Dezenas de recados colados pelas paredes, um entra e sai constante de pessoas observadas por segurança na porta. Em outubro de 2015, era assim a recepção do edifício Wilton Paes de Almeida, antigo prédio do INSS e da Polícia Federal no Largo do Paissandu, centro de São Paulo, que desabou em um incêndio na madrugada de terça-feira.
Na época, eu era repórter da Folha de S.Paulo e subi os 26 andares do prédio sem me identificar, como se tivesse interessado em morar no local. A visita fazia parte da produção de uma reportagem para o jornal sobre ocupações que cobravam aluguel dos sem-teto. Na época, os moradores relataram que pagavam entre R$ 150 a R$ 200.
Um cartaz colado na portaria de uma das maiores ocupações verticais da cidade deixava claro que atrasos não seriam perdoados: "Senhores moradores, precisamos acertar a contribuição até o dia 25/8/2015. Caso contrário, iremos pedir para deixar o espaço."
Moradores diziam que, em caso de atraso do aluguel, eles sofriam sanções, como corte de água e luz. Caso o pagamento não fosse feito por dois meses consecutivos, a família era expulsa.
Ao lado, regras de convivência escritas à mão em pedaços de papel diziam ser proibido usar drogas dentro do edifício, "ficar embriagado na recepção" e "espancar ou bater em crianças e mulheres". Também era não era permitido que homens circulassem sem camisa no prédio e que mulheres usassem roupas curtas.
O entra e sai de ambulantes era constante - muitos deles, com carrinhos para vender milho cozido e frutas no centro histórico da capital paulista.
No térreo, ficavam estacionados os carros dos coordenadores do MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia), que administrava a ocupação. No mesmo pavimento, havia ainda um cofre com mais de um metro de altura, usado frequentemente por crianças como esconderijo para brincadeiras.
Os líderes do movimento social disseram que o aluguel pago mensalmente era usado integralmente para fazer a manutenção e limpeza do prédio. Em duas visitas ao local, presenciei apenas uma faxineira e um porteiro no local. Em uma delas, a portaria era controlada pela própria coordenadora do movimento social.
No entanto, ao subir todos os andares do edifício, era possível observar andares tomados por lixo produzido pelos moradores e entulho deixado durante a desocupação dos escritórios que funcionavam no local.
Havia roupas, preservativos, seringas, embalagens plásticas e muitos móveis amontoados. O forro do teto estava destruído e havia vazamentos nas tubulações de água. Boa parte das paredes e janelas do imóvel tinha pichações.
Uma das responsáveis pela ocupação mostrou cinco quartos disponíveis para locação. O primeiro tinha um forte cheiro de urina e fezes, além de um sofá sujo e roupas abandonados. Fotos eram proibidas no local. Argumentei que precisava fazer as imagens para mostrar o ambiente à pessoa que dividiria o quarto com ele.
A coordenadora disse que mostraria um quarto mais arrumado após perceber que eu tinha "demonstrado educação e disciplina". A melhor opção tinha cerca de 20 metros quadrados, estava limpo e não tinha nenhum móvel. A opção não era muito disputada porque ficava no 20º andar e poucos estavam dispostos a subir tantos andares de escada, principalmente para fazer a mudança.
Nos corredores da ocupação, os varais se multiplicavam. Também havia caixas d'água em alguns pavimentos - motivo de preocupação de uma idosa que vivia no 8º andar. Para ela, era muito arriscado ter tanta água perto de fiações precárias.
A grande maioria dos apartamentos não tinha pia, armário ou fogão. Eram apenas um quadrado com paredes de madeirite.
A água, em geral, era retirada da caixa d'água instalada no corredor de cada andar. Alguns moradores cozinhavam usando fogões de acampamento, abastecidos por um pequeno botijão.
Só não ficava um forte cheiro de comida nos corredores porque o prédio tinha janelões que garantiam a circulação do ar.
Uma das portas no mesmo andar tinha uma pichação com o número 1533 - uma das principais referências à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Cada piso era habitado por mais de dez famílias e tinha uma rotatividade alta. "As pessoas não pagam ou fazem muita bagunça e a gente pede para que elas saiam", disse na época uma das administradoras do local.
Na época, me foram oferecidos cômodos em cinco andares diferentes. Cada pavimento tinha um banheiro, limpo pelos próprios moradores em forma de rodízio - um dos principais motivos de briga entre eles, segundo uma das coordenadoras do MLSM.
Ainda assim, quase todos os banheiros da ocupação estavam alagados, com o vaso sanitário entupido e com as paredes mofadas. Os moradores relataram que ratos, baratas e aranhas eram vistos com frequência.
A fiação de todo o prédio ficava exposta e tinha diversas emendas, devido às ligações clandestinas feitas pelos moradores. Eles disseram que a energia que abastecia o edifício era desviada de semáforos da região.
Havia tantos moradores no prédio que alguns aproveitavam para oferecer serviços, como cabeleireiro, manicure e venda de alimentos, como geladinho e marmitex.
Entre os moradores, havia taxistas, vendedores, garotas de programa e motoboys. Entre os motivos para viver no local, eles citavam a proximidade com o centro, já que grande parte morava na periferia e demoravam até duas horas para chegar ao trabalho.
Mas todos tinham o mesmo sonho de conseguir uma moradia popular. Por isso, participavam mensalmente de reuniões internas e com representantes da prefeitura - alguns durante anos.
Ninguém sabia quando e se realmente conseguiriam uma casa, mas insistiam naquela que era tida como a única forma de conseguir um teto.