Conhecido como "hacker da Vaza Jato", o programador Walter Delgatti Neto afirmou que o então presidente Jair Bolsonaro pediu que ele invadisse as urnas eletrônicas em 2022 e ofereceu indulto caso o hacker fosse preso ou condenado.
A declaração de Delgatti ocorreu durante seu depoimento à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos atos golpistas de 8 de janeiro nesta quinta-feira (17/8).
Delgatti foi apelidado de "hacker da Vaza Jato" em 2019, após ter acesso a mensagens da Operação Lava Jato.
Bolsonaro não havia se pronunciado sobre a fala de Delgatti até a publicação desta reportagem.
A seguir, veja os principais pontos da fala de Delgatti, que continua nesta tarde.
1. Pedido de invasão de urnas e oferta de indulto
Segundo Delgatti, a oferta de indulto do presidente aconteceu durante uma reunião no Palácio do Planalto em 2022, antes das eleições. A reunião teria sido intermediada pela deputada Carla Zambelli (PL-SP).
De acordo com o depoimento de Delgatti, Bolsonaro perguntou se ele conseguiria invadir as urnas eletrônicas para "testar a lisura das eleições".
"Apareceu a oportunidade da deputada Carla Zambelli, de um encontro com o Bolsonaro, que foi no ano de 2022, antes da campanha. Ele queria que eu autenticasse a lisura das eleições, das urnas. E por ser o presidente da República, eu acabei indo ao encontro", disse o hacker, que afirmou que aceitou pois estava "desamparado" e "sem emprego".
Delgatti afirmou que cuidava das redes sociais da deputada Carla Zambelli e que ela teria oferecido um emprego na campanha de Bolsonaro.
Questionado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA) se recebeu alguma garantia de proteção do presidente pelo pedido de que cometesse um crime, o hacker disse que sim.
"Sim, recebi. Inclusive, a ideia ali era que eu receberia um indulto do presidente. Ele havia concedido um indulto a um deputado federal. E como eu estava com o processo da (operação) Spoofing (da Polícia Federal) à época, e com as (medidas) cautelares que me proibiam de acessar a internet e trabalhar, eu visava a esse indulto. E foi oferecido no dia", afirmou Delgatti.
Ele disse ainda que o ex-presidente mandou o general Marcelo Câmara colocá-lo em contato com técnicos do Ministério da Defesa para obter ajuda na missão. Segundo Delgatti, Câmara teria hesitado, mas acabou cumprindo a ordem.
Os servidores do ministério, disse, explicaram que ele não poderia inspecionar o código-fonte das urnas porque ele ficava somente no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Então os servidores do ministério iam ao TSE, "decoravam" parte do código e repassavam as informações a ele, que não teve acesso à íntegra do código-fonte.
Delgatti disse que sabia que estava cometendo um crime, mas que obedeceu por medo e por ser uma ordem do presidente da República. Além disso, disse ele, o presidente ofereceu o indulto caso ele fosse preso ou condenado.
"Ele (Bolsonaro) me deu carta branca para fazer o que eu quisesse relacionado às urnas. Então, eu poderia, segundo ele, cometer um ilícito, que seria anistiado, perdoado", afirmou.
Segundo Delgatti, o contato dele com o ministério da Defesa não parou por aí: ele afirmou que "orientou" o relatório oficial do ministério entregue ao TSE em 2020. O relatório do órgão foi diferente de todas as outras entidades de fiscalização das urnas, que apontavam que as máquinas são seguras e confiáveis. Embora não tenha encontrado fraude, o ministério disse que era impossível garantir que haveria isenção nas eleições.
"Tudo que eu repassei a eles consta no relatório que foi entregue ao TSE. Eu posso dizer hoje que, de forma integral, aquele relatório tem exatamente o que eu disse, não tem nada menos e nada mais", disse Delgatti.
2. Código-fonte fake
Delgatti disse também que o marqueteiro de Bolsonaro, Duda Lima, pediu que ele obtivesse um "código-fonte falso" para acusar as urnas eletrônicas de serem frágeis.
O pedido teria sido feito durante uma reunião em que estavam presentes também Zambelli e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Duda Lima soltou uma nota negando todas as afirmações.
Segundo Delgatti, a ideia era que ele criasse um código-fonte falso que permitisse mostrar alguém apertando um voto e a urna registrando outro.
"O código-fonte da urna, eu faria o meu, não o do TSE", disse ele. "No dia 7 de setembro, (a ideia era) eles pegarem uma urna emprestada da OAB, acredito. E que eu colocasse um aplicativo meu lá e mostrasse à população que é possível apertar um voto e sair outro."
Zambelli e Valdemar da Costa Neto ainda não se pronunciaram sobre o caso.
3. Assumir grampo contra Alexandre de Moraes
Delgatti também disse à CPI que Bolsonaro afirmou que o governo já tinha conseguido grampear o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes e que o presidente pediu que o hacker assumisse a autoria do grampo.
"E, segundo ele [Bolsonaro], eles haviam conseguido um grampo, que era tão esperado à época, do ministro Alexandre de Moraes. Que teria conversas comprometedoras do ministro, e ele precisava que eu assumisse a autoria desse grampo", afirmou Delgatti.
Segundo o hacker, ele teria sido escolhido para evitar questionamentos da esquerda. Walter Delgatti Neto chamou a atenção pela primeira vez em 2019 por ter invadido celulares e divulgado mensagens atribuídas a integrantes da força tarefa da operação Lava Jato e ao ex-juiz Sergio Moro que mostravam irregularidades.
"Lembrando que, à época, eu era o hacker da Lava Jato", disse Delgatti. "Então, seria difícil a esquerda questionar essa autoria, porque lá atrás eu teria assumido a 'Vaza-Jato', que eu fui, e eles apoiaram. Então, a ideia seria um garoto da esquerda assumir esse grampo (contra Moraes)."
A ação do hacker na Lava Jato rendeu também um bate-boca com Moro (que hoje é senador) durante a CPI.
O senador citou processos criminais enfrentados por Delgatti, que respondeu dizendo que Moro é um criminoso e que ele soube disso lendo as mensagens que obteve após invadir celulares.
"Li a parte privada e posso dizer que o senhor é um criminoso contumaz, cometeu diversas irregularidades e crimes", afirmou.
Moro respondou afirmando que Delgatti é quem foi preso e que ele é um "bandido".
O hacker então respondeu que Moro só não foi preso porque "apelou" para a prerrogativa de função (de ser julgado apenas pelo STF).
O vice-presidente da CPI, Cid Gomes (PDT-CE) pediu que os dois se respeitassem para que a seção pudesse continuar.