Desencantados com a política, eleitores reagem ao corpo-a-corpo com hostilidade e indiferença

1 out 2016 - 07h32
(atualizado às 09h32)

"Esse homem gosta é de burguês, não de pobre. Ele já falou que vai trazer a polícia para tirar nossa mercadoria."

A camelô Regina Silva falava alto ao se aproximar da calçada onde Celso Russomanno, candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PRB, tirava foto com eleitores. "Se é contra camelô, o que veio fazer na Lapa?", perguntava Regina.

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Naquela manhã, o candidato já havia sido chamado de "fascista" e questionado por suas declarações contrárias ao Uber. Outras pessoas preferiram criticar quem estava ali por uma selfie. "Puxa-saco de político, heim? Que vergonha", disse um adolescente que passava pela roda.

Demonstrações de hostilidade e indiferença também foram registradas nas campanhas de rua de outros dos principais candidatos à prefeitura de São Paulo.

João Doria (PSDB) e Marta Suplicy (PMDB) foram chamados de "golpistas". Fernando Haddad ouviu gritos de "comunista" em agenda na praça Roosevelt, no centro paulistano.

Russomano foi chamado de "fascista" durante a campanha; hostilidade seria fruto de desencanto com políticos
Russomano foi chamado de "fascista" durante a campanha; hostilidade seria fruto de desencanto com políticos
Foto: BBC / BBC News Brasil

Essas reações não são exclusividade da capital paulista. Consultores políticos ouvidos pela BBC Brasil disseram que, em todo país, as eleições de 2016 ficarão marcadas pela agressividade e indiferença da população.

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Segundo os entrevistados, num cenário de crise, com o processo de impeachment de Dilma Rousseff e as investigações da Lava Jato, a descrença atingiu um ápice. Somada ao desânimo geral, a timidez da campanha teria afastado de vez o brasileiro.

"A cada ciclo eleitoral percebe-se o eleitor mais distante. Agora, o descrédito está chegando ao fundo do poço por causa dos escândalos. A sociedade está dando as costas à política e nesta eleição o fenômeno é evidente", diz Gaudêncio Torquato, professor aposentado de comunicação política da USP.

Os candidatos tiveram menos tempo (e dinheiro) para divulgar propostas, pois a mudança da legislação eleitoral proibiu as doações de empresas. A falta de recursos e a impossibilidade de se expor de outras formas fizeram com que os candidatos fossem mais às ruas, palco dos embates.

Consultor político há 30 anos, Torquato afirma que foi necessário incrementar a mobilização popular para compensar o dinheiro curto.

"É melhor os candidatos se submeterem ao eleitor indignado do que ficarem escondidos em casa. Antes de a agenda começar, aconselhei um cliente a comprar três pares de sapato, porque correr a rua era preciso."

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Eleitor raivoso

Foi durante os corpo a corpo com os eleitores que Gil Castillo, profissional da área há 25 anos, viu os maiores desafios, principalmente para quem tenta a reeleição.

"Os candidatos têm uma dificuldade maior de andar nas ruas, de apertar a mão, tem muita gente indiferente e até hostil. Neste ano, o sentimento do eleitor é raivoso", diz ela, que também preside a Associação Latinoamericana dos Consultores Políticos.

Em agenda no centro de São Paulo no começo de setembro, o atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), foi confrontado por um grupo contrário a uma reintegração de posse. Eles gritavam e tentavam impedir Haddad de falar. Quando o petista chamou um dos manifestantes para conversar, o homem exaltou-se, chamou-o de "almofadinha" e mostrou o dedo do meio.

Nos eventos acompanhados pela BBC Brasil era comum ver assessores cercando os candidatos e selecionando quem se aproximava, na tentativa de evitar situações constrangedoras.

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Filiada ao PMDB de Michel Temer, Marta foi chamada de golpista durante a campanha
Foto: MARCELO CAMARGO/ AGÊNCIA BRASIL

Mas mais do que a agressividade, o que preocupa os especialistas do ramo é a indiferença. As pesquisas de opinião mostram que parcela expressiva dos brasileiros pretende votar branco ou nulo.

No caso da capital paulista, 9% dos paulistanos adotaram essa postura, segundo o último levantamento do Ibope. Outros 3% não souberam ou não responderam. Somado, o grupo é maior do que aquele que apoia Luiza Erundina (5%) e está colado ao de Haddad (13%).

Para o professor de comunicação política da UFRJ Marcelo Serpa, é como se a isenção fosse tão importante que se tornasse um outro competidor.

"Ganha a eleição quem for capaz de conquistar mais fortemente os indiferentes. A vingança do eleitor não é dizer que o político é filha de uma mãe boazinha, é cruzar a rua quando o vê."

Recorde de nulos e brancos?

Além da "lei da indiferença", o presidente da Associação Brasileira de Conselheiros Políticos, Carlos Manhanelli, diz que crescem no Brasil outras duas regras: a da procrastinação e da efemeridade.

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A primeira, explica, diz respeito à maior demora para definir o voto. De acordo com o Datafolha, na segunda-feira 34% dos paulistanos admitiram a possibilidade de mudar sua escolha até domingo.

A segunda trata da pouca importância que o brasileiro dá à participação na eleição. A decisão torna-se algo efêmero, sem relevância.

Nesse cenário, os entrevistados apostam em níveis recordes de votos brancos e nulos. Eles dizem que em grandes cidades como São Paulo, o percentual pode chegar a 20%.

A previsão de recorde nos nulos e brancos é também uma constatação sobre o esgotamento da política partidária no país.

"Com essa campanha, estamos fechando o ciclo da velha política, que já vem se desgastando há muito tempo. Os cidadãos estão saturados", diz Gaudêncio Torquato.

Haddad também já foi confrontado em agendas
Foto: HELOISA BALLARINI/ SECOM

Ele diz que, apesar de mal-avaliada há bastante tempo, a classe política brasileira já pertenceu ao "Olimpo" da cultura de massa, dividindo espaço com cantores e jogadores de futebol. Eram tratados de forma "mitológica" pela imprensa, na expressão usada pelo filósofo Egard Morin.

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"As pessoas admiravam os políticos, queriam tocar, abraçar, como os atores da televisão. O setor foi tirado desse Olimpo para viver no inferno, sob o fogo da indignação."

Torquato cita Fernando Collor como exemplo de olimpiano: bonito e atlético, era admirado pela população e pela imprensa. No entanto, dizem os consultores entrevistados, foi com o mesmo Collor que começou a derrocada da política brasileira. Ao congelar a poupança, ele teria sido a primeira grande decepção pós-redemocratização.

População mais exigente

O fato de as pessoas estarem mais distantes dos partidos não significa que ela estejam alienadas ou preocupam-se menos com temas importantes, dizem os entrevistados. Pelo contrário. Os brasileiros estariam mais exigentes antes de apoiar um nome.

Para o presidente da Sociedade Brasileira dos Profissionais e Pesquisadores de Comunicação e Marketing Político, Roberto Macedo, nas grandes cidades as pessoas já optam por candidatos mais coerentes e menos levianos - ou que ao menos passem essa impressão.

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"A população minimamente entende que o futuro prefeito ou vereador deve ter alguma coerência e equilíbrio."

Macedo vê essa percepção como a "ponta do iceberg" de uma postura mais crítica, que ainda está em formação. "Começou com mais nas manifestações em 2013. É a característica de uma consolidação democrática."

Doria é questionado por plateia em São Paulo; para especialistas, população está mais crítica
Foto: BBC / BBC News Brasil

Diante dos questionamentos do povo, candidatos e campanhas eleitorais terão que mudar, diz a consultora Gil Castillo.

Para ela, será preciso ouvir mais e prometer menos. As ideias expostas deverão ser críveis. A rua terá que ser um espaço comum da política, e não só nas eleições.

"As pessoas estão muito frustradas, porque viram promessas que não poderiam ser cumpridas. Teremos que lidar de forma mais verdadeira: citar apenas o que pode de fato ser realizado. Fórmulas quadradas ou comunicação de uma via só não funcionam mais."

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