A entrevista de apresentação dos dados mais recentes da epidemia de coronavírus transformou o salão oeste do Palácio do Planalto em palco para uma despedida antecipada da equipe principal do Ministério da Saúde, nesta quarta-feira, adicionando um elemento de instabilidade no enfrentamento da crise devido aos atritos da pasta com o presidente Jair Bolsonaro.
"Estamos aqui eu, Wanderson (de Oliveira, secretário de Vigilância em Saúde) e Gabbardo (João, secretário-executivo). Entramos no ministério juntos, estamos no ministério juntos e sairemos do ministério juntos. Vamos trabalhar juntos até o momento de sairmos juntos do Ministério da Saúde", afirmou o ministro Luiz Henrique Mandetta, ao iniciar a apresentação.
Depois de ter avisado a seus secretários, na noite de terça-feira, que provavelmente será demitido ainda esta semana, Mandetta manteve toda a sua agenda do dia e fez questão de chegar junto com seus secretários ao Palácio do Planalto para a entrevista coletiva diária sobre o coronavírus.
Mandetta não escapou de perguntas delicadas, mas deixou claro que sabe da busca do Planalto por um nome para sucedê-lo e chegou a citar que recebeu telefonemas de possíveis substitutos.
O ministro disse que ouviu reclamações e não retrucou na reunião ministerial de terça-feira e que foi alertado pelos ministros da Casa Civil, Walter Braga Netto, e do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno.
No entanto, repetiu o que vem dizendo até agora: só sai quando terminar o trabalho, se ficar doente ou quando o presidente não quiser mais seus serviços.
De acordo com fontes ouvidas pela Reuters, dos sete secretários de primeiro escalão do ministério, cinco escolhidos por Mandetta --pelo currículo e olho no olho, segundo o próprio ministro-- deixarão o ministério quando ele sair.
Além de Gabbardo e Wanderson, devem sair o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos em Saúde, Denizar Vianna, o secretário de Atenção Primária à Saúde, Erno Harzheim, e o secretário de Atenção Especializada em Saúde, Francisco de Assis Figueiredo, desmontando a cúpula da pasta em meio ao trabalho de enfrentamento à pandemia.
Os dois únicos auxiliares que ficam são das áreas de gestão do trabalho em saúde e de saúde indígena, ligados diretamente ao governo de Jair Bolsonaro.
Mandetta, no entanto, minimizou os impactos sobre a estratégia de enfrentamento à pandemia com sua saída e de todos os principais secretários.
"Acho que temos demonstrado que estamos no caminho certo. Se uma pessoa entrar hoje, o Ministério da Saúde está tranquilo para trabalhar", disse Mandetta.
"Não somos insubstituíveis. São visões diferentes, não tem problema nenhum, qual é a dificuldade disso? Não estou ministro por obra nenhuma que não do presidente. Ele externa que quer outra ação do ministério. Eu, baseado em ciência, tenho esse caminho. Mas tem muitas visões, tem gente muito boa", acrescentou.
A crise entre Mandetta e Bolsonaro se arrasta há mais de três semanas, mas teve seu pico na segunda-feira da semana passada quando, depois de vários dias com o presidente ameaçando publicamente demiti-lo, o ministro chegou a uma reunião ministerial certo de que sairia do Planalto sem o cargo. Bolsonaro, no entanto, havia sido convencido a mantê-lo no cargo, principalmente por ministros militares.
No último final de semana, depois de uma entrevista à TV Globo em que questionou publicamente Bolsonaro, Mandetta perdeu o apoio total dos ministros militares, e a vontade do presidente de demiti-lo ganhou tração.
No entanto, o Planalto ainda não tem um nome para substituir Mandetta e nenhum dos nomes aventados até agora se consolidou. Parte da ala militar chegou a aventar a possibilidade de João Gabbardo ficar no cargo ao menos interinamente, mas o próprio secretário negou essa possibilidade na entrevista.
"Eu tenho um compromisso com o ministro Mandetta. Se ele sair eu saio com ele. Eu entrei no Ministério da Saúde muito jovem, em 1981. Vou fazer 40 anos. Eu não vou jogar no lixo meu patrimônio", afirmou Gabbardo, acrescentando que vai permanecer o tempo que for necessário para uma transição depois que for oficializada a troca de Mandetta.