Num lance do destino, uma lei sancionada pelo então presidente Lula em 2010 agora arrisca tirar o petista das eleições presidenciais de 2018.
A Lei da Ficha prevê que candidatos condenados por órgão colegiados (formados por mais de um juiz) não consigam se candidatar. Na última quarta-feira (24/01), Lula passou a ser afetado pelo mecanismo quando teve sua condenação por lavagem de dinheiro e corrupção confirmada por três desembargadores do Tribunal Regional da 4° Região.
"Hoje, Lula é inelegível", afirma à DW Brasil o ex-juiz eleitoral Márlon Reis, um dos idealizadores da lei e fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que colheu as assinaturas que levaram o projeto original ao Congresso.
No entanto, afirma o ex-magistrado, Lula ainda possui alguns recursos para tentar contornar a categorização como "ficha suja" e tentar concorrer às eleições.
Uma brecha na lei permite que um candidato condenado possa entrar com um pedido de liminar em uma instância superior para tentar concorrer. No caso de Lula, isso deverá ocorrer junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Mas é totalmente imprevisível se Lula vai conseguir essa liminar. No caso de obtê-la, sua defesa vai se defrontar com um problema adicional: a concessão prevê que o próprio recurso contra a condenação passe a tramitar de maneira acelerada. Dessa forma, se Lula insistir em ser candidato, sua defesa pode atrair para o processo uma velocidade indesejada, perdendo a oportunidade de protelar uma decisão final.
Confira abaixo a entrevista com o ex-juiz Márlon Reis:
DW Brasil: Com a condenação por um órgão colegiado, é possível afirmar que Lula já é um "ficha suja"?
Márlon Reis: Sim. Hoje Lula é inelegível. Ele ainda tem um direito à defesa, mas não é preciso um pedido de impugnação porque os fatos que já são de conhecimento da Justiça, eles podem de ofício reconhecer, sem necessidade de o Ministério Público ou de algum adversário entrar com o pedido. Lula ainda pode entrar com o registro da candidatura e conseguir um prazo para apresentar a sua defesa na Justiça eleitoral, mas uma resposta sobre a decisão sobre ele ter sido enquadrado na lei não iria demorar. É claro que nunca ocorreu de um ex-presidente que quer se candidatar novamente ter seu caso analisado, mas nas zonas eleitorais e nos tribunais regionais o processo de impugnação de candidatura costuma ser bem rápido, ocorrendo em apenas algumas semanas.
O presidente tem alguma chance de contornar a situação de "ficha suja"? Alguns políticos conseguem concorrer mesmo após condenações.
Existem mecanismos que podem ser usados para reverter essa decisão. Ele tem duas chances. A primeira é reverter o julgamento já realizado nas instâncias superiores antes das eleições e ser absolvido. No caso, se a tese da sua defesa for acolhida. A segunda é ele concorrer apoiado em uma liminar. Isso, no entanto, não é automático, já que o pedido ainda teria que ser analisado pela própria justiça criminal. No caso, o STJ decidirá se deve conceder uma liminar para ele concorrer ou não.
É possível esperar algum cenário favorável ao ex-presidente no STJ?
É imprevisível. A lei estabelece que a concessão dessa medida liminar só pode ocorrer após consideração pelo relator de que existe uma probabilidade de mudança do resultado de um julgamento. Não é algo automático. Não basta pedir a liminar para obtê-la. É preciso ter uma decisão do relator e ainda cabem recursos internos no tribunal, no caso do Ministério Público. Além de ser difícil de imaginar que o próprio âmbito da Justiça criminal vá conceder isso, ainda há outra grande dificuldade: a lei da Ficha Limpa prevê que caso a liminar seja concedida, o processo ou recurso criminal passa a ter prioridade de tramitação sobre todos os demais. Então o tribunal passa a ser obrigado a julgar tudo com celeridade, a julgar esse caso à frente dos demais. Esse é um risco que poucas vezes os advogados criminalistas querem tomar. No caso criminal esse tipo de liminar é muito pouco utilizada.
Se Lula insistir em ser candidato, ele arrisca que sua defesa criminal tenha os prazos reduzidos?
Isso acelera. Se ele simplesmente entrar com um pedido normal para ter seu caso revisto, ele vai receber o mesmo tratamento nos prazos dispensado a todos. No caso da liminar, se ele a pedir e a obtiver, seu processo vai para cima da pilha. Assim ele pode acelerar o término do seu processo e da sua situação jurídica.
Muitos políticos que conseguem disputar eleições apoiados em liminares cometeram muitas vezes crimes como impropriedade administrativa. Uma condenação por lavagem de dinheiro e corrupção impõe mais dificuldades?
Esses crimes impõem uma dificuldade adicional por serem matéria criminal e terem que ser analisados pelo STJ. Justamente por causa dessas dificuldades extras na obtenção da liminar. É um risco que esses candidatos com outros problemas não correm. A situação de Lula é bem mais difícil do que a de um candidato que teve contas reprovadas por um tribunal de contas, por exemplo. Poucos advogados querem que seus clientes corram esse risco.
Na hipótese de Lula conseguir obter a liminar e conseguir ser eleito? O que pode acontecer?
Além de aceleração do processo, o candidato que concorre com base em uma liminar dessa natureza não tem garantia nenhuma de nada. Não há garantia de registro ou de concessão do diploma. Caso ele seja eleito e o julgamento do recurso ocorrer depois, com um resultado desfavorável, será feita uma revogação de todos os atos eleitorais que contaram com a participação do candidato. Novas eleições então teriam que ser realizadas. Antes da lei da Ficha Limpa, condenados nessa situação participavam pura e simplesmente, sem precisar marchar por todo esse calvário. Eles simplesmente pediam a liminar e concorriam.
Diante desse cenário todo, a lei da Ficha Limpa parece ser o grande obstáculo para candidatura de Lula.
Não tenho a menor dúvida. Temos que lembrar que os tribunais superiores no Brasil não vão mais julgar os fatos. Toda essa história sobre provas, se havia prova ou não, os tribunais não vão mais julgar isso, eles apenas analisam se a lei e a Constituição foram aplicadas corretamente ou não. Então a análise dos fatos terminou no TRF-4. Isso mostra como a situação se tornou mais complexa. É por isso que a Lei da Ficha Limpa usa como critério a condenação por um órgão colegiado porque normalmente após o julgamento por um colegiado a matéria sobre os fatos já se torna insuscetível de rediscussão, se os fatos ocorreram ou não. É bem difícil a situação de Lula.