"Estamos indo para o vinagre" é a expressão usada pelo economista Felipe Salto, diretor-executivo da IFI, a Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, para avaliar o atual momento da economia do país.
A IFI tem como função ajudar os parlamentares a monitorar o Orçamento do governo. É um tipo de instituição que existe em vários países do mundo. Nas nações de língua inglesa, são chamadas de "cães de guarda" das contas públicas.
Numa semana em que o dólar bateu nos R$ 5,70, quatro secretários do alto escalão do Ministério da Economia pediram demissão, e o governo confirmou a intenção de desrespeitar o teto de gastos em mais de R$ 80 bilhões, o pessimismo não é de se estranhar.
Para Salto, o problema não é o governo querer gastar mais na área social — o que é necessário no atual momento de saída da pandemia e, segundo ele, poderia ser feito perfeitamente dentro dos atuais limites fiscais.
O problema é que o rombo bilionário que está sendo aberto no teto de gastos — que a IFI estima em R$ 94,4 bilhões, acima dos R$ 83,6 bilhões previstos pela equipe econômica — é muito maior do que a despesa planejada para as transferências do novo Auxílio Brasil, que deve substituir o Bolsa Família.
"É um espaço que é para atender o Centrão, para atender a base, para abrir o Orçamento para emendas", avalia Salto. "Isso está diretamente associado ao momento que estamos vivendo, de pré-eleições. Ano que vem tem eleições gerais e isso está perpassando todas as decisões."
Mudando a regra com o jogo andando
Para abrir esse espaço no Orçamento, o governo planeja adiar o pagamento de precatórios, dívidas da União com pessoas, empresas, Estados e municípios que a Justiça já determinou o pagamento em decisões definitivas.
Além disso, a gestão Jair Bolsonaro, em acordo com o Congresso, quer mudar a regra do teto, passando a reajustá-lo pela inflação acumulada de janeiro a dezembro do ano anterior, e não mais em 12 meses até junho, como feito atualmente. O recálculo vai ser feito desde 2016, ano de aprovação da lei do teto de gastos.
"O problema não é o gasto", diz o diretor-executivo da IFI. "O Estado tem que gastar para poder realizar suas políticas públicas de educação, saúde e também sociais, além de gastar para resolver problemas como o atual, que é o enfrentamento dessa crise pandêmica ainda presente no Brasil e suas consequências sociais e econômicas."
"O problema é mudar as regras do jogo para favorecer conjunturalmente estratégias de expansão fiscal", avalia. "Mudar, de maneira oportunista como está acontecendo agora, é que preocupa."
Para Salto, o problema da forma como tudo está sendo feito é que quem sairá prejudicado pela instabilidade causada por essa decisão são as mesmas pessoas que o governo pretende ajudar ampliando o valor da transferência de renda para R$ 400 até dezembro de 2022.
"Os agentes econômicos — o mercado, como nós chamamos — já precificam esses riscos, os juros estão aumentando e o resultado vai ser provavelmente um crescimento econômico menor lá no ano que vem", prevê, acrescentando que isso prejudica a geração de empregos.
O aumento do risco e a alta do juros afugentam os investimentos produtivos, explica Salto. E o dólar pressionado torna a inflação mais resistente a cair, já que a moeda americana pesa nos custos de tudo que é importado, como diversos componentes dos nossos bens industriais.
"Infelizmente vai ser um quadro muito difícil para aqueles que têm renda mais baixa e dependem do salário para sua sobrevivência. E mesmo para aqueles que estão dependendo do auxílio do governo", conclui.
Guedes, de ultraliberal a 'fura-teto'
Questionado sobre como avalia a trajetória de Paulo Guedes, ministro que assumiu prometendo implementar uma agenda ultraliberal de redução do Estado e agora quer furar o teto de gastos em bilhões para aumentar a despesa do governo num ano eleitoral, o diretor da IFI é taxativo.
"A verdade é que não há uma agenda liberal, há um despreparo, uma inépcia do atual governo que redunda nisso que estamos vendo nos últimos dias. Nesse desmonte das regras fiscais", avalia o especialista em contas públicas.
A IFI estima que seria possível elevar o Bolsa Família sem ferir as regras. Cortando despesas não obrigatórias e pagando integralmente os precatórios, a instituição calcula que seria possível elevar o programa de transferência de renda do valor atual médio de R$ 190, para 14,7 milhões de beneficiários, para R$ 250 e 16,3 milhões de beneficiários.
Para elevar adicionalmente esse valor, existe uma outra carta na manga, diz Salto.
Um total de cerca de R$ 16 bilhões em precatórios do antigo Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental), atual Fundeb, que poderiam ser pagos legalmente fora do teto, abrindo espaço equivalente para a despesa na área social dentro do Orçamento.
"Só que não sobraria dinheiro para fazer emendas de relator geral, outros gastos pulverizados. E é isso, na verdade, que está motivando toda essa mudança que o ministro da Economia está bancando", afirma.
"Ou seja, ele está abrindo mão da responsabilidade fiscal, claramente. Ele quer sinalizar o contrário, dizendo que as regras estão sendo cumpridas, mas ninguém compra essa tese", afirma. "A saída dessas pessoas da equipe econômica, que são quadros técnicos, é apenas a evidência mais nítida de que o governo está num caminho muito errado."
Na quinta-feira (21/01), pediram demissão Bruno Funchal e Gildenora Dantas, secretário especial e secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento, respectivamente. E Jeferson Bittencourt e Rafael Araújo, secretário e secretário-adjunto do Tesouro Nacional.
'Indo para o vinagre'
A perda de credibilidade da equipe econômica é parte do motivo pelo qual Salto acredita que "vamos direto para o vinagre, sem direito a paradas", como lamentou esta semana em uma rede social.
Que tristeza o nosso país. Vamos direto para o vinagre sem direito a paradas. E saber que todas as condições para ser diferente estavam postas. Quem menospreza o mercado como instituição essencial para o funcionamento do Estado, agora, entenderá na prática o que significa risco.
— Felipe Salto (@FelipeSalto) October 19, 2021
"É uma frase que pode parecer exagerada, mas não é. Porque, veja, a economia depende sobretudo da credibilidade dos gestores da política econômica. Esse é o passo zero", afirma.
Para crescer, é preciso mais do que isso, diz ele. "Precisa aumentar a produtividade, os acordos comerciais para exportar mais. Aproveitar a vantagem comparativa que o Brasil sempre teve na área ambiental. E nós estamos indo para a direção simetricamente oposta."
Ele cita o atual desprezo do governo pela preservação da Amazônia e o tempo perdido com uma política externa que classifica como "mequetrefe". Na infraestrutura, destaca que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) perdeu todo seu papel, embora o país ainda necessite de instrumentos e políticas de desenvolvimento.
"Nós estamos sem planejamento, o Orçamento está no piloto automático", afirma. "Quando eu digo que poderia ser diferente, é nesse sentido. Nós poderíamos estar com o câmbio mais apreciado, a inflação mais controlada e o crescimento já numa recuperação melhor, se as políticas adequadas estivessem sendo tomadas."
"Então, a minha preocupação central, quando eu digo que 'estamos indo direto pro vinagre' é essa. Estruturalmente já estávamos indo e agora, com essa lambança na área fiscal e orçamentária, a aceleração nessa direção vai ser ainda maior."