Há exatos 15 anos, o adestrador de cães Edson Néris da Silva foi espancado até a morte em plena Praça da República, no Centro da capital paulista. Esse foi o primeiro caso de crime homofóbico a ser amplamente divulgado pela imprensa nacional. Edson foi o primeiro, mas não foi o último.
Segundo o Grupo Gay da Bahia, que, na ausência de informações oficiais sobre uma prática que não é discriminada nos boletins de ocorrência, é considerado referência sobre o tema no País, o Brasil é o campeão mundial de crimes homo-transfóbicos.
Anualmente, a ONG publica relatórios sobre casos de homicídios contra membros da comunidade LGBT. De acordo com o último levantamento, foram documentados 312 assassinatos de gays, travestis e lésbicas brasileiros em 2013, incluindo uma transexual morta no Reino Unido e um gay morto na Espanha. Naquele ano, em média, aconteceu uma morte do tipo a cada 28 horas.
Ainda segundo o relatório, em 2013, 40% dos assassinatos de transexuais e travestis registrados em todo o mundo aconteceram no Brasil. Pernambuco e São Paulo foram os Estados onde mais crimes do tipo aconteceram em 2013. Na lista dos Estados menos violentos, estão o Acre - onde não houve registro de crime homofóbico naquele ano -, Amapá e Espírito Santo - respectivamente, com uma e duas ocorrências.
Para o advogado Eduardo Piza Mello, que criou o Instituto Edson Néris - em homenagem à vítima do ataque na Praça da República -, muita coisa mudou de poucos anos para cá. "O que era considerado indecente e imoral, hoje é aceitado legalmente e socialmente, como o casamento, a união estável. Isso seria impossível há cinco anos, por exemplo", explica.
Mas Piza nega que tais avanços tenham reduzido o número de crimes de ódio contra homossexuais. "A (lei) Maria da Penha não reduziu o número de crimes contra mulheres: é um instrumento a mais. Com a discussão sobre homofobia, acontece a mesma coisa com os gays: os crimes não diminuem, necessariamente. Em números reais, não houve redução", afirmou.
O professor Luiz Mott, antropólogo da Universidade Federal da Bahia, é o coordenador da pesquisa feita pelo Grupo Gay da Bahia. De acordo com ele, "tais números (registrados no relatório) representam apenas a ponta de um iceberg de violência e sangue". Isso porque o banco de dados coletado pela ONG é construído a partir de notícias de jornal, internet e informações enviadas por outras ONGs.
Não identificação e liberdade
Em apenas 33% dos casos observados, referentes a 2013, os autores dos crimes foram identificados, sendo que, em 67%, não há informação sobre a captura dos criminosos. Um exemplo de impunidade é o caso de Edson Néris. Na época, a polícia chegou a prender 18 suspeitos. No julgamento, alguns foram condenados a 21 anos de prisão por crime de formação de quadrilha e homicídio triplamente qualificado. Beneficiados pela progressão das penas, todos já estavam em liberdade em 2010.
Descubra onde é legal e ilegal ser gay no mundo
Piza alerta ainda que no Estado de São Paulo, com mais de 40 milhões de habitantes, há apenas uma Delegacia de Combate aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). Localizada na Luz, funciona das 9h às 19h e não atende aos finais de semana. "Você acha o suficiente? É claro que não é", disse o advogado.
O crime contra Edson Néris pode ter sido o responsável por acrescentar o termo "homofobia" aos noticiários, mas estar em evidência é apenas o primeiro passo para que ocorra uma alteração na cultura da população e nas leis do País.
Além disso, o criador do Instituto Edson Néris alerta que a sociedade vê as mortes homofóbicas de maneiras diferentes. "Se um gay universitário de pele branca morre em algum ataque homofóbico, ele é visto como vítima e a sociedade se sensibiliza. Se é uma travesti, se ela era profissional do sexo, parece que a vida dela vale menos que a do outro", alerta o advogado.
"Costumamos dizer que a violência existe para todos e não faz qualquer distinção. É um problema social. O que nos cabe é a discussão e a preocupação com os grupos vulneráveis", conclui.
Os relatórios anuais do Grupo Gay da Bahia são publicados geralmente no mês de março, portanto não se sabe ainda qual foi a quantidade de crimes registrados no ano passado. Porém, um levantamento preliminar revelou que, apenas em janeiro de 2014, foram documentados 42 homicídios contra homossexuais, um a cada 18 horas. Logo, 2014 pode ter sido ainda mais violento que o ano anterior para a comunidade LGBT, o que confirma que os avanços não significam menos crimes.