Grupos indígenas que consideram a construção de uma ferrovia para transportar grãos a um porto na Amazônia como uma ameaça às suas terras ancestrais se retiraram nesta segunda-feira de um grupo de trabalho criado pelo governo no ano passado para avançar o projeto.
Os povos munduruku e kayapó, ao lado de povos da reserva do Xingu, disseram em uma carta ao Ministério dos Transportes que o grupo de trabalho não estava fazendo o seu trabalho de discutir a ferrovia Ferrogrão, de 1.000 kms, com todas as partes envolvidas.
O ministério não respondeu ao pedido por comentários em um primeiro momento, nem a empresa pública de infraestrutura, Infra S.A., responsável pelo projeto.
O plano da Ferrogrão é apoiado por agricultores e comerciantes de grãos que afirmam que ela reduziria a dependência em estradas e diminuiria os custos do transporte de soja do Mato Grosso aos portos fluviais na bacia amazônica para exportação. Comunidades indígenas dizem que não foram consultadas sobre um projeto que afetará seu meio ambiente e levará ao desmatamento.
O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o plano no ano passado, aguardando mais estudos sobre o impacto da polêmica ferrovia.
"Não está tendo respeito. Está sendo plantado mais soja para exportar à Europa e à China. Não tem diálogo, não tem consulta", disse Alessandra Munduruku, vencedora do Prêmio Ambiental Goldman de 2023 pelos seus esforços para interromper o desenvolvimento da mineração na Amazônia.
"O governo tem preguiça de fazer consultas. Eles querem tudo na mão para construir mais rápido em nosso território", disse ela à Reuters, do lado de fora do ministério.
Em sua carta ao ministro dos Transportes, comunidades indígenas afirmaram que os estudos foram feitos sem envolvimento do grupo de trabalho, ou discussões com ele, e que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) já decidiu seguir em frente e abrir licitações para a construção da ferrovia.
À Reuters, a ANTT disse que o cronograma de leilões é uma demanda de planejamento próprio da Administração Pública, com regras definidas por leis e decretos. "No momento, não há previsões quanto ao cronograma de leilão", afirmou a agência.
Na carta vista pela Reuters, os indígenas afiram que "a partir de hoje, não mais participaremos do grupo".
"Não mediremos esforços para barrar esses trilhos de destruição"", afirmam os indígenas. A ferrovia, dizem, levaria ao desmatamento e afetaria as terras de 16 terras indígenas, e "tudo isso para aumentar os lucros de grandes empresas transnacionais exportadoras de soja e milho".
O governo diz que a ferrovia ajudaria a proteger a região no geral ao reduzir o tráfego pesado em uma estrada que liga os mesmos pontos e diminuiria o uso de combustíveis fósseis em caminhões.
Sydney Possuelo, principal especialista do Brasil em tribos isoladas, concordou que a ferrovia era "dos males o menor" porque traria menos pessoas de fora do que uma rodovia melhorada em uma região que já é foco de grileiros, garimpeiros e madeireiros.