Duas mulheres transexuais, ainda não submetidas à cirurgia de mudança de sexo, tiveram garantido na Justiça neste mês o direito à alteração em seus registros civis para que, em vez dos nomes e do sexo masculinos, eles indiquem seus nomes usados socialmente e o sexo feminino. As decisões foram decretadas na Capital paulista e em Mogi das Cruzes, a pedido da Defensoria Pública de SP e com parecer favorável do Ministério Público.
A sentença da Capital determinou também que a nova certidão não mencione que a mudança decorre de decisão judicial, disse a Defensora Pública Cláudia Aoun Tannuri, responsável pela ação.
Os dois casos contemplam pedidos de pessoas que desde muito jovens não se identificam com o sexo biológico (o masculino), usam nomes sociais femininos, agem, vestem-se e são identificadas como mulheres. Os nomes masculinos nos documentos, em contraste com a aparência feminina, eram motivo frequente de constrangimentos, sofrimento e dificuldades para encontrar trabalho.
A decisão proferida na Capital, em 11 de novembro, concedeu o direito à retificação do nome a uma mulher transexual de 31 anos de idade. Aos 11, ela passou a rejeitar a identidade masculina, e aos 18 assumiu-se como mulher. Devido à inadequação ao sexo biológico, começou a ingerir hormônios femininos por conta própria aos 16 anos. Há mais de 10 anos ela vive em união estável com um homem.
Entre 2010 e 2013, ela fez acompanhamento psicológico na rede de saúde estadual, submetendo-se também a tratamento de transexualização – recomendado em parecer psicológico da Secretaria de Estado da Saúde –, e mantém o uso de hormônios para ter aspecto feminino.
A sentença considera que o princípio da dignidade humana fundamenta as alterações de nome e de gênero, devido ao intenso sofrimento decorrente da discrepância entre o corpo biológico e o modo de ser da pessoa, mesmo sem cirurgia de transexualização. A decisão incopora uma tese institucional da Defensoria Pública paulista, que entende não ser necessário o procedimento cirúrgico para que seja proposta a ação de alteração de registro civil.
Proferida no dia 18 de novembro, em Mogi das Cruzes, a outra decisão atendeu ao pedido de uma transexual de 37 anos de idade, que nasceu com o sexo masculino mas desde criança já se identificava com meninas. Quando tinha 13 anos, começou a usar um nome feminino, pelo qual é conhecida. Após o rompimento de uma união estável de duas décadas com um homem, ela permaneceu com a guarda da filha biológica dele. A menina sempre a reconheceu como mulher e mãe.
Na ação, o Defensor Público Francisco Romano afirma que “não há qualquer desvio de personalidade, perversão, neurose, psicopatia etc. que acometa os transexuais, travestis ou transgêneros”. Ele mencionou os chamados “Princípios de Yogyakarta”, texto elaborado por especialistas internacionais no campo da sexualidade humana e dos direitos humanos apresentado à Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo o documento, a orientação sexual se refere à capacidade de cada pessoa de ter profunda atração emocional, afetiva ou sexual por pessoas de diferente, do mesmo ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com elas. A ação ainda cita entendimento do Conselho Regional de Psicologia paulista para diferenciar transexuais de travestis, afirmando que os primeiros, em regra, sentem-se desconfortáveis com seus caracteres sexuais primários (genitália) e secundários (surgidos na puberdade), enquanto travestis não rejeitam os primários.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu em setembro a repercussão geral de um processo que trata da alteração do nome e do gênero no documento de transexuais mesmo sem realização da cirurgia de mudança de sexo. O mérito do processo ainda será analisado pela corte.