Ao aproximar-se de Israel, o governo brasileiro demonstra a expectativa de criar parcerias positivas para o futuro, especialmente em áreas como tecnologia de defesa e segurança pública, nas quais os israelenses são vistos como referência.
O presidente Jair Bolsonaro já disse, de olho em tais oportunidades, que pretende alterar medidas que restringem as importações de armas e dificultam a instalação de novas empresas no Brasil.
O aparente entusiasmo sobre a aproximação com Israel vem tanto do governo federal quanto do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC). Eleito com um discurso de repressão ao crime similar ao de Bolsonaro, o governador chegou a viajar a Israel antes de tomar posse para conhecer produtos que poderiam vir a ser adotados pelas forças de segurança fluminenses.
Mas será que, até agora, alguma parceria concreta em segurança já saiu dessa aproximação? E o que pode mudar com a viagem do presidente a Israel?
Acordos em defesa e segurança pública
Os dois países firmaram acordos em alguns campos, entre eles, defesa e segurança pública. Na avaliação do Itamaraty, eles representam uma mudança porque facilitam o emprego de recursos nos projetos de cooperação. Os novos acordos, diz a pasta, devem "permitir a alocação de orçamento para execução de atividades".
Até o momento, há poucos detalhes sobre os efeitos práticos das medidas.
O acordo sobre segurança pública tem o objetivo de "promover, desenvolver, otimizar e estreitar a cooperação e intercâmbio de informações entre as Partes nas áreas de segurança pública nacional, inter alia, prevenção e combate ao crime organizado transnacional, em todas as suas formas", diz o governo brasileiro.
As áreas de cooperação citadas vão de prevenção de ilícitos a práticas de governança em situações de crise ou emergência.
Segundo o governo, devem ser identificadas iniciativas conjuntas, estabelecidos canais de comunicação, facilitação de intercâmbio técnico e capacitação de servidores.
O acordo também determina que seja criado um grupo de trabalho para acompanhar o cumprimento das medidas.
O jornal israelense Haaretz noticiou, nos últimos dias, que os dois países discutem a possibilidade de comprar drones de Israel. Nenhum compromisso foi firmado, no entanto.
Em 2014, a Força Aérea Brasileira (FAB) adquiriu uma unidade do drone Hermes 900, da israelense Elbit Systems.
Com relação à área de defesa, o acordo pretende promover intercâmbio de conhecimento e tecnologia.
O documento prevê a organização de eventos, visitas mútuas, participações em cursos e aquisição de materiais de defesa.
Os dois países se comprometem a "encorajar sua Indústria de Defesa a pesquisar projetos e equipamentos de interesse mútuo de ambas as Partes, com a finalidade de produção e comercialização".
Também devem "auxiliar na negociação de licenças, 'royalties' e informações técnicas, trocadas por suas respectivas indústrias, quando necessário" e facilitar licenças de exportação.
Vigilância eletrônica e drones que atiram?
A ida do governador do Rio a Israel, em dezembro de 2018, não teve resultados concretos até o momento, segundo sua assessoria de imprensa.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo à época, Witzel disse que seu principal interesse eram os sistemas de vigilância eletrônica desenvolvidos pelos israelenses. Segundo pessoas que acompanharam a viagem ouvidas pela BBC, também lhe foram apresentados aparelhos como um drone capaz de atirar.
Witzel costuma dizer que bandidos devem ser "abatidos" se estiverem portando fuzis, algo que, no entanto, vem sendo alvo de questionamentos legais por especialistas.
Ao jornal, o governador afirmou que esse tipo de drone ainda não está disponível para comercialização e que seu interesse eram os sistemas de monitoramento.
Segundo pessoas que participaram da viagem, o governador saiu das visitas "entusiasmado", e com a promessa de que policiais israelenses dessem um treinamento aos colegas brasileiros, algo que ainda não se concretizou, segundo o governo.
Até o momento, não houve compra de drones ou qualquer outra tecnologia israelense, segundo a assessoria de imprensa do governo do Rio.
O uso de drones, no entanto, não é novidade no Rio.
Quando o Rio estava sob intervenção militar, o Gabinete de Intervenção Federal comprou 11 drones de monitoramento, todos de fabricação brasileira.
O uso é permitido pela ANAC.
Tramita no Congresso um projeto de lei de 2017 que regulamenta o uso de drones em segurança pública. Ele permite o uso desse produto para investigação e policialmento ostensivo e proíbe a adoção dos modelos com armamento ou autônomos. O projeto aguarda constituição de comissão especial para ser apreciado.
A Polícia Militar diz que eles serão empregados para monitoramento e planejamento de ações contra o crime organizado, operações de trânsito, planejamento e segurança de grandes eventos e auxílio ao policiamento ambiental.
A Polícia Civil afirma que ainda está desenvolvendo um protocolo de uso.
A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) afirma que já usa três drones em ações de fiscalização e na vigilância de perímetro das unidades prisionais. "Também poderão ser empregados na verificação de possíveis ameaças no entorno dos presídios e no monitoramento em tempo real de eventuais motins ou rebeliões", diz a pasta, em nota.
O Corpo de Bombeiros diz que também usa drone em buscas e salvamentos.
A gestão Witzel segue interessada na compra de câmeras de reconhecimento facial. Unidades cedidas pela empresa Oi foram usadas em Copacabana durante o Carnaval. Segundo a assessoria do governo, ainda não foi definido de quem os produtos serão comprados.
Outras importações
Especialistas em segurança pública ouvidos pela BBC News Brasil dizem que ainda é cedo para dizer se haverá uma mudança expressiva no perfil de importação e exportação de material de segurança entre os dois países.
Segundo dados do instituto Sou da Paz, focado em segurança pública, o Brasil historicamente importa mais produtos de defesa de Israel do que exporta.
Em 2018, 0,2% das importações de material bélico e de defesa vieram de Israel. O pico de gastos desde 2010 foi em 2015, R$ 30 milhões.
Naquele ano, o governo de São Paulo comprou de Israel seis veículos blindados, conhecidos como "caveirões", capazes de resistir a tiros de fuzil.
Especialistas apontam que há pouca transparência nos dados de importação e exportação de material bélico. O Brasil, dizem, tem uma regulamentação que permite dar sigilo a compras e vendas ligadas à defesa.
"O que vemos (de dados) é parcial", diz Natália Pollachi, coordenadora de projetos do Sou da Paz.
Quais seriam os resultados na prática?
Especialistas em segurança pública ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que é interessante para o Brasil a aquisição de produtos israelenses que melhorem a capacidade de apuração de crimes e de planejamento, como sistemas de informação e inteligência. "Não somos contra a venda de produtos militares. Isso faz parte do nosso aparato de defesa", diz Natália.
O que não seria visto com bons olhos é a hipótese de um investimento excessivo em produtos ligados a armamentos, deixando de lado tecnologia de informação.
"O quanto faz sentido o Estado comprar blindados para incursão em comunidades? As maiores apreensões de armas e drogas não se dão em operações de incursão, mas de inteligência, planejamento. Tem muitas formas menos custosas e perigosas de lidar com segurança pública", diz a pesquisadora.