Seis meses se passaram, e domina a impressão de que o velho modelo de ocupação militar se mostra mais uma vez ineficaz no estado. Uma visão compartilhada por observadores, soldados, policiais e moradores.Eric Martins não tem dúvidas: "Para as pessoas de fora da favela, é um filme, para nós, é um circo. E às vezes é o inferno." O professor de inglês de 29 anos é membro do Rocinha Resiste, um grupo de jovens fundado após a intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro. Eles discutem questões de segurança e tentam chamar a atenção para o abuso de poder da polícia e militares na maior favela da metrópole brasileira.
A Rocinha tem sido alvo de operações desde que o Exército assumiu o comando do aparato de segurança do Rio, seis meses atrás. A razão da intervenção foi tanto a criminalidade crescente quanto a impressão de que a corrupta e mal equipada Polícia Militar do Rio perdera o controle. Para tal, o governo em Brasília liberou 1,2 bilhão de reais.
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A intervenção começou com tanques nas ruas da cidade e soldados de uniforme de camuflagem, marchando pelas favelas adentro, de fuzil em punho. Eles derrubaram as barricadas das facções do narcotráfico e checaram a identidade dos residentes.
Também na Rocinha foram instalados postos de controle e houve trocas de tiros com os traficantes. "Mas nada mudou", afirma Martins. "É um show para a classe média do Brasil, sem respeito por nós, moradores." Ele conta que as operações transcorreram sem qualquer aviso; de madrugada se acorda com barulho de helicópteros, explosões e tiros; não se consegue chegar ao trabalho ou à escola.
"E no fim, as forças de segurança apresentam meia dúzia de caixotes com uns fogos de artifício." Uma prima dele, de 15 anos, desenvolveu crise do pânico. "A gente é vítima de uma política fracassada, que há 30 anos não tem nenhuma outra ideia a não ser reagir com violência a problemas complexos."
As estatísticas endossam Martins. Meio ano após o início da operação, o Observatório da Intervenção acaba de apresentar um primeiro balanço. Criado para monitorar o impacto da operação, ele compila seus dados das mais diversas fontes, sob a coordenação do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes.
Esse primeiro relatório é devastador. "Os indicadores mais relevantes para a segurança pública continuam inaceitáveis", escrevem os autores. "Homicídios e chacinas se mantêm muito altos; mortes decorrentes de intervenção policial e tiroteios aumentaram. As disputas entre quadrilhas, incluindo milicianos, fugiram ao controle."
Um exemplo: o número de tiroteios no Rio cresceu 40% desde o começo da intervenção. O Observatório conclui: "Os resultados mostram que o modelo de segurança dependente de munições, tropas e equipamentos de combate não é capaz de produzir as mudanças de que o Rio necessita."
Essa incapacidade era patente desde o início. Em fevereiro de 2018, o general Walter Braga Netto declarou que a comunidade de Vila Kennedy era o "laboratório da intervenção", e 3.200 soldados ocuparam a região. Algumas semanas mais tarde, porém, eles se retiraram e os traficantes retomaram o controle. O absurdo de uma política de segurança sem continuidade nem planejamento ficou óbvio.
Falta igualmente transparência, prossegue o relatório: "Depois de seis meses, também é difícil entender os caminhos dos recursos. As dezenas de operações militares, que chegam a mobilizar 5 mil agentes, ao custo de mais de 1 milhão de reais cada, arrecadaram poucas armas e tiveram efeito reduzido na desarticulação de quadrilhas."
Até o trabalho policial em si é marcado pela ausência de transparência: "A verdade é que o Gabinete da Intervenção não deu respostas sobre as mais de 600 mortes decorrentes de ação policial ocorridas sob sua gestão. E qual é a taxa de elucidação dos mais de 2 mil homicídios ocorridos no estado durante o mesmo período? Ninguém sabe."
As forças de segurança agem muitas vezes sem planejamento e, não raro, de forma brutal, como mostram alguns episódios traumáticos: os tiros disparados de helicópteros da polícia sobre favelas; a morte de um estudante abatido por disparos originados de um blindado no Complexo da Maré; e a chacina da Rocinha, em que oito pessoas foram executadas durante uma operação do Batalhão de Choque.
Mas, apesar das críticas e do mau planejamento, o ministro Extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, defende a operação: "É claro que o Rio poderia estar melhor. Mas as pessoas não têm noção de quão fundo penetrou o crime organizado, da deterioração das forças policiais do Rio."
Jungmann pede paciência: seis meses não bastariam para se apresentarem resultados positivos. De fato, ele tem um sucesso a apresentar: o Rio teve uma queda no número de roubos de carga. Em julho, foram registrados 729 casos, uma redução de quase 20% em comparação com o mesmo período de 2017.
Seja como for, até o momento domina a impressão de que a intervenção não passa de uma gota d'água no deserto. Surpreendentemente, essa visão é compartilhada por soldados e policiais, como mostram depoimentos que o Observatório recolheu para seu relatório.
Um funcionário da polícia diz: "A chamada intervenção não provocou mudanças significativas para a PMRJ. A verba, que sanaria alguns gargalos, até o momento não foi liberada. Percebo uma deficiência na área de inteligência. Vejo a intervenção como uma manobra politica."
E um praça das Forças Armadas observa: "A intervenção é ineficaz e mentirosa. Não se veem grandes apreensões, nada. Tudo não passa de uma grande perda de tempo, algo para inglês ver."
Isso que os agentes expressam, lembra a crítica de Eric Martins, o morador da Rocinha. Ao se despedir, ele comentou: "Ninguém é bobo para fingir que isso é a forma certa para resolver o problema. A intervenção é pura politicagem. Eles mandam o soldado que é pobre e vem da periferia contra o trabalhador que é pobre e mora na favela."
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