deputados, Sibá Machado (AC), na manhã desta quinta-feira foi um prenúncio do que viria no depoimento do tesoureiro do seu partido, João Vaccari Neto, à CPI da Petrobras. "Querem show, o circo está armado. Se é guerra, vamos para a guerra."

A sessão - que, diante das negativas de Vaccari sobre as acusações, não trouxe informações relevantes para as investigações sobre desvios na Petrobras - virou palco de disputa política feroz entre os dois partidos que polarizaram as última eleições presidenciais.

"O senhor tem tudo para ser preso, e o PT, extinto", atacou o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), ao final de uma intervenção exaltada contra o depoente.

Sibá Machado acusou o PSDB de estar promovendo uma campanha pela extinção do PT e usar a CPI para criar um "terceiro turno". Para o líder petista, "o objetivo central do PSDB é a cassação do registro do PT e saímos do foco da CPI para outra dimensão, o que é prejudicial para o equilíbrio democrático".

Ao questionar se Vaccari visitara o escritório do doleiro Alberto Youssef, acusado de distribuir para partidos políticos recursos desviados da Petrobras, Sampaio, líder do PSDB, repetidas vezes interrompeu a resposta do tesoureiro insistindo que ele fosse objetivo.

"Ninguém é moleque aqui. A resposta é sim ou não. Estou perdendo meu tempo", reclamou.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS) interveio dizendo que o regimento que regula as comissões garantia ao depoente tempo para responder com o tempo que fosse necessário.

Vaccari repetiu, então, que esteve no escritório a convite de Youssef uma única vez, mas que o doleiro não se encontrava no local no momento e, por isso, foi embora. "Permaneci quatro minutos no local". O tesoureiro, porém, não explicou o motivo da visita e como ela foi combinada, ao ser questionado posteriormente por outros deputados.

"Já entendi: o senhor deu azar (de não encontrá-lo)", ironizou Sampaio. O deputado do PSDB, justamente quem havia feito o requerimento pedindo a convocação de Vaccari, levantou-se e deixou a CPI, ausentando-se das posteriores mais de cinco horas de questionamentos ao tesoureiro do PT.

A CPI foi criada na esteira das revelações da Operação Lava Jato, que investiga se doações para partidos políticos - supostamente legais - que teriam sido realizadas, na verdade, com recursos desviados da Petrobras por meio de contratos superfaturados com empreiteiras e outras empresas.

Vaccari é acusado de ter feito captações irregulares para o PT e foi citado nas delações premiadas do ex-gerente de Serviços e Tecnologia da Petrobras Pedro Barusco, do ex-diretor Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef.

"As afirmações feitas nas delações premiadas sobre minha pessoa não são verdadeiras", repetiu Vaccari, dezenas de vezes, ao longo das mais de oito horas de sessão. "Sou inocente", afirmou.

Bate-boca

A deputada Maria do Rosário também protagonizou momentos de tensão com o deputado tucano Waldir Soares. O delegado, que era suplente na legislatura anterior e foi eleito para um mandato próprio pela primeira vez ano passado, com votação recorde em Goiás, tem chamado atenção pelo tom polêmico e exaltado de sua intervenções.

Logo que Vaccari entrou, um servidor da casa soltou cinco hamsters no local

"O senhor vai trabalhar no presídio dando aula de como roubar?", "Onde os tesoureiros do PT fazem cursinho para aprender a roubar o dinheiro do povo brasileiro?" e "Quem irá cuidar da suas filhas quando estiver preso? Será Lula, Dilma ou o Dirceu?" foram alguns dos questionamentos do deputado a Vaccari.

"O senhor passou no psicotécnico? Como passou no concurso para delegado?", rebateu a deputada Maria do Rosário.

Após o bate-boca, o deputado delegado Waldir disse à BBC Brasil que parte das perguntas foram enviadas por seus eleitores via redes sociais e afirmou que processará o PT, Rosário e outro deputado petista, Jorge Solla (BA).

Mais cedo, Solla o acusara de ser "comparsa" do homem que soltou ratos no plenário da CPI.

A reunião já começou sob forte tumulto e bate-boca quando um servidor da casa soltou cinco hamsters no local, logo que Vaccari entrou, rodeado por deputados do PT.

Identificado como autor da ação, o servidor da Câmara Márcio Martins Oliveira foi detido e, em seguida, exonerado pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ele estava lotado no gabinete da segunda vice-presidência, controlada pelo deputado Giacobo (PR-PR), e já trabalhou no gabinete do deputado Paulinho da Força (Solidaridade-SP), ferrenho opositor do governo.

Power Point

O depoimento - que começou às 10h da manhã e se estendeu por oito horas - não trouxe novidades relevantes para a investigação de desvios na Petrobras.

Às 8h20, um oficial de Justiça chegou esbaforido ao Congresso para entregar à CPI oficialmente o habeas corpus concedido na noite anterior pelo ministro do STF, Teori Zavascki, permitindo a Vaccari permanecer calado e desobrigando-o a assinar um termo de compromisso de que diria apenas a verdade.

Dezenas de vezes, o tesoureiro repetiu que "todas as doações ao PT são legais e foram registradas no TSE (Tribunao Superior Eleitoral)".

Antes de responder as perguntas dos deputados, negando todas as acusações, o tesoureiro fez uma apresentação em Power Point sobre as finanças do PT e doações de empresas a outros partidos. Ele falou por pouco mais de dez minutos e sustentou que as mesmas empresas que doaram ao PT financiaram também outros partidos.

Vaccari citou reportagem do Estado de S.Paulo que diz que empresas investigadas na Operação Lava Jato foram responsáveis, em média, por 40% das doações privadas recebidas pelos diretórios nacionais do PT, do PSDB e do PMDB no período de 2007 a 2013.

No meio de sua fala, uma deputada ironizou: "É uma palestra?"

'CPI blindada'

Os próximos convocados previstos para falar na semana que vem na CPI são o executivo do grupo Setal Augusto Mendonça Neto e Luciano Coutinho, presidente do BNDES.

Deputados do PT e do PSOL acusaram parlamentares da CPI de evitar trazer depoentes desfavoráveis a outros partidos.

O nome de Fernando Soares, o Fernando Baiano, suposto operador do PMDB no esquema da Petrobras, foi citado várias vezes durante o depoimento. Há seis requerimentos pedindo sua convocação, mas eles não foram colocados em votação.

"Estão deixando a CPI em banho-maria", criticou Ivan Valente (PSOL-SP). "PSDB e PMDB estão blindando a convocação de várias pessoas que podem envolver os seus relacionados no processo da Lava Jato", acrescentou.

Juristas e cientistas políticos ouvidos pela BBC Brasil observam que pode haver exploração política dos trabalhos da comissão e questionam a capacidade de a CPI ir além do que já está sendo amplamente investigado pela Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF).

Ainda assim, não descartam a importância do instrumento como forma de dar visibilidade ao assunto e cobrar explicações públicas de eventuais responsáveis por irregularidades.

O cientista político da UFRJ Jairo Nicolau destaca que a CPI da Petrobras tem servido muito mais como um instrumento político do que de investigação, porque o caso já está sob ampla investigação pela polícia e o poder Judiciário. "É um fenômeno recente. Houve nos últimos anos um processo de qualificação e capacitação do MPF e da PF. Hoje, eles têm instrumentos muitos mais sofisticados de investigação, como a delação premiada, e estão à frente da CPI", afirma.

"A CPI é um instrumento muito importante de fiscalização, mas tem sido usado mais como palanque eleitoral", critica o advogado e cientista político Wellington de Oliveira, autor do livro "CPI Brasil".

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