A doação de 2 milhões de doses de hidroxicloroquina dos Estados Unidos para o Brasil se transformou em mais um ponto de discórdia entre o governo federal e os Estados, depois que o Ministério da Saúde propôs aos governadores que assumam a despesa com o fracionamento e a reembalagem do medicamento, e o tema voltará a ser tratado em reunião na próxima semana, contaram à Reuters duas fontes que acompanham a discussão.
A hidroxicloroquina norte-americana está guardada desde meados de junho, quando chegou ao Brasil, em um depósito do centro de logística do ministério no aeroporto de Guarulhos. Uma das fontes explicou que o medicamento foi enviado em embalagens de 100 comprimidos, e precisa ser dividido nas doses em que devem ser distribuídas aos pacientes --frascos de 6 ou 12 comprimidos-- e reembaladas em ambiente específico, sob acompanhamento de farmacêuticos.
A ideia de repassar os custos do fracionamento aos Estados foi apresentada aos secretários estaduais de Saúde na semana passada. A má recepção por parte dos governadores à proposta adiou a decisão para depois que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) finalize as normas para o fracionamento, mas o tema não foi tratado em reunião da diretoria colegiada da agência na terça-feira que poderia discutir a questão.
Uma nova reunião tripartite --entre ministério, Estados e municípios-- está marcada para a semana que vem para tratar do tema.
No entanto, sem a definição pela Anvisa do formato e dos procedimentos, os Estados não conseguem nem mesmo calcular o investimento necessário em frascos, etiquetas e mão de obra para o fracionamento, disse uma das fontes.
E o problema vai além: a maior parte dos governos estaduais não chancela o uso da hidroxicloroquina contra a Covid-19 e não tem planos de gastar recursos já escassos com um medicamento que não será usado no enfrentamento à pandemia.
O Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) ressaltou, em nota, que não existem estudos clínicos que comprovem a eficácia do remédio, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) não reconhece ainda nenhum medicamento para a Covid-19 e que a Food and Drug Administration, agência norte-americana equivalente à Anvisa, já alertou que não há provas que seja eficaz e seguro.
"Nesse sentido, o Conass entende que não há racionalidade em defender o uso desses produtos dentro de uma política pública de medicamentos, muito menos para uso de forma precoce", diz o texto, ressalvando apenas que os médicos têm direito de receitarem, se assim o desejarem.
O presidente do Conass, Carlos Lula, secretário de Saúde do Maranhão, disse em texto enviado à Reuters que o seu Estado não teria condições de fazer o fracionamento, nem que quisesse, por não dispor de rede própria de manipulação.
O secretário defendeu que, se o ministério planeja enviar a hidroxicloroquina aos Estados, que deva ser facultada aos governos estaduais a decisão de usá-lo para as doenças para as quais o medicamento já tem uso eficaz comprovado, como malária e algumas doenças autoimunes.
"Para essas indicações, por se tratar de doentes crônicos, a dispensação não necessita de fracionamento, podendo ser feita antecipada em frascos de 100 comprimidos por paciente para consumo durante três meses", escreveu.
Uma das fontes ouvidas pela Reuters disse que, caso os governos estaduais se recusem a fracionar a hidroxicloroquina norte-americana, o Ministério da Saúde poderá assumir o custo, mas não há nada ainda decidido.
A doação norte-americana foi anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro no final de maio, depois de uma conversa com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O Brasil pediu ajuda dos EUA para combate à epidemia do novo coronavírus e recebeu a promessa do envio do medicamento e de mil respiradores.
Ao anunciar em 7 de julho que havia testado positivo para a Covid-19, Bolsonaro afirmou que já havia iniciado tratamento com hidroxicloroquina, apesar de reconhecer a falta de comprovação científica de eficácia do medicamento.
Além da doação do governo norte-americano, há também uma doação de 1 milhão de comprimidos feitas pelo laboratório Novartis, mesma empresa que produziu o medicamento doado pelo governo norte-americano.
O governo ainda tem outras 1,2 milhão de doses de cloroquina, a versão mais antiga do medicamento, produzidas pelos laboratórios do Exército a mando de Bolsonaro, que também estão estocados.