"Vamos ser francos: pela direita, ninguém será presidente sem o apoio dos tucanos. Pela esquerda, ninguém será presidente sem o PT. A disputa deverá ser outra vez entre tucanos e PT", disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em março ao ser questionado pelo jornal Folha de S.Paulo sobre o segundo turno da eleição presidencial deste ano.
"Qualquer pessoa que o Lula ungir vai ter 15 ou 16 pontos (percentuais de votos). Ainda acho que o segundo turno vai ser o clássico PT e PSDB", respondeu ao mesmo veículo em junho Luiz Felipe d'Ávila, coordenador do programa de governo do pré-candidato tucano, Geraldo Alckmin.
Depois do turbilhão que colocou o país e seu sistema político de ponta-cabeça - uma mistura de crise econômica, operação Lava Jato, manifestações massivas nas ruas e impeachment presidencial -, será possível que a disputa para o Palácio do Planalto de 2018 tenha o mesmo desfecho das últimas seis eleições?
Esse cenário não parece apenas um wishful thinking (termo em inglês que designa o pensamento contaminado pelo desejo) de lideranças tucanas e petistas, mas uma possibilidade real para muitos cientistas políticos após os últimos desdobramentos na corrida eleitoral.
As duas siglas que protagonizam a disputa presidencial no país desde 1994 lançam neste sábado, nas convenções partidárias, oficialmente seus candidatos: o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin ganhará a chancela tucana em Brasília e o ex-presidente Luiz Inácio da Lula da Silva a plataforma petista em São Paulo.
As apostas de que PT e PSDB chegarão ao segundo turno são crescentes na medida em que Alckmin conseguiu construir uma ampla aliança de mais nove partidos em torno do seu nome (DEM, PP, PR, SD, PRB, PTB, PSD, PPS e PHS) e Lula continua liderando as pesquisas de intenção de voto mesmo condenado e preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Além disso, o PT negociou com o PSB alianças regionais em troca da neutralidade da sigla na disputa nacional, o que deve ser confirmado na convenção dos pessebistas deste domingo. Com isso, a legenda de Lula isolou o outro concorrente mais competitivo do campo da esquerda, Ciro Gomes, do PDT.
O cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ressalta que a ampla coligação em torno de Alckmin lhe dará o maior tempo de propaganda eleitoral em rádio e TV, assim como uma parcela mais gorda do fundo partidário eleitoral, fatores que historicamente ajudam a alavancar o desempenho eleitoral dos candidatos.
O cálculo exato do tempo de propaganda só será divulgado pela Justiça Eleitoral depois do registro dos candidatos, na segunda metade de agosto. Uma estimativa do jornal O Globo indica que Alckmin terá ao menos 5 minutos e 12 segundos de cada um dos dois blocos de 12 minutos e meio do horário eleitoral gratuito, além de ter 11 inserções diárias de 30 segundos durante a programação.
Para efeito de comparação, é uma exposição mais de 40 vezes maior do que a do presidenciável do PSL, Jair Bolsonaro, que terá 6 segundos e meio e a uma inserção a cada cinco dias. Hoje, é este que lidera as pesquisas de intenção de voto no cenário sem Lula, mas a falta de estrutura para campanha deve reduzir seu desempenho, acredita o professor da UFMG. Já o tucano, por enquanto, não chega a 10% nas pesquisas.
No caso do PT, Reis ressalta que hoje o partido tem uma base forte entre eleitores de menor renda e acredita que Lula terá grande capacidade de transferir votos para outro petista quando sua candidatura for de fato barrada pela Justiça Eleitoral devido à aplicação da Lei da Ficha Limpa.
O PT pode registrar Lula candidato até 15 de agosto, quando então será aberta uma ação para impugnar sua candidatura. O processo deve durar algumas semanas e o partido terá até dia 17 de setembro para trocar o candidato.
"Um segundo turno entre PT e PSDB é o cenário mais provável hoje", resume Reis.
Que fatores desafiam a polarização PT x PSDB?
Mas, embora a aposta numa repetição dessa disputa tenha ganhado força, ela não é unânime. Há também quem veja chances de outros candidatos, como Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) conseguirem uma vaga na etapa final. No cenário sem Lula na disputa, são os três que apresentam hoje melhor desempenho nas pesquisas.
A cientista política Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), reconhece que "tudo parece estar se desenhando para um embate entre PT e PSDB". No entanto, ela lista dois fatores que podem bagunçar esse cenário.
"Há um sentimento antipolítico muito forte, um desencantamento após a Lava Jato, que desgastou os partidos tradicionais. Além disso, será a primeira vez que as redes sociais terão um impacto maior nas eleições. Ainda não sabemos qual será seu peso para compensar a falta de tempo de TV de candidatos como Bolsonaro", nota ela.
Na visão de Solano, o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula acabaram abrindo espaço para o PT recuperar fôlego eleitoral ao se posicionar como vítima. Para ela, porém, não está claro qual é o real potencial de transferência de votos do ex-presidente para outro candidato petista.
Para o cientista político Carlos Melo, do Insper, a grande pulverização de candidatos neste ano contribui para tornar o cenário mais incerto. Ele lembra que, em 1989, quando a disputa também foi marcada por um alto número de concorrentes, Lula passou para o segundo turno com 16,69% dos votos, um ligeira diferença sobre o terceiro colocado, o candidato do PDT, Leonel Brizola, que somou 16,04%.
Na sua leitura, candidatos como Henrique Meirelles (MDB) e Álvaro Dias (Podemos) este ano disputarão eleitores com Alckmin e podem acabar impedindo o tucano de alcançar votos suficientes para passar para o segundo turno.
"Temos uma campanha muito emocional neste ano, e o Alckmin é antiemocional", afirma.
O que explica essa polarização? Qual é o favorito?
O cientista político da USP José Álvaro Moisés, que participou da fundação do PT e hoje é próximo do PSDB, questiona a visão de que os dois partidos tenham polarizado as últimas eleições porque lideraram, respectivamente, as forças de esquerda e direita.
Na sua visão, as duas siglas protagonizaram as disputas a partir de 1994 porque são as legendas brasileiras com agendas programáticas mais claras: "O PSDB com a proposta de modernizar e qualificar a gestão pública, e o PT mais voltado para o social".
Maria do Socorro Souza Braga, cientista política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), também acredita que esse é um fator importante para explicar a repetição da polarização, além da própria estratégia dos dois partidos de privilegiar o pleito nacional em detrimento das disputas estaduais, ao contrário do que normalmente faz, por exemplo, o MDB.
Questionados sobre quem seria o favorito caso o enfrentamento entre PT e PSDB se repita, os cientistas políticos entrevistados tiveram dificuldade de cravar um resultado.
"Se o eleitor entender Alckmin como uma continuidade do governo Michel Temer e ver o candidato petista como uma forma de restabelecer ganhos sociais do governo Lula, o PT pode vencer. Mas se prevalecer um sentimento anti-Lula e os votos de Bolsonaro migrarem para Alckmin, pode dar PSDB", ressalta.
"Seja qual for o resultado em um eventual segundo turno entre PT e PSDB, deve ser bem apertado", acredita, por sua vez, Esther Solano.