O presidente Jair Bolsonaro disse, na manhã desta quinta-feira, em Pequim, que está em um país capitalista.
Em conversa breve com jornalistas na entrada do hotel em que se hospeda na capital chinesa, o presidente foi questionado pela BBC News Brasil sobre os comentários de parte de seu eleitorado e de seus opositores sobre a visita ao país liderado pelo maior partido comunista do mundo.
Pelo Twitter, brasileiros perguntam em publicações relacionadas a Bolsonaro se o presidente pretende discutir o viés ideológico chinês enquanto estiver no país. Diversos comentários também associam os chineses a governos como o de Nicolás Maduro, na Venezuela, e Vladimir Putin, na Rússia.
"Estou em um país capitalista", limitou-se a responder o presidente.
Questionado pela reportagem sobre a expectativa de encontrar o presidente Xi Jinping, o líder do partido comunista chinês, Bolsonaro foi discreto.
"Sem problema nenhum. É normal. Devo estar com ele amanhã."
https://www.youtube.com/watch?v=OLh-gZngg54&t=46s
Mudança de tom
Os comentários destoam de falas do presidente dadas durante a corrida eleitoral brasileira de 2018.
Há um ano, em outubro de 2018, Bolsonaro subiu o tom contra o país asiático e ganhou manchetes no mundo inteiro ao dizer: "A China não compra no Brasil. A China está comprando o Brasil".
Cinco meses depois, em aula magna a formandos do Itamaraty, o chanceler do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo, disse a diplomatas que o Brasil não iria "vender sua alma" para "exportar minério de ferro e soja" para a China comunista.
Nos últimos meses, no entanto, o governo tem feito esforços para se aproximar de investidores chineses. Entre os principais objetivos está encontrar empresários dispostos a comprar estatais em processo de privatização, como a Eletrobras, os Correios e setores da Petrobras.
Bolsonaro também pretende mostrar um Brasil mais disposto do que nunca a vender soja, carne, petróleo e minério de ferro ao gigante asiático, que há 10 anos é o principal parceiro comercial do Brasil no mundo, seguido pelos EUA.
Do outro lado, segundo o Itamaraty, as importações brasileiras de produtos chineses "correspondem, em sua quase totalidade, a produtos manufaturados" — a maioria é formada por componentes elétricos e bens de consumo.
Favorável ao Brasil desde 2009, o superavit entre os dois países saltou de US$ 11,8 bilhões para US$ 29,5 bilhões entre 2016 e 2018, de acordo com dados oficiais.
Por fim, busca convencer megainvestidores a construírem ferrovias, estradas, portos e usinas de energia na expectativa de destravar a economia brasileira, estacionada em problemas históricos de infraestrutura.
A reportagem conversou sobre a mudança de tom com a professora Karim Vasquez, chefe do Centro de Estudos dos Brics da Universidade de Fudan, em Xangai, na última quarta-feira. Para a especialista, o presidente brasileiro desembarca na China após sofrer um "choque de realidade" posterior às eleições.
"Há uma diferença normal entre o discurso eleitoral e o de governo. O eleitoral usa um apelo popular, exageros, uma retórica para ganhar um eleitorado que não conhece a China ou o comércio internacional. É o que ganha voto", explica.
"Depois que assume, o presidente é imediatamente pressionado pelo lobby do agronegócio, pelas confederações de industria. Ele se dá conta que quase 30% da pauta de exportações se refere à China. E percebe que não fazer negócios com chineses em 2019 é inconcebível para qualquer país", prosseguiu.