O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve barrar o uso de moedas digitais nas eleições de 2018 e regulamentar o financiamento coletivo online.
O texto que proíbe o uso das moedas como o bitcoin e cria regras para as "vaquinhas virtuais" faz parte de uma proposta de resolução que regulamenta a arrecadação e os gastos das campanhas e está previsto para ser votado na segunda-feira pelos ministros da corte eleitoral.
No caso das moedas virtuais, o texto limita-se a dizer que está vedado o uso delas para recebimento de doações financeiras e pagamento de gastos de campanha.
Para preparar a minuta, técnicos da Justiça Eleitoral se fundamentaram em comunicados do Banco Central e da Câmara de Valores Mobiliários, que alertam para os riscos das transações com moedas virtuais, que não são regulamentadas no Brasil e apresentam forte oscilação.
Há, contudo, o receio de que bitcoins sejam usados ilegalmente em 2018.
"Qualquer situação que pode gerar anomalia é sempre uma preocupação para a Justiça Eleitoral", afirma o procurador eleitoral José Jairo Gomes.
"Existe essa possibilidade (de uso de moedas como o bitcoin na campanha). Quem se aventurar a usar vai ser punido", completa ele, que é coordenador do Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral (Genafe), responsável por identificar as demandas da área e aprimorar a atuação do Ministério Público nas eleições.
O que são as moedas digitais
As moedas digitais, ou criptomoedas, foram inventadas por programadores e existem somente no mundo virtual. São, em sua maioria, uma sequência única de números e letras que pode ser trocada ou comercializada na internet.
As transações são validadas com uma tecnologia chamada "blockchain", que não permite apagar nenhum registro, e são realizadas em um ambiente codificado, o que, em tese, garante a segurança dos dados.
A mais famosa moeda digital é o bitcoin. Mas há outras, como o ethereum e o IOTA.
Em 2017, o bitcoin se transformou em um dos investimentos de valorização mais rápida - mas também controverso. Em meio a oscilações bruscas, cada moeda chegou a valer mais de US$ 18 mil (R$ 59 mil) - um aumento significativo, já que o câmbio no início do ano era de 1 bitcoin para US$ 1 mil.
Além de não ser emitido nem garantido por qualquer autoridade monetária de países, não há um controlador único das moedas. Cabem aos internautas interessados conduzir, livremente, a compra e venda.
Mas corretoras já oferecem a possibilidade de investir no produto e cobram uma taxa para comprar e vender moeda digital mediante a uma transferência de reais ou outra moeda regulamentada.
Como podem ser usadas nas eleições
No Brasil, moedas como o bitcoin atualmente são mais usadas para investir em ativos do que em transações comerciais.
Por isso, acredita-se que dificilmente fornecedores de campanha, por exemplo, serão pagos com moedas virtuais na chamada contabilidade paralela, ou caixa dois - que é proibido por lei. Mas não se descarta a conversão desse produto em reais para abastecer campanhas, entrando legalmente no caixa principal de candidatos e partidos.
"É impossível? Não é, mas é difícil que aconteça. O grande problema é que não se sabe a origem dos recursos usados para comprar moeda digital. Pode ser de empresas, oriundo de atividades ilícitas", afirma o procurador eleitoral José Jairo Gomes, lembrando que 2018 será a primeira eleição geral depois da proibição de doações de pessoas jurídicas pelo Supremo Tribunal Federal, ocorrida em 2015.
Segundo Gomes, tentativas de burlar as regras eleitorais existem desde a primeira eleição realizada no Brasil. Ele pondera, contudo, que a legislação tem várias regras claras que regulam arrecadação e despesa de campanha.
O procurador observa ainda que as eleições de 2018 permitirão o financiamento coletivo pela internet - e que isso pode abrir brecha para o uso de moedas virtuais.
A minuta que será apreciada pela mais alta corte eleitoral, no entanto, estabelece regras claras e limite máximo de contribuição no valor de R$ 1.064,10 para as vaquinhas virtuais, além da obrigatoriedade de identificar dados completos da plataforma usada, dos doadores e dos valores repassados.
O financiamento coletivo por meio de sites e aplicativos especializados no serviço foi autorizado por uma minirreforma eleitoral aprovada este ano. Segundo a nova lei, a captação de dinheiro nessas plataformas pode começar em maio, antes mesmo do início oficial da campanha, marcado para agosto.
O TSE antes vedava as vaquinhas virtuais, e não se sabe ao certo que tipo de fraudes poderiam ocorrer com o uso dessas plataformas de arrecadação.
"Infelizmente, existem situações de fraude que nem sempre são constatáveis na hora que acontece", afirma Gomes.
Cruzamento de dados
Nas eleições municipais de 2016, a doação de empresas, que representava a maior fonte de renda para partidos e candidatos, já estava proibida.
Prevendo que haveria tentativa de burlar as regras, o TSE montou uma espécie de força-tarefa com outros órgãos de controle para cruzar o banco de dados das prestações de contas das campanhas - fornecidas a cada 72 horas - com bases como as da Receita Federal e do Ministério do Trabalho.
Como resultado, o TSE colocou sob suspeita um terço do total de aproximadamente R$ 3 bilhões arrecadados.
Foram listados 259,9 mil casos classificados como supostas fraudes ou doações suspeitas, em especial de renda do doador incompatível com o montante financiado. A legislação brasileira impõe limite de 10% da renda declarada no ano anterior da eleição para os repasses.
Entre os achados do TSE que acenderam a luz vermelha estão 45,2 mil doações de beneficiários do programa Bolsa Família, totalizando um repasse de R$ 117,1 milhões. Um único doador, que recebia o benefício, efetuou um repasse de R$ 67 mil para um candidato.
Mortos na lista de doadores
E até morto apareceu na lista de financiadores de campanha. Foram contabilizados 290 doadores com registro de óbito anterior à doação. Os casos identificados foram repassados à Polícia Federal e ao Ministério Público para apuração.
Para as eleições de 2018, o TSE pretende manter essa força-tarefa e a troca de dados entre diferentes bases para detectar casos suspeitos, além de aprimorar mecanismos de controle para averiguar os gastos eleitorais, em especial o pagamento para empresas de fachada e cabos eleitorais que não prestaram nenhum tipo de serviço.
Ainda assim, a mais alta corte eleitoral sofre com a falta de infraestrutura para inibir fraudes. A prioridade da análise de contas, entregues 30 dias após o pleito, é dada aos candidatos vencedores.
Os julgamentos costumam ser lentos. No caso da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, acusada de abuso de poder econômico nas eleições de 2014, o TSE tomou uma decisão mais de dois anos depois do fim da campanha presidencial.
Polêmico, o julgamento teve placar apertado (4 votos a 3). Prevaleceu o entendimento de que não havia provas cabais de que a chapa tenha utilizado dinheiro ilícito na campanha.