O ministro Luiz Fux assume na quinta-feira (10/09) a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) para um mandato de dois anos no lugar do ministro Dias Toffoli. A substituição segue o rodízio tradicional, em que o próximo presidente é sempre o ministro mais antigo na Corte que ainda não tenha assumido o cargo.
A troca trará algumas mudanças de estilo no comando do Poder Judiciário. Enquanto Toffoli adotou uma postura política de aproximação com o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto, inclusive com constantes encontros com o presidente Jair Bolsonaro, a expectativa é que Fux, um juiz de carreira, mantenha um diálogo mais distante e institucional com os chefes dos demais Poderes.
Outra diferença relevante entre os dois é o posicionamento em relação à Operação Lava Jato. O novo presidente do STF é um dos principais "lavajatistas" na Corte, enquanto Toffoli é um dos ministros mais críticos, por entender que houve abusos na condução das investigações e processos.
Apesar disso, juristas ouvidos pela BBC News Brasil não consideram que a gestão Fux será necessariamente um momento favorável à operação. Segundo os entrevistados, isso dependerá mais de quem Bolsonaro escolher para substituir o decano Celso de Mello, que se aposenta em novembro, pois o novo ministro poderá reconfigurar (ou não) o balanço de forças nas ações penais.
Mais uma característica marcante de Fux é sua postura corporativista, ou seja, de defesa dos interesses da magistratura — conduta que será testada pelas crescentes pressões para que a Corte encaminhe ao Congresso uma proposta de reforma administrativa que elimine regalias do Judiciário, como os 60 dias de férias ao ano.
Já na pauta econômica e de costumes, o ministro costuma ter um posicionamento liberal. Apesar disso, já sinalizou que não deve levar a julgamento questões polêmicas, como descriminalização do porte de drogas e legalização do aborto.
Trajetória até o Supremo: juiz de carreira, mas com apoio político
Aos 67 anos, Fux será o primeiro judeu presidente do STF. Em depoimentos públicos sobre sua vida, o ministro conta que seus avós se reencontraram no Rio de Janeiro após fugir da perseguição nazista na Romênia. Teve uma infância humilde no Andaraí, bairro da Zona Norte da cidade, e se formou em direito na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde se tornou professor de Direito Civil pouco depois de se graduar, em 1977.
Antes de iniciar sua trajetória na magistratura, teve breve atuação como advogado da petrolífera Shell, entre 1976 e 1978. No ano seguinte, passou em primeiro lugar no concurso para promotor de Justiça do Rio de Janeiro. Deixou o Ministério Público pouco depois, ao ser selecionado também em primeiro lugar para ser juiz estadual, em 1983.
Após um período como desembargador no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, virou ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2001 por indicação do presidente Fernando Henrique Cardoso, até ser indicado ao STF pela presidente Dilma Rousseff em 2011. No Supremo, mantém boa relação com os demais ministros e não costuma protagonizar embates em plenário.
Para o desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) Aluisio Mendes, colega de Fux como professor na UERJ, sua longa trajetória como juiz, com passagens também pela advocacia e o Ministério Público, além de seu estilo cordial, serão características positivas para a condução do Supremo nos próximos dois anos.
"Eu nunca presenciei o ministro Fux perder a calma. É uma pessoa muito talhada, por toda sua experiência, para conduzir bem o Supremo e colaborar com os demais Poderes no sentido de uma relação muito institucional e respeitosa", acredita.
Apesar de ser comumente descrito como um juiz de carreira, que mantém distância dos bastidores do Poder em Brasília, Fux reconhece que precisou de articulação política para chegar ao STF. Em depoimento ao projeto "História Oral do Supremo", da Fundação Getulio Vargas, contou que sua indicação teve o apoio do ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral — hoje condenado por corrupção, mas que na época gozava de grande prestígio no governo petista e no Congresso.
"Não há possibilidade nenhuma, zero, de se chegar a um cargo desse sem apoio político. Eu levei o currículo para Brasília, e, através dos políticos, eles então levam o seu nome para o presidente, que escolhe", contou Fux.
Anos depois, em 2016, o sucessor de Cabral no governo do Rio, Luiz Fernando Pezão, outro que entrou na mira da Lava Jato, nomeou a filha do ministro, Marianna Fux, para o cargo de desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em uma das vagas destinadas a egressos da advocacia. Então com apenas 35 anos, ela foi escolhida apesar de uma carreira modesta como advogada, após intensa campanha do pai por sua nomeação.
Equilíbrio entre Poderes x Corporativismo
O STF tem sido alvo frequente de críticas do presidente Bolsonaro e de parlamentares que acusam a Corte de extrapolar seus poderes ao interferir em decisões do Palácio do Planalto e do Congresso. Na semana passada, ao ser questionado sobre como será a atuação do STF durante sua presidência em evento online da Congregação Israelita Paulista, Fux enfatizou que buscará uma relação respeitosa com os demais Poderes.
"Nós vamos primar pela separação de Poderes. O Judiciário deve ter sempre uma deferência ao que sai da Casa do Povo", disse, em referência às leis aprovadas no Congresso que constantemente são questionadas no Supremo.
O próprio Fux, porém, já tomou decisões controversas que interferiram em decisões do Legislativo, como em 2016, quando individualmente mandou a Câmara dos Deputados reiniciar do zero a análise de uma proposta de lei elaborada pelos procuradores da força-tarefa da Lava Jato que ficou conhecida como Dez Medidas Anticorrupção.
Na ocasião, a Câmara aprovou um pacote de medidas após uma série de alterações na proposta original, o que, na visão de apoiadores da operação, passou a ter efeito contrário, de dificultar o trabalho do Ministério Público e de juízes na investigação e julgamento de criminosos corruptos.
Já em janeiro deste ano, Fux, também em decisão individual, suspendeu por tempo indeterminado a implementação do juiz de garantias, inovação aprovada pelo Congresso com objetivo de que a condução da investigação e o julgamento de um acusado fossem realizados por juízes distintos, com objetivo de evitar abusos.
Coordenadora do projeto Supremo em Pauta na FGV Direito São Paulo, a professora Eloísa Machado atribui decisões como essa, em que o ministro barrou mudanças no funcionamento do Judiciário, ao corporativismo de Fux.
Foi uma liminar (decisão individual) sua também que garantiu aos juízes por quatro anos o direito a receber auxílio moradia de R$ 4,3 mil. O privilégio só foi derrubado pelo próprio ministro em 2018, quando foi aprovado um reajuste na remuneração da categoria, para compensar o fim do benefício.
Em um momento de forte restrição fiscal, em que o Judiciário está sendo pressionado a enviar ao Congresso uma proposta de reforma administrativa, Machado acredita que Fux tentará defender os interesses da categoria na presidência do Supremo.
"Me parece que, em razão da crise econômica, da queda da arrecadação, e do Teto de Gastos (regra que limita o aumento das despesas públicas), esses conflitos ficarão mais vorazes", ressalta.
A professora de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Estefânia Barboza tem avaliação semelhante e acredita que isso pode ser um elemento de desgaste para o STF na gestão Fux.
"Se o Fux atuar para manter privilégios, por causa da pressão das associações de juízes, prejudicará o Supremo. Essa questão é mais um elemento de ataque e de deslegitimação do Judiciário", nota Barboza.
Impactos sobre a Lava Jato são incertos
Também no evento online da Congregação Israelita Paulista, Fux listou o combate à corrupção como um dos eixos que terão destaque em sua gestão. O ministro é notório apoiador da Lava Jato, tanto em manifestações públicas elogiosas à operação, como nos julgamentos do Supremo, que costuma votar contra os interesses dos investigados, se alinhando com os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Para juristas ouvidos pela BBC News Brasil, porém, sua chegada à presidência do STF não significará necessariamente um cenário favorável à Lava Jato na Corte, após algumas derrotas acumuladas nos últimos dois anos, como a reversão da possibilidade de prisão de condenados em segunda instância.
Eloísa Machado lembra que a Lava Jato, embora ainda tenha apoio de parte da sociedade, não tem mais o mesmo prestígio depois que o site Intercept Brasil divulgou uma série de mensagens atribuídas aos procuradores da Lava Jato e ao ex-juiz Sergio Moro indicando possíveis condutas ilegais dessas autoridades na operação.
Além disso, a própria decisão de Moro de deixar a magistratura para se tornar ministro da Justiça de Bolsonaro também deixou a Lava Jato mais vulnerável aos ataques dos que veem um viés político na operação.
"Eu acho que o Tribunal como um todo está mudando sua posição frente à Lava Jato. Antes havia vozes isoladas, como o Ricardo Lewandowski, que sempre foi muito crítico, depois o Gilmar Mendes, Dias Toffoli. Agora, há várias críticas estabelecidas pela própria Cármen Lúcia (que inicialmente se alinhava mais automaticamente ao grupo de Fux)", aponta Machado.
O constitucionalista Diego Werneck Arguelhes, professor de Direito do Insper, avalia que a abertura de uma nova vaga no Supremo, com a aposentadoria do decano Celso de Mello em novembro, será mais importante para o balanço de forças em pautas de interesse da Lava Jato na Corte.
Ele lembra que Bolsonaro foi eleito com um discurso de apoio à operação, mas se tornou forte adversário de Sergio Moro após a saída do ex-juiz da Lava Jato do Ministério da Justiça. Quem também não tem boa relação com o atual governo é o procurador Deltan Dallagnol, que deixou o comando da força-tarefa da Lava Jato na semana passada.
Para Arguelhes, hoje é mais provável que Bolsonaro escolha um nome "que não seja entusiasta da Lava Jato". Outro fator que deve influenciar a escolha de Bolsonaro por um nome menos linha-dura em questões penais, acredita o professor, é o fato de seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), estar sendo investigado por um suposto esquema de desvio de recursos do seu antigo gabinete de deputado estadual.
"Eu acho que vai entrar alguém (no lugar de Celso de Mello) que tenha posição refratária ao que à Lava Jato significa. Me parece que na checklist (sobre o perfil do indicado) do Bolsonaro, esse é dos itens mais importantes", analisa Arguelhes.
A maioria dos processos da Lava Jato no STF tramita na Segunda Turma da Corte. Por isso, também terá impacto sobre esses julgamentos quem vai substituir Celso de Mello nesse colegiado.
O regimento do Supremo permite que algum ministro da Primeira Turma peça para migrar para a Segunda quando uma vaga é aberta. Como o ministro Marco Aurélio, que teria prioridade por ser o mais antigo, não é entusiasta dessas trocas, há uma expectativa de que Toffoli possa solicitar a transferência, o que consolidaria uma maioria garantista na Segunda Turma, junto com Gilmar Mendes e Lewandowski.
Hoje, o placar tem sido mais equilibrado, porque Celso de Mello costuma alternar seu posicionamento, ora votando junto com Mendes e Lewandowski, ora com os ministros mais linha-dura, Edson Fachin e Cármen Lúcia.
Liberal, mas evitando polêmicas
Em seus quase dez anos como ministro do STF, Fux costuma adotar uma postura liberal, tanto nas pautas econômicas como nas de costumes. Segundo a professora Estefânia Barboza, o novo presidente da Corte é um adepto do "consequencialismo", uma linha jurídica que defende que o juiz deve estar atento aos impactos práticos de sua decisão, em vez de se ater à aplicação objetiva do texto das leis. Nesse sentido, sua expectativa é que o novo presidente da Corte deve evitar levar a julgamento ações que possam ter impacto muito negativo nas contas públicas, preservando o Orçamento da União.
No campo dos costumes, Fux votou nos últimos anos com a maioria dos ministros do STF para permitir a união estável de homossexuais, a aplicação de cotas raciais nas universidades e o aborto de fetos anencefálicos — todas pautas contrárias à agenda conservadora de Bolsonaro.
Apesar disso, tem sinalizado que não deve levar questões consideradas polêmicas para julgamento em plenário, como a ação que pede a descriminalização do porte de drogas para consumo, cujo julgamento foi interrompido por um pedido de vista em 2015, mas já está pronto para ser retomado desde novembro de 2018.
"Quando estão em jogo valores morais e razões públicas, o Judiciário deve contas à sociedade, deve escutar a sociedade. Como é que vai descriminalizar drogas, se a sociedade não aceita?", disse na semana passada, no evento online da Congregação Israelita Paulista.
Na ocasião, Fux também indicou que não pautará uma ação de 2017 que busca a completa legalização do aborto no Brasil. Para o novo presidente do STF, isso deve ser analisado no Congresso.