Documentos dos EUA trazem revelações sobre a ditadura

11 jul 2014 - 10h35
(atualizado às 15h07)
<p>Em encontro com a presidente Dilma Rousseff em meados de junho, o vice-presidente americano Joe Biden prometeu entregar ao País documentos inéditos sobre a ditadura militar no Brasil</p>
Em encontro com a presidente Dilma Rousseff em meados de junho, o vice-presidente americano Joe Biden prometeu entregar ao País documentos inéditos sobre a ditadura militar no Brasil
Foto: Ricardo Stuckert Filho/Presidência da República / Reuters

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) recebeu do governo norte-americano os primeiros documentos relativos à ditadura no Brasil (1964-1985). O material, até então sigiloso, foi tornado público pelos Estados Unidos em projeto especial anunciado recentemente pelo seu vice-presidente, Joe Biden, em visita à presidente Dilma Rousseff.

Em memorandos, telegramas e aerogramas, todos com o selo que indica material confidencial, diplomatas comentaram práticas de um pedaço obscurecido da história brasileira, com relatos de torturas, mortes e condições degradantes dos presos políticos à época.

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Satisfeito com a iniciativa norte-americana, o presidente da CNV, Pedro de Abreu Dallari, entende que a contribuição mais significativa dos documentos está, justamente, na referência detalhada e minuciosa destes episódios. “Alguns deles fazem referência aos métodos de tortura utilizados”, cita.

Para Dallari, o fato reforça o entendimento de que se torturou e matou em instalações militares no Brasil de forma sistemática. Ele ainda destaca a seriedade dos documentos, alegando que, à época, os EUA tinham intensa participação na vida politica brasileira e que as informações agora reveladas expressam a compreensão do que se passava no país durante a ditadura.

O que revelam os documentos americanos

Sobre a continuidade dos envios, Dallari adianta que não há um cronograma estabelecido, nem a previsão de que novos documentos norte-americanos cheguem à CNV, embora esta seja a expectativa. Segundo ele, o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo Machado, adiantou que é intenção do governo dos EUA dar sequência ao projeto. “Mas é uma decisão unilateral deles”, salienta Dallari.

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Potencial e limitações

O potencial esclarecedor de possíveis novos documentos a serem liberados pelos EUA divide a opinião de especialistas brasileiros. Para Maria Aparecida de Aquino, doutora em História Social, a expectativa é antagônica: vai do tudo ao nada. Ela acredita que os documentos podem não trazer novidades, como também conter informações preciosas, inclusive para familiares de mortos e desaparecidos durante a ditadura.

Sua avaliação, contudo, é a de que o governo norte-americano pode ainda ter dados aguardados há muito tempo por pesquisadores brasileiros. Como exemplo, ela cita o fim dado à Guerrilha do Araguaia, criada pelo Partido Comunista do Brasil e dizimada sem levar à frente seu alegado plano de derrubada do governo militar.

“Fica muito difícil entender como se toma uma decisão como a do caso do Araguaia”, diz Maria Aparecida. “Ali, a política foi de extermínio, ninguém deveria sobreviver”, afirma. A esperança é que os documentos americanos possam ajudar a encontrar respostas sobre o caso. Para os pesquisadores brasileiros, saber como se chega a decisões como a desse caso, em que nível o processo decisório ocorreu e quais orientações levaram a ela vale ouro.

Menos entusiasmado com os papéis, o professor Carlos Fico, pós-doutor em História e pesquisador do Grupo de Estudos da Ditadura Militar da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que a documentação a ser liberada pelos EUA pode aprofundar uma série de questões sobre as quais já se tem conhecimento, mas sem trazer nenhum novo detalhe “espetacular”.

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Ao analisar as limitações do material, por exemplo, ele não crê que os EUA possam dar detalhes sobre operações que resultaram em mortos e desaparecidos, tampouco sobre o paradeiro dessas pessoas, já que ações do tipo eram acobertadas pelas autoridades locais.

Fico avalia que os documentos podem trazer detalhes de episódios menos polêmicos, como atritos gerados durante a crise de relação entre EUA e a ditadura brasileira – comuns no governo do presidente democrata Jimmy Carter, no final da década de 70. Antes disso, lembra o pesquisador, os norte-americanos adotavam a política do Golden Silence (Silêncio de Ouro): com poucas declarações públicas e sem expor o apoio que davam ao regime que torturava cidadãos.

Operação Brother Sam

Na análise de Fico, a CNV e o governo do Brasil deveriam ter acertado com as autoridades norte-americanas a revelação de nomes de brasileiros que colaboraram com a Operação Brother Sam – planejada pelos EUA para apoiar o golpe de 1964 e que derrubou o então presidente brasileiro João Goulart – caso a sua execução sofresse algum tipo de imprevisto.

O pesquisador lembra que boa parte da documentação é conhecida, mas os nomes nela contidos aparecem tarjados. Em 2001, Fico descobriu nos arquivos norte-americanos o envolvimento de pelo menos um general brasileiro, revelado por ele em seu livro “O Grande Irmão: Da Operação Brother Sam aos Anos de Chumbo” (Editora Record, 2008).

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“Muitos documentos liberados para consulta vêm tarjados, encobrindo nomes de pessoas”, relata. Conforme Fico, há indicativos sobre a participação de civis brasileiros, incluindo políticos de alto escalão, cujos nomes nunca foram vistos em nenhum documento oficial. “Seguramente, uma informação significativa seria essa”, aponta.

Questionado pelo Terra sobre a possibilidade de novos documentos recebidos pela CNV incluírem nomes de brasileiros envolvidos na Operação Brother Sam, o presidente da comissão, Pedro Dallari, restringiu-se a dizer que se trata de uma informação difícil de ser prevista. “Vamos aguardar”, declarou.

Apesar de valorizar a iniciativa norte-americana, Dallari avalia que, sozinhos, os documentos podem ser pouco elucidativos. Segundo ele, a experiência da CNV demonstra que episódios da ditadura brasileira dificilmente são esclarecidos com informações oriundas de uma única fonte. Neste sentido, o material liberado pelos EUA atuaria de forma a completar investigações.

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O coronel reformado Paulo Malhães, que admitiu em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV) ter torturado presos políticos durante a ditadura, foi encontrado morto em casa no dia 25 de abril deste ano
Foto: Marcelo Oliveira / Ascom/CNV

“O caso Rubens Paiva, por exemplo, foi elucidado por elementos de diferentes fontes”, menciona Dallari, em referência ao homicídio e ocultação do cadáver do ex-deputado durante a ditadura. Recentemente, em maio, a Justiça Federal do Rio de Janeiro acatou denúncia do Ministério Público contra cinco militares reformados do Exército. Dias antes, havia sido encontrado morto o coronel reformado Paulo Malhães, que confirmou à CNV, em abril, ser o responsável pelo desaparecimento do parlamentar, em 1971.

Forças Armadas

O presidente da CNV também acredita que, a partir da divulgação dos documentos norte-americanos, novas revelações ocorram internamente no Brasil sobre a sua ditadura militar, em especial por parte das Forças Armadas, que negam a ocorrência de tortura durante o regime. “É mais uma fonte que confirma essa informação, o que deixa a situação mais constrangedora à posição das Forças Armadas”, afirma.

Homem volta à cela onde foi torturado durante a ditadura
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A pesquisadora Maria Aparecida concorda, embora entenda não ser tão clara a influência direta da decisão dos EUA sobre a conduta dos militares brasileiros. “Se pensarmos numa nação como os EUA, se dispondo a abrir uma documentação, fica muito difícil para as Forças Armadas manterem a posição de não abrir”, diz. “Força a contribuição e se torna difícil de continuar negando”, completa.

Ela afirma que os pesquisadores brasileiros tem certeza da existência de documentações produzidas pelos serviços de informação da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, criados ou modificados pelo regime militar e desconstituídos após ele. Ao consultar as Forças Armadas, contudo, ela alega receber como resposta que toda documentação ou foi destruída, ou nunca existiu.

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Na análise de Maria Aparecida, o envio de mais documentos pelos EUA pode ter relação com um material que estaria sendo preservado pelos militares brasileiros – constituído, em sua maioria, de cópias de originais que se perderam.

Desaparecidos da ditadura

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