Eleições no Paraguai: como Brasil influencia os rumos do país vizinho

Na avaliação de especialistas, chegada de Lula à presidência é o principal fator que deve determinar o rumo das relações entre os dois países.

25 abr 2023 - 05h35
(atualizado às 07h22)
Montagem de fotos na seguinte ordem: Santiago Peña, Luiz Inácio Lula da Silva e Efraín Alegre
Montagem de fotos na seguinte ordem: Santiago Peña, Luiz Inácio Lula da Silva e Efraín Alegre
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

As eleições gerais que elegerão o próximo presidente do Paraguai ocorrem no dia 30 de abril.

Diferentemente do Brasil, o país vizinho não conta com um segundo turno e não permite reeleição - o candidato que conseguir a maioria dos votos é eleito para um mandato único.

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Segundo a pesquisa Atlas mais recente, lançada em 14 de março, os candidatos Efraín Alegre, do Partido Liberal, e Santiago Peña, do Partido Colorado, enfrentam um empate técnico nas intenções de votos, com 38% e 36%, respectivamente. Em terceiro lugar, com 14%, está Payo Cubas, do Partido Cruzada Nacional.

A eleição de um novo chefe de Estado inicia um novo capítulo na história de cooperação bilateral entre Brasil e Paraguai, importante parceiro comercial do Brasil.

Os especialistas entrevistados pela BBC News Brasil consideram que quem quer que seja o vencedor no dia 30 de abril, os rumos das relações não devem ser alterados, mas acreditam que a relação seja intensificada pela maior proximidade que a volta de Lula ao cargo de presidente do Brasil pode oferecer aos vizinhos.

A expectativa é que Lula possa ceder, ao menos parcialmente, a acordos econômicos que beneficiem o Paraguai, sobretudo na divisão da energia gerada pela usina hidrelétrica de Itaipu.

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Distribuição da energia de Itaipu é ponto central da política externa paraguaia

Usina de Itaipu, a segunda maior usina do mundo em potência instalada
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A distribuição da energia elétrica produzida pela usina hidrelétrica de Itaipu entre os dois países é tema de debate constante por parte dos paraguaios.

Como o Paraguai tem uma economia muito menor que a brasileira, o país consome apenas uma parte da sua metade e vende o restante para o Brasil, por meio da Eletrobras.

Por isso, o acordo atual estabelece que o Brasil receba 85% da energia gerada, enquanto o Paraguai fica com os 15% restantes.

O preço que o Brasil paga pela energia excedente é considerado baixo em comparação com os valores praticados no mercado internacional de energia - e este é justamente um dos pontos centrais das eleições que ocorrem no fim de abril.

"Os paraguaios falam em uma defasagem de 80% no preço. há muita conexão entre resolver Itaipu e melhorar saúde, educação e infraestrutura. Se faz uma conexão direta entre Itaipu e a capacidade do Estado paraguaio de prover bens públicos à população", diz Pedro Feliú, professor da USP e especialista em política paraguaia.

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Em entrevista à rádio CBN, Peña disse que a intenção é arrecadar mais dinheiro para incrementar linhas de transmissão e distribuição e gerar empregos. "O mesmo que aconteceu no Brasil nas décadas de 70, 80 e 90 com a energia que Itaipu gerou para o Brasil. Agora o Paraguai quer o mesmo. E para isso o Paraguai tem que ter uma conversa com o Brasil, para ver como pode gerar recursos para que o Paraguai tenha força de se mover nos próximos cinco anos."

Efraín Alegre também já citou, em entrevistas, que não considera justa a divisão atual negociada com o Brasil.

Em 2019, um acordo que previa a compra de energia pelo Paraguai em condições consideradas desfavoráveis ao país chegou a resultar em ameaça de impeachment ao presidente Mario Abdo, do partido Colorado, que acabou não consolidando a negociação com o governo de Jair Bolsonaro, na época presidente do Brasil.

Pedro Feliú avalia que o episódio - e os interesses atuais do país vizinho - afastam os candidatos atuais à presidência de uma postura "entreguista".

"Do ponto de vista eleitoral, tanto Efraín Alegre quanto Santi Peña não trazem um grande impacto em termos de posicionamentos nas negociações, mas não quer dizer que o resultado da negociação do Anexo C vá na direção desejada pelo Paraguai. O país precisa de investimento em linhas de transmissão em geradoras, para distribuição de energia… Então a soberania energética do Paraguai esbarra na própria infraestrutura do país."

A figura de Lula como um aliado dos vizinhos

Luiz Inácio Lula da Silva ao lado do ex-presidente paraguaio Fernando Lugo. Eles apertam as mãos após assinar um acordo referente à usina de Itaipu, em 2009
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Em entrevista ao jornalista Jairo Eduardo, da CBN Cascavel, em fevereiro deste ano, o candidato Santiago Peña disse que Lula já demonstrou muita generosidade com o Paraguai no passado ao aumentar o preço da parcela cedida pelo Paraguai no acordo da usina de Itaipu - algo que, segundo ele, permitiu que os recursos fossem utilizados na educação.

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"A lembrança que o Paraguai tem do governo de Lula é muito boa. É com a mesma visão que nós olhamos o futuro da relação bilateral entre Paraguai e Brasil."

Pedro Brites, professor de relações internacionais da FGV (Faculdade Getúlio Vargas), aponta que é notável a predisposição que Lula teve em fazer acordos que deixaram os vizinhos satisfeitos no passado.

"Nos dois primeiros mandatos, ele tentou construir relações não tão desiguais assim com o Paraguai e agora há expectativa que o Brasil reconheça que existe um abismo nas condições que o Paraguai tem para poder acessar a parte que lhe cabe dentro do acordo."

Na análise de Brites, mesmo que o Paraguai mantenha um governo mais conservador, como o do Partido Colorado, que está no poder há muito tempo e tem um viés mais de direita ou centro-direita, o país tem mais ganhos com o governo Lula, que oferece um avanço no nível de coordenação regional e no nível de integração regional.

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No governo Bolsonaro, lembra o professor, houveram poucas iniciativas e propostas econômicas novas que interessassem aos paraguaios, e o ex-presidente retirou o Brasil da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), decisão que foi revertida por Lula.

"Eu acho que isso também se manifesta na maneira como o Brasil vem tratando o próprio tema das eleições paraguaias e defendendo a ideia de que o Paraguai tem que continuar sendo autônomo, até porque o Brasil aposta muito na construção de um Mercosul revigorado com o retorno agora recente da Unasul. Como liderança regional, espera-se que o Brasil construa um espaço de diálogo efetivo com os vizinhos, principalmente os vizinhos mais pobres, que são geralmente aqueles com quem você vai precisar construir relações mais estruturadas em torno de cooperação ou de apoio ao desenvolvimento para tentar evitar que ele se afastem do processo de integração."

Economia paraguaia é dependente do Brasil

"Se olharmos nossas parcerias comerciais, o Paraguai é único país do mundo que poderíamos dizer que realmente depende do Brasil", afirma Pedro Feliú.

Ponte da Amizade sobre o rio Paraná, ligando a cidade brasileira de Foz do Iguaçu à cidade paraguaia de Ciudad del Este.
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O Brasil é o principal destino das exportações paraguaias, que enviam produtos agrícolas para o vizinho, contribuindo para o abastecimento interno de alimentos e para a exportação desses produtos para outros países.

Em contrapartida, alguns dos principais produtos exportados pelo Brasil para o Paraguai são: petróleo e seus derivados, produtos químicos, veículos, máquinas e equipamentos, produtos têxteis e alimentos como carne, açúcar e café.

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A relação comercial entre os dois países é beneficiada pela proximidade geográfica e pela integração regional, através do Mercosul.

"O que eu tenho observado da postura dos candidatos é um objetivo comum em manter as relações com o Brasil em bases positivas. O Brasil é importante demais para a economia do país, portanto, seria muito arriscado tentar construir algum tipo de transformação nesse sentido que pudesse pôr em xeque essa relação especial", aponta Brites.

Na avaliação do professor da FGV, o governo Lula precisa observar com atenção o movimento de aproximação entre Paraguai e China. "Não acho que seja uma ameaça imediata, mas o temor é que isso afaste um pouco o país vizinho das relações comerciais com o Brasil e que isso atrapalhe o Mercosul.

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