A jornalista Miriam Leitão contou, em um texto publicado no site do Observatório da Imprensa, como foi torturada durante o período da Ditadura Militar, entre 1964 e 1985, no Brasil. Ela revela detalhes do período em que esteve presa e lembra do uso de uma cobra para tortura enquanto estava grávida.
A repórter conta que em 3 de dezembro de 1972, quando morava em Vitória, no Espírito Santo, estava ao lado de seu companheiro, o estudante de medicina Marcelo Netto, em uma praia e acabou presa pelos militares. Miriam diz, no depoimento, que pensou estar sendo presa por conta de Marcelo, que havia liderado algumas greves estudantis. Porém, logo percebeu que também era mais um alvo da ditadura.
“A Veraneio entrou no pátio do quartel, o batalhão de infantaria. Nos levaram por um corredor e nos separaram. Marcelo foi viver seu inferno, que durou 13 meses, e eu o meu. Sobre mim jogaram cães pastores babando de raiva. Eles ficavam ainda mais enfurecidos quando os soldados gritavam: ‘Terrorista, terrorista!’. Pareciam treinados para ficar mais bravos quando eram incitados pela palavra maldita.
Ao chegar no batalhão, a repórter conta ainda que a levaram para uma sala vazia, sem móveis, e com as janelas cobertas com um plástico preto. Lá, o comandante mandou-a tirar a roupa.
“Fui tirando, constrangida, cada peça. Quando estava nua, eles mandaram entrar uns 10 soldados na sala. Eu tentava esconder minha nudez com as mãos. O homem de cabelo preto falou: ‘posso dizer a todos eles para irem pra cima de você, menina. E aqui não tem volta. Quando começamos, vamos até o fim’. Os soldados ficaram me olhando e os três homens à paisana gritavam, ameaçando me atacar, um clima de estupro iminente. O tempo nessas horas é relativo, não sei quanto tempo durou essa primeira ameaça. Viriam outras”, lembrou.
Por várias passagens do depoimento feito ao jornalista Luiz Cláudio Cunha, Miriam cita a cobra colocada na sala.
“Eles chegaram com um isopor enorme, apagaram a luz e ligaram um som altíssimo. Percebi na hora que era uma cobra imensa, que eles chamavam de Miriam. Felizmente, ela não quis nada comigo. Mas, irritada com a música, a cobra não parava de se mexer. O corpo dela, ao se deslocar, arranhou o meu. Cheguei a sangrar. Mas o maior trauma foi o cheiro que ela exalava, um fedor que custei a esquecer”, contou a jornalista.
Finalizando o depoimento, Miriam conta que sobreviver foi a sua maior vingança contra os militares e lembra que alguns meses depois seu filho Vladimir nasceu.
“Minha vingança foi sobreviver e vencer. Por meus filhos e netos, ainda aguardo um pedido de desculpas das Forças Armadas. Não cultivo nenhum ódio. Não sinto nada disso. Mas, esse gesto me daria segurança no futuro democrático do país”, disse.