A chegada da onda de lama, resultado do rompimento de uma barragem em Mariana (MG) há duas semanas, ao Oceano Atlântico ─ prevista para ocorrer no próximo domingo (22) ─ teria um impacto ambiental equivalente à contaminação de uma floresta tropical do tamanho do Pantanal brasileiro.
Siga Terra Notícias no Twitter
A afirmação é do biólogo André Ruschi, diretor da escola Estação Biologia Marinha Augusto Ruschi, em Aracruz, Santa Cruz, no Espírito Santo.
De acordo com Ruschi, os 62 bilhões de litros de rejeitos do beneficiamento do minério de ferro ─ o equivalente a 25 mil piscinas olímpicas ─ despejados ao longo de 500 km da bacia do rio Doce atingiriam cerca de 10 mil km² numa região conhecida como Giro de Vitória, importante celeiro de nutrientes para animais marinhos, como a tartaruga-de-couro (ameaçada de extinção), o golfinho pontoporia e as baleias jubartes.
A foz do rio Doce está localizada no distrito de Regência, na cidade de Linhares, litoral norte do Espírito Santo.
Ele estima que a descarga tóxica contaminaria principalmente três Unidades de Conservação marinhas ─ Comboios, Costa das Algas e Santa Cruz, que juntas somam 200 mil hectares (2 mil km²) no oceano.
Ruschi lembra, contudo, que como o ecossistema marinho é mais vulnerável do que o terrestre, o impacto no mar seria proporcional à contaminação de uma área continental dez vezes maior ─ ou 20 milhões hectares (200 mil km²) ─ de floresta tropical primária. "Seria como dizimar, de uma só vez, todo o Pantanal", afirma Ruschi à BBC Brasil. O Pantanal se estende por 250 mil km² pelo Brasil, Bolívia e Paraguai. "O ecossistema marinho é muito mais eficiente na biossíntese do que o terrestre. Cerca de dois terços de toda a biomassa do planeta é produzida em apenas 5% ou 6% dos oceanos. Trata-se da borda dos continentes ou de regiões com menos de 200 metros de profundidade, onde as algas podem receber luz e fazer fotossíntese", explica.
Ruschi acredita que, se nada for feito, o prejuízo ambiental do 'tsunami marrom' pode demorar 100 anos para ser revertido. "Precisamos impedir a todo custo que essa lama chegue ao mar. Caso contrário, pode se tornar um desastre de proporções mundiais, com consequências difíceis de imaginar. É um risco que não podemos correr. E o preço que pagaremos por ele será enorme", alerta. "O fluxo de nutrientes de toda a cadeia alimentar de 1/3 da região sudeste e o eixo de 1/2 do Oceano Atlântico Sul está comprometido e pouco funcional por no mínimo 100 anos", afirma.
'Desastre ambiental'
Há cerca de duas semanas, toneladas de lama vazaram no rompimento de uma barragem da empresa Samarco em Mariana (MG), no maior desastre ambiental da indústria da mineração brasileira.
A Samarco, fruto da sociedade entre a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, é responsável pela exploração de minério de ferro no município.
Até agora, o 'tsunami marrom' destruiu vilarejos, como o distrito de Bento Rodrigues, deixando pelo menos 11 mortos ─ sendo sete já identificados ─ e 12 desaparecidos.
Na quinta-feira, a onda de lama chegou à cidade de Colatina, no Espírito Santo, distante 400 km de Mariana. O abastecimento foi interrompido e os moradores estão recebendo água em caminhões-pipa.
A previsão, segundo o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), que monitora a evolução da mancha de lama, é de que o contato do material contaminado com o mar, no litoral do Estado, ocorra no domingo, 22.
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) confirmou o prognóstico à BBC Brasil. Inicialmente, o órgão havia previsto que a lama contaminada atingiria o mar na sexta-feira.
Biodiversidade ameaçada
Ruschi prevê que a lama poderia ser levada para uma área maior do que o Giro de Vitória, afetando o banco de Abrolhos (em cujo extremo norte se localiza o arquipélago de mesmo nome) e a Cordilheira submarina, uma cadeia de montanhas submersas originadas do afastamento das placas tectônicas. "É este Giro de Vitória (área de ressurgência de nutrientes) que nutre toda a região (cordilheira Vitória Trindade e banco de Abrolhos) por efeito das variações estacionais e climáticas que influenciam essa dispersão", explica.
Segundo o biólogo, a longo prazo, os efeitos ambientais poderiam ser sentidos em até 20 milhões de km² no oceano, o equivalente a cinco vezes o tamanho da Floresta Amazônica. "A lama que chega carregada pelas correntes vai se depositar inicialmente numa área menor, mas como o tempo ─ devido a chuvas, por exemplo ─ pode afetar áreas maiores", explica Ruschi. "Estamos falando do eixo de funcionamento de todo o Atlântico Sul. Essa é a região de maior biodiversidade marinha do mundo. É um sistema especial, único, importante e fundamental", acrescenta ele.
Ruschi ressalva, porém, que a contaminação não se daria de forma imediata. "Isso depende da caracaterização química desses resíduos industriais minerais e de outros poluentes que essa lama vem trazendo na calha do rio Doce", diz ele.
Na quinta-feira, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, afirmou que a mancha de lama proveniente do rompimento da barragem em Mariana deve se espalhar por uma extensão de 9 km quando chegar ao mar. A estimativa foi baseada em um estudo feito pelo grupo de pesquisa do oceanógrafo Paulo Rosman, da UFRJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Teixeira descartou qualquer impacto ambiental no arquipélago de Abrolhos (250 km ao norte da foz do rio Doce) e nos manguezais da região de Vitória (120 km ao sul).
Segundo a ministra, foi concluída a escavação de um canal na região para tentar desviar a lama da área de desova de tartarugas de couro, espécie ameaçada. Desde o último sábado, funcionários do projeto Tamar vêm recolhendo ovos de tartaruga-de-couro na região.
O rejeito de mineração de ferro é composto por terra, areia, água e resíduos de ferro, alumínio e manganês. Ainda não se sabe se a composição é tóxica para humanos, mas, de acordo com especialistas, ela funcionaria como uma "esponja", absorvendo outros poluentes para dentro do rio.
Aquecimento global
Ruschi também diz que a chegada da lama ao mar poderia, em última instância, elevar a temperatura da Terra.
Isso porque, segundo ele, a foz do rio Doce concentra 83% das algas calcárias da costa brasileira, um dos principais 'fixadores' de gás carbônico da atmosfera. "Como os sedimentos tendem a cobrir as algas, impedindo a luz e a troca de gases, esses animais tendem a desaparecer da área. Quanto mais ampla for a dispersão, maior o impacto, pois pelas correntes tudo vai acabar na região da Cordilheiras e do banco de Abrolhos", explica.
"Quando não existia esse banco de algas, há 100 milhões de anos, a temperatura da Terra era 10 graus Celsius maior, assim como a concentração de CO2. Naquela ocasião, esse gás era emitido pelos vulcões. Desde então, a atividade dos vulcões diminuiu significativamente, mas o CO2 passou a ser emitido por outras fontes, como as indústrias".
"Por isso, o impacto desse material (lama tóxica) pode induzir a reprodução do clima daquele período".
Multas
Na quinta-feira, a Justiça Federal do Espírito Santo determinou que a Samarco apresentasse e adotasse em 24 horas medidas para barrar a chegada ao litoral capixaba da lama oriunda do rompimento da barragem em Mariana. Se não cumprir a decisão, a mineradora será multada em R$ 10 milhões por dia.
A empresa já havia sido multada em R$ 250 milhões pelo Ibama na semana passada. Caso a lama chegue ao mar, o órgão prevê novas multas, cada uma no valor máximo de R$ 50 milhões.
Também na semana passada, a Justiça de Minas Gerais determinou o bloqueio de R$ 350 milhões na conta da Samarco. O montante deverá ser revertido para reparação dos danos às vítimas do desastre, que já produziu mais de 500 desabrigados.
Procurada pela BBC Brasil, a Samarco informou que está tomando "providências para mitigar as consequências geradas com o avanço da mancha pelo Rio Doce, no Espírito Santo".
Diz ainda ter iniciado "a coleta de amostras de água nos trechos impactados". "Nove mil metros de barreiras de contenção offshore e Sea Fence começaram a ser instaladas 18/11, na foz do Rio Doce, no Espírito Santo. Outra ação em andamento é o resgate de espécies de ictiofauna (peixes), principalmente aquelas endêmicas e ameaçadas de extinção, nas regiões de Baixo Guandu, Colatina e Linhares – Regência, seguindo as diretrizes técnicas do Ibama e Iema", disse a empresa, em nota.