Antes de entrar nos dois dias de retiro espiritual no Vaticano prévio à sua elevação a cardeal da Igreja Católica, o arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani João Tempesta, deu uma entrevista exclusiva ao Terra na sede geral de sua ordem, os Cirtercienses, em Roma, onde celebrou sua última missa apenas como arcebispo. Dom Orani falou em meio aos abraços de familiares e amigos - cerca de 40 pessoas que vieram de Belém, São Paulo, Rio de Janeiro e sua cidade natal, São José do Rio Pardo (SP), para viver com ele esse momento único. Especialista em comunicação e usuário das redes sociais, o religioso disse ainda que, em um ano eleitoral “tão importante para o Brasil”, é preciso que a Igreja Católica indique o caminho para seus fiéis. Dom Orani condenou a violência nos protestos e a repressão policial e fez um apelo para que as pessoas deem mais atenção às coisas positivas da vida.
Terra: Como o senhor vê esse momento conturbado por que passa o País, com violência crescente, protestos e dificuldades políticas?
Dom Orani: Creio que é um momento importante para o País. E são nesses momentos, de crise e dificuldades, que as grandes decisões acontecem. Nós, enquanto sociedade, somos responsáveis a ponto de deixar que as pessoas se manifestem; as pessoas têm que ter liberdade de dar sua opinião, tanto pela internet, quanto pelos meios de comunicação, por onde quiserem. O grande problema é que grupos se aproveitam disso para usar a violência, machucar pessoas, destruir bens da cidade e de outras pessoas. É preciso conciliar a liberdade e coibir a anarquia.
Terra: E é isso que vem acontecendo?
Dom Orani: O que tem acontecido é que as verdadeiras reinvindicações não saem mais às ruas por medo da violência. É um momento sério, que pede discernimento de todos e pede que as autoridades garantam o direito de ir e vir, a liberdade de imprensa e que apenas coibam os exageros. O que é algo complexo. Mas não podemos esquecer que há outros tipos de violência que muitas vezes não aparecem nos noticiários, mas que devem ser combatidas: como a violência dentro das comunidades, dentro das casas, no trabalho, na educação. É uma gama muito grande de coisas a serem feitas e, na verdade, o que todo mundo quer é um mundo diferente. E a Igreja tem que chamar a atenção para todas essas coisas, e ao mesmo anunciar que o que transforma é o amor ao outro. A violência só gera mais violência e leva medo às pessoas.
Terra: O senhor é muito ligado em redes sociais. Usa Twitter, Facebook. Essas novas mídias deveriam ser mais controladas para evitar tantos atos de racismo, discriminação?
Dom Orani: A culpa dessa violência não é dos novos meios de comunicação e nem é uma coisa exclusiva das novas mídias sociais. Hitler, na Alemanha, já usou a comunicação para fazer o mal, para justificar seus atos naquela época. O passado foi assim, o presente é assim e no futuro vai ser igual. O problema não está no tipo de comunicação, mas sim de como a pessoa que está atrás do seu microfone, do seu computador, do seu celular, atrás das câmeras, atua. Essas pessoas é que fazem a diferença. Temos que pedir a essas pessoas que divulguem coisas construtivas, que fomentem a fraternidade entre as pessoas.
Terra: O Brasil vai passar por eleições importantes este ano. A Igreja Católica vai ter voz ativa no processo eleitoral?
Dom Orani: A Igreja sempre tem um papel importante em todos os momentos políticos. Vivemos tempos difíceis em matéria de valores morais e valores da pessoa. E essas coisas vão tirando a alegria de viver das pessoas. E a Igreja tem que fazer com todos pensem sobre isso. Respeitando sempre a liberdade de pensamento, mas procurando sempre qual é o melhor caminho para a sociedade.
Terra: O papa Francisco disse no Brasil que quer que a Igreja abra suas portas e saia em busca dos fiéis. O senhor parece incansável nos últimos tempos percorrendo o Rio de Janeiro. Esse é o caminho?
Dom Orani: Acho que minha vida foi sempre um pouco nesse aspecto. Tanto em Rio Preto quanto em Belém, sempre entendi o trabalho do pároco com um trabalho em que é preciso estar próximo às pessoas. Meu início foi assim, num trabalho como vigário paroquial em zonas rurais, onde celebrava a cada dia e convivia com as pessoas, sabia dos seus problemas.
Terra: O senhor parece muito descontraído próximo a um grande momento em sua vida. Como o senhor se sente?
Dom Orani: Sinto que estou representando o Rio de Janeiro, que eles estão todos juntos comigo. É uma grande responsabilidade e não sei se estou capacitado para tanto, mas conto com as orações de todos e a graça de Deus.