Às vésperas da votação no Senado que pode levar a seu afastamento por até 180 dias, a presidente Dilma Rousseff tem acenado com medidas “de última hora” a indígenas e pequenos agricultores, além de tentativas de expandir o programa Mais Médicos e reajustar o Bolsa Família.
Para o brasilianista Matthew Taylor, professor da American University e membro dothink tank Council on Foreign Relations, baseado em Washington, as iniciativas chegam “tarde demais” para surtirem efeito imediato, e miram muito mais uma potencial candidatura do PT em 2018 e o legado pessoal da presidente.
Em entrevista à BBC Brasil, Taylor indicou que as ações de Dilma chegam após amplas concessões dos governos do PT ao que classifica como a bancada “BBB” (Bíblia, Bala e Boi) - que a abandonou e votou em massa a favor do impeachment - e visam reparar, a longo prazo, a imagem de Dilma e do Partido dos Trabalhadores.
No entanto, o especialista acredita ser muito difícil que a presidente consiga “apagar sua história como a ‘gerentona do PAC’ e a pessoa que pressionou para a construção da hidrelétrica de Belo Monte com muita força e a contragosto de muitos grupos da esquerda tradicional no Brasil”.
Veja os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Como o senhor avalia o estágio atual da crise política no Brasil?
Matthew Taylor - Há uma grande possibilidade de o Senado remover Dilma do poder até a metade de maio, levando a sua suspensão por até 180 dias. Se isso acontecer, creio que as chances de ela ser permanentemente afastada do cargo sejam muito altas. Mas uma vez que ela esteja temporariamente afastada, o vice-presidente Michel Temer já terá o poder de gerenciar as verbas da União, o que é um fator importante. Diante desse cenário, o que temos visto é que a presidente tem feito tudo que está ao seu alcance para tentar ganhar vantagem nesta reta final e deslegitimar tanto o processo de impeachment quanto a figura de Temer.
Uma frente para atingir estes objetivos é tentar dividir o Senado, buscando a criação de uma divisão dentro do PMDB. Outra iniciativa é falar mais com a mídia internacional e atores internacionais. Embora isso possa ter efeitos limitados, é algo importante porque faz com que Dilma apareça com líderes mundiais, e em ocasiões como o discurso na ONU, que apesar de ter sido contido, trouxe vantagens para ela. Uma terceira via foi tentar criar a percepção de que Temer cancelaria os programas sociais, que foi eficientemente rebatida pelo vice-presidente.
BBC Brasil - Nos últimos dias a presidente Dilma Rousseff tem acenado com medidas em áreas como a educação, a pequenos agricultores, indígenas, além de anunciar mais financiamento para habitação e ações para expandir o programa Mais Médicos. Como o senhor avalia tais iniciativas? São ações que podem surtir efeito positivo para o governo e a presidente a curto prazo?
Taylor - Eu acrescentaria à esta lista a tentativa de reajustar o Bolsa Família. São ações que chegam tarde demais para surtirem qualquer efeito positivo nos próximos seis meses, e eu imagino que a presidente esteja ciente disso. Eu interpreto esses pacotes de medidas como uma tentativa de pensar mais à frente, para 2018, para uma potencial candidatura do PT, e também a longo prazo, pensando no legado e na imagem pessoal da presidente. Mas eu acho que é muito difícil para ela tentar apagar sua história como a “gerentona do PAC” e a pessoa que pressionou para a construção da hidrelétrica de Belo Monte com muita força e a contragosto de muitos grupos da esquerda tradicional no Brasil.
São medidas que também visam melhorar a imagem do PT, que governou tentando agradar e manter o apoio das bancadas “BBB” (Bíblia, Bala e Boi), e ao satisfazer esses grupos deixou de lado a esquerda tradicional que sempre esteve ao lado do partido. Governar para manter o apoio dessas bancadas significou ser menos progressista em áreas como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em temas de raça, drogas, crime, direitos indígenas e no setor agrícola.
Eles fizeram muitas coisas boas, obviamente, mas a lógica de manter o apoio dessas bancadas os manteve atrelados a não progredir em vários assuntos. A curto prazo, agora que essas bancadas abandonaram a presidente e votaram em massa a favor do impeachment, não há mais nada que a prenda, e por isso algumas dessas medidas podem ser colocadas em prática mesmo que ela tenha potencialmente apenas mais duas semanas no cargo.
BBC Brasil - Com a iminente votação do processo de impeachment no Senado, os 100 dias para as Olimpíadas, e o estágio atual da crise política e econômica, como o senhor vê a avaliação atual da comunidade internacional sobre o Brasil?
Taylor - É muito difícil evitar a conclusão de que o país atravessará um período extremamente complexo até 2018. Com relação à Olimpíada, eu sou cautelosamente otimista, embora a queda da ciclovia tenha sido um choque a nossa confiança. Mas de forma geral eu creio que à essa altura os Jogos já estejam em “piloto automático”. Haverá problemas, mas eu não acredito na possibilidade de que a Olimpíada seja um fracasso catastrófico. Haverá certa tensão com relação aos problemas sociais do Rio, custos excessivos de obras e poluição, mas parece que as instalações estão avançadas e tudo caminha bem.
A respeito da trajetória do Brasil até 2018, a situação fiscal do país é tão crítica que não importa quem seja o presidente, haverá muitas dificuldades. Este será um problema cuja solução necessariamente vai requerer reformas impopulares. Há muito pouco que Temer possa fazer para conseguir emplacar uma correção fiscal a curto prazo, em meio a um período turbulento e sendo um governo de transição cuja legitimidade será constantemente questionada.
BBC Brasil - Embora analistas viessem apontando para uma forte oposição dos movimentos sociais contra um eventual governo Temer, o vice-presidente começou a se reunir e ensaiar negociações com grupos de sindicalistas. Pode haver uma surpresa, com menos turbulência entre estes grupos e um eventual novo governo do PMDB?
Taylor - Eu acho que a lua de mel de Temer acabou. É possível que haja um maior diálogo com esses grupos, mas eu acho que os assuntos que ele buscará avançar para tentar virar a página da crise econômica atingirão fortemente sua imagem. Em resumo, eu acho que ele pode alinhar apoio de políticos em Brasília, mas nas ruas de São Paulo, Rio, e ao redor do país, eu suspeito que a dor causada pelas medidas criará algum tipo de reação negativa a ele.
BBC Brasil - A cobertura da imprensa internacional sobre a crise política e a votação do impeachment tem sido bastante crítica. Na sua opinião, que sinal o país envia à comunidade internacional neste momento?
Taylor - A mensagem ainda é muito nebulosa. Por um lado há um sinal de muita esperança que vem do fato de que apesar de toda a turbulência e do caos as instituições democráticas parecem estar funcionando razoavelmente bem. Eu acho que o mundo, se eu posso dizer que Washington, onde estou baseado, pode falar pelo mundo, está perplexo com o que está acontecendo no Brasil, mas ainda mantém a esperança de que a democracia permanecerá forte e até agora os sinais são de que as coisas vão continuar caminhando com respeito às regras institucionais democráticas.
BBC Brasil - Que tipo de impacto aparições internacionais, como o discurso de Dilma na ONU, podem ter? Podem se converter em um “tiro no pé” diplomático?
Taylor - Eu acho que é difícil que após iniciativas deste tipo vejamos declarações de líderes mundiais nos mesmos moldes do que foi dito pela Unasul e pela Organização dos Estados Americanos (OEA). É mais provável que haja posicionamentos mais moderados, como o do secretário-geral das Nações Unidas, alertando sobre e preservação da estabilidade das instituições. Acho que esse é o máximo de apoio que Dilma vai conseguir no exterior. Por outro lado, é positivo para ela aparecer no cenário internacional, apertando a mão de líderes mundiais. São imagens que podem ser poderosas numa batalha por legitimidade.
Eu acho que há mais chances desses esforços de Dilma se tornarem um “tiro no pé” dentro do Brasil do que no exterior. Dentro do país eu acredito que tais iniciativas para angariar apoio internacional podem ser vistas como uma uma tentativa de levar assuntos internos para o exterior, que poderiam afetar a imagem do país. E de qualquer forma é muito difícil imaginar que qualquer declaração de líderes internacionais possa ter algum efeito prático sobre lideranças brasileiras e o processo de impeachment.
BBC Brasil - Embora tenha sugerido que denunciaria uma tentativa de golpe na ONU, a presidente alterou o tom de sua fala para algo muito mais brando. Na sua opinião, a que se deve a mudança?
Ela [Dilma] está jogando um jogo de longo prazo, até porque já jogou a toalha na batalha de curto prazo
Taylor - Minha suspeita é de que as declarações de três juízes do STF sugerindo que isso não seria uma boa ideia fizeram com que a presidente mudasse de posição. Havia uma movimentação na oposição também, de que isso seria falar mal do Brasil fora das fronteiras do país, e que isso seria negativo para a imagem do Brasil. Mas é importante lembrar que embora não tenha dito muito sobre a crise na Assembleia Geral, Dilma falou em oportunidades laterais com jornalistas. Na prática ela fez as duas coisas: cumpriu seu papel de estadista na ONU e também mandou seu recado à comunidade internacional.
BBC Brasil - Nos últimos dias os jornais brasileiros estamparam em suas manchetes um pedido da presidente para que a Unasul e o Mercosul avaliem impor sanções ao Brasil. É incomum que um presidente peça a imposição de sanções contra seu próprio país?
Taylor - É incomum, sim, mas tudo tem sido incomum no Brasil nesses últimos dias. Eu acho que ela está tentando utilizar todas as ferramentas a sua disposição, e creio que o argumento central pelo qual Dilma está lutando é o da legitimidade. Ela fará qualquer coisa para levantar dúvidas. É uma boa estratégia política, não tanto para salvar seu mandato, já que as chances de ela sobreviver ao impeachment são muito reduzidas, mas mirando 2018 e a construção de seu próprio legado pessoal.
Ela está jogando um jogo de longo prazo, até porque já jogou a toalha na batalha de curto prazo. Ela sabe que tem poucas chances de sobreviver ao afastamento por 180 dias e ao julgamento de impeachment. As coisas podem mudar, é claro, se surgirem revelações contra o vice-presidente Michel Temer, por exemplo, mas de forma geral eu creio que ela já se deu conta de que é hora de jogar a longo prazo.