O presidente do laboratório chinês Sinovac, fabricante da vacina contra Covid-19 CoronaVac, manifestou desagrado pelas declarações contra a China feitas por vários membros do governo brasileiro durante reunião com diplomatas e representantes do Instituto Butantan, o que pode ter impactado no envio de insumos ao Brasil, disseram à Reuters fontes com conhecimento do encontro.
A revelação da reunião e de seu teor foi feita pelo jornal O Globo, que teve acesso a um telegrama da embaixada do Brasil em Pequim enviado à CPI da Covid no Senado, e as informações foram confirmadas à Reuters pelas fontes.
De acordo com uma delas, ligada ao Butantan, o descontentamento do presidente da Sinovac, Weidong Yan, foi relatado em uma reunião virtual com a presença do presidente do Butantan, Dimas Covas, e dos ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Paulo Guedes (Economia). No encontro, foi informado, segundo essa fonte, que o executivo disse que seria importante que fosse feita uma retratação pelas autoridades brasileiras.
De acordo com a outra fonte, a cobrança do executivo foi a de uma relação mais "fluida" com o governo brasileiro, ressaltando que o apoio político seria importante para garantir as importações do insumo farmacêutico ativo (IFA) da CoronaVac, necessário para que o Butantan envase doses da vacina no Brasil.
"Falou-se da importância do bom relacionamento político", contou a segunda fonte. "As críticas não ajudam, mas a fala (do executivo) também deixou a impressão que foi uma justificativa para os atrasos", acrescentou
A fonte lembra que o executivo falava em nome da empresa, não do governo chinês, portanto estava passando uma impressão do que poderia ajudar, mas não poderia falar em nome da chancelaria chinesa.
Os percalços do fornecimento de insumos para fabricação de vacinas no Brasil são constantes, levando a atrasos para fornecimento da CoronaVac e da vacina da AstraZeneca, cujo envase pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também depende da importação de IFA da China.
A demora na liberação dos insumos, de acordo com esta fonte, por parte das autoridades chinesas pode ocorrer tanto por simples burocracia do país ou mesmo por uma má vontade com o Brasil diante dos constantes ataques de autoridades brasileiras contra o país asiático.
A fonte ligada ao Butantan garantiu que, após as declarações mais recentes do presidente Jair Bolsonaro contra a China, o volume de IFA da CoronaVac previsto para chegada ao Brasil foi reduzido.
"O tempo todo a gente tem falado que sempre que tem uma crítica, respinga", disse a fonte. "Todas as vezes que ele (Bolsonaro) se pronunciou, atrasou", acrescentou.
"GUERRA BACTERIOLÓGICA"
A reunião relatada no telegrama diplomático aconteceu em 19 de maio e foi a primeira que envolveu a embaixada brasileira para tratar da CoronaVac. Até a saída de Ernesto Araújo do comando do Itamaraty, a embaixada não havia sido acionada para ajudar o governo do Estado de São Paulo, ao qual o Butantan é vinculado.
Depois da troca de chanceler, com a chegada de Carlos Alberto França ao posto, a embaixada ofereceu ajuda, mas ainda houve uma resistência inicial do governo paulista, contou uma das fontes.
Pouco tempo antes da reunião, apesar de acenos amistosos do novo chanceler brasileiro aos chineses, Bolsonaro voltara a atacar a China com informações falsas ao se referir a uma suposta "guerra bacteriológica".
"É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou por algum ser humano ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?", afirmou em um evento no Palácio do Planalto.
Alguns dias antes, em uma reunião no Ministério da Saúde, Guedes, também criticou a China sem saber que estava sendo gravado.
"O chinês inventou o vírus e a vacina dele é menos efetiva que a do americano. O americano tem 100 anos de investimento em pesquisa. Os caras falam: qual é o vírus? É esse? Tá bom. Decodifica. Tá aqui a vacina da Pfizer. É melhor que as outras. Então vamos acreditar no setor privado", afirmou.
Na verdade, apesar do laboratório Pfizer ser norte-americano, a vacina foi desenvolvida em parceria com o laboratório alemão BioNTech, liderado por dois cientistas alemães de origem turca.
Procurado para comentar sobre o telegrama, o Ministério das Relações Exteriores não respondeu imediatamente.