As condições degradantes de presídios brasileiros, que levaram a Justiça italiana a negar a extradição do ex-diretor do Banco do Brasil e réu do Mensalão Henrique Pizzolato, foram mais uma vez classificadas como “masmorras medievais” pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Há alguns dias, ele voltou a usar termo adotado diversas vezes desde que assumiu o posto, em janeiro de 2011. Coincidentemente, foi nesse mesmo ano que o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Antônio Cezar Peluso, se referiu ao sistema carcerário brasileiro da mesma forma.
As masmorras eram cárceres temporários, localizadas em torres nos castelos e que abrigavam especialmente traidores dos reinos, vigiados por soldados, à espera da sua sentença. Não há, contudo, um padrão arquitetônico ou mesmo de infraestrutura das masmorras. Nem mesmo todos os reinos da Europa, durante a Idade Média, possuíam tais espaços. A prática de tortura, que fazia parte do sistema judicial da época, acabou associando as masmorras a locais desumanos, espalhando o medo entre as sociedades antigas.
Mas seria então correto aplicar a expressão para se referir às prisões no país? Para a doutora em História Medieval Fátima Regina Fernandes, professora do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná, a resposta é não. Ela vai além e entende que a comparação pode ser considerada até injusta com o período medieval, que oferecia melhores condições aos seus presos. “É uma simplificação, uma generalização e um desconhecimento”, afirma. “Temos um sistema que queremos que seja eficiente, judicial e legal e estamos projetando para a Idade Média uma incapacidade que é nossa, de administrar os nossos presos”, completa.
Para Fátima, além de não ser possível estabelecer uma conexão imediata entre o período atual contemporâneo e a Idade Média (de 476 a 1453), há regimes carcerários totalmente distintos. Enquanto hoje a privação da liberdade resulta da condenação final do réu, à época medieval as prisões eram temporárias e os acusados aguardavam no cárcere por suas penas, que podiam ser pecuniárias, como multas, ou físicas, que incluíam açoite ou corte de membros.
Conforme a historiadora, ainda que tais penas tivessem requintes desumanos, elas devem ser entendidas a partir de valores predominantes naquele momento. Se é verdade que havia condições precárias e nenhuma preocupação com o bem-estar do preso, afirma ela, não se pode dizer que não existia um princípio de justiça e uma expectativa daquele indivíduo poder se defender. Para Fátima, a diferença básica entre os dois espaços - o medieval e os presídios brasileiros - está na concentração excessiva de detentos, que não ocorria no passado.
“Por mais que o governo venha investindo na construção de presídios, o crescimento acelerado do nível de encarceramento é muito maior. Caminhamos para ter duas sociedades: uma cativa e outra livre. Boa parte dos investimentos sociais que deveriam entrar para a prevenção será destinada para construir mais e mais prisões”, avalia Christiane.
Especialista defende penas alternativas
Christiane entende que o Brasil optou nos últimos 40 anos por apostar no incremento de aplicação das penas privativas de liberdade. Com essa política, sua população carcerária já é a terceira do mundo, próxima de 700 mil detentos, 25% deles de traficantes, ou “jovens e pequenos traficantes”, como se refere a professora. “As pessoas que entram, mesmo réus primários, saem muito piores e envolvidas com grupos criminosos. Nós sabemos que não há política de inserção dessas pessoas”, afirma.
Ela defende que o país adote uma discussão mais séria, coerente e decente, propondo a juízes e promotores a aplicação de penas alternativas em substituição ao cárcere. No caso de traficantes, exemplifica, seria preciso definir em lei a quantia exata de drogas envolvida no processo para que o crime seja assim considerado.
Para Christiane, crimes sem violência às pessoas não necessariamente deveriam envolver penas privativas de liberdade. “Temos penas alternativas no Brasil há 15 anos e elas são pouquíssimo aplicadas. Os juízes são muito refratários, pois acreditam em punir e punir severamente”, diz. “É uma questão de racionalidade. O governo não tem como sustentar isso.”
Neemias Moretti Prudente, professor de Processo Penal da Escola na Magistratura do Paraná, concorda. Ele acredita que, nos moldes atuais, torna-se impossível falar em ressocialização e presos, pois as penitenciárias atuam como “fábricas de delinquentes patrocinadas pelo Estado”. “Ou seja, são uma forma cara de tornar as pessoas piores.”.
Conforme Prudente, a cada dez presos que saem do sistema carcerário brasileiro, oito voltam para a prisão. “É um ciclo sem fim que aumenta a cada dia. Inclusive, nunca se prendeu tanto e tão mal”, cita.