Homofobia: discussão evoluiu, mas Brasil é campeão em crimes

Primeira vítima (divulgada) de homicídio por homofobia no Brasil morreu em fevereiro de 2000. Quinze anos depois, muito pouco se avançou, na prática, para reduzir quantidade de crimes

6 fev 2015 - 13h26
(atualizado às 14h20)
Edson Néris da Silva (direita) e os homens apontados como responsáveis pelo crime, em fevereiro de 2000 (esquerda)
Edson Néris da Silva (direita) e os homens apontados como responsáveis pelo crime, em fevereiro de 2000 (esquerda)
Foto: http://spd.fotolog.com/ / Reprodução

Há exatos 15 anos, o adestrador de cães Edson Néris da Silva foi espancado até a morte em plena Praça da República, no Centro da capital paulista. Esse foi o primeiro caso de crime homofóbico a ser amplamente divulgado pela imprensa nacional. Edson foi o primeiro, mas não foi o último.

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Segundo o Grupo Gay da Bahia, que, na ausência de informações oficiais sobre uma prática que não é discriminada nos boletins de ocorrência, é considerado referência sobre o tema no País, o Brasil é o campeão mundial de crimes homo-transfóbicos. 

Anualmente, a ONG publica relatórios sobre casos de homicídios contra membros da comunidade LGBT. De acordo com o último levantamento, foram documentados 312 assassinatos de gays, travestis e lésbicas brasileiros em 2013, incluindo uma transexual morta no Reino Unido e um gay morto na Espanha. Naquele ano, em média, aconteceu uma morte do tipo a cada 28 horas. 

Ainda segundo o relatório, em 2013, 40% dos assassinatos de transexuais e travestis registrados em todo o mundo aconteceram no Brasil. Pernambuco e São Paulo foram os Estados onde mais crimes do tipo aconteceram em 2013. Na lista dos Estados menos violentos, estão o Acre - onde não houve registro de crime homofóbico naquele ano -, Amapá e Espírito Santo - respectivamente, com uma e duas ocorrências.

Para o advogado Eduardo Piza Mello, que criou o Instituto Edson Néris - em homenagem à vítima do ataque na Praça da República -, muita coisa mudou de poucos anos para cá. "O que era considerado indecente e imoral, hoje é aceitado legalmente e socialmente, como o casamento, a união estável. Isso seria impossível há cinco anos, por exemplo", explica.

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Mas Piza nega que tais avanços tenham reduzido o número de crimes de ódio contra homossexuais. "A (lei) Maria da Penha não reduziu o número de crimes contra mulheres: é um instrumento a mais. Com a discussão sobre homofobia, acontece a mesma coisa com os gays: os crimes não diminuem, necessariamente. Em números reais, não houve redução", afirmou. 

O professor Luiz Mott, antropólogo da Universidade Federal da Bahia, é o coordenador da pesquisa feita pelo Grupo Gay da Bahia. De acordo com ele, "tais números (registrados no relatório) representam apenas a ponta de um iceberg de violência e sangue". Isso porque o banco de dados coletado pela ONG é construído a partir de notícias de jornal, internet e informações enviadas por outras ONGs.

Não identificação e liberdade

Em apenas 33% dos casos observados, referentes a 2013, os autores dos crimes foram identificados, sendo que, em 67%, não há informação sobre a captura dos criminosos. Um exemplo de impunidade é o caso de Edson Néris. Na época, a polícia chegou a prender 18 suspeitos. No julgamento, alguns foram condenados a 21 anos de prisão por crime de formação de quadrilha e homicídio triplamente qualificado. Beneficiados pela progressão das penas, todos já estavam em liberdade em 2010.

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Piza alerta ainda que no Estado de São Paulo, com mais de 40 milhões de habitantes, há apenas uma Delegacia de Combate aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). Localizada na Luz, funciona das 9h às 19h e não atende aos finais de semana. "Você acha o suficiente? É claro que não é", disse o advogado.

O crime contra Edson Néris pode ter sido o responsável por acrescentar o termo "homofobia" aos noticiários, mas estar em evidência é apenas o primeiro passo para que ocorra uma alteração na cultura da população e nas leis do País. 

Além disso, o criador do Instituto Edson Néris alerta que a sociedade vê as mortes homofóbicas de maneiras diferentes. "Se um gay universitário de pele branca morre em algum ataque homofóbico, ele é visto como vítima e a sociedade se sensibiliza. Se é uma travesti, se ela era profissional do sexo, parece que a vida dela vale menos que a do outro", alerta o advogado. 

"Costumamos dizer que a violência existe para todos e não faz qualquer distinção. É um problema social. O que nos cabe é a discussão e a preocupação com os grupos vulneráveis", conclui. 

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Os relatórios anuais do Grupo Gay da Bahia são publicados geralmente no mês de março, portanto não se sabe ainda qual foi a quantidade de crimes registrados no ano passado. Porém, um levantamento preliminar revelou que, apenas em janeiro de 2014, foram documentados 42 homicídios contra homossexuais, um a cada 18 horas. Logo, 2014 pode ter sido ainda mais violento que o ano anterior para a comunidade LGBT, o que confirma que os avanços não significam menos crimes.

Fonte: Terra
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