Ministra: tortura de preso na ditadura 'é a coisa mais forte da minha vida'

Responsável pela Secretaria de Políticas para Mulheres, Eleonora Menicucci prestou depoimento à Comissão da Verdade de São Paulo

13 dez 2013 - 22h31
(atualizado às 22h33)

Em 1971, sob a ditadura militar (1964-1985) no País, o jornalista e militante do Partido Operário Comunista (POC) Luiz Eduardo da Rocha Merlino foi preso, torturado e morto. Enquanto era torturado em um pau-de-arara nas dependências do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operação de Defesa Interna do 2º Exército (DOI-Codi), na rua Tutóia, em São Paulo, Eleonora Menicucci, atual ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, era torturada na cadeira do dragão (cadeira revestida de metal ligada à corrente elétrica).

"Eu estava sendo torturada e ele também. Ele estava em um pau-de-arara e tinha uma ferida enorme na perna direita, que gangrenava. Ele começou a morrer ali", disse a ministra, relembrando o dia em que presenciou Merlino sendo torturado. "Essa é a coisa mais forte da minha vida, embora eu tenha assistido a outras sessões de tortura e às minhas próprias", ressaltou.

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Na tarde desta sexta-feira, durante audiência da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo, a ministra declarou que o ex-comandante do DOI-Codi, o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, é um dos responsáveis pela morte de Merlino.

"O assassinato de Merlino tem responsáveis e pessoas diretamente responsáveis, com a fúria e selvageria que caracterizava (o período)", disse, acrescentando que na sala de tortura, em que estavam ela e Merlino, estavam também presentes o comandante Ustra, o capitão Ubirajara (como era chamado o delegado Aparecido Laertes Calandra) e JC (como era conhecido Dirceu Gravina). "Essas três pessoas são absolutamente responsáveis pelo assassinato do Luiz Eduardo da Rocha Merlino", destacou a ministra.

Na audiência na tarde de hoje na Assembleia Legislativa paulista, mais quatro pessoas, que também estiveram presas no mesmo local, foram ouvidas e disseram ter presenciado momentos do jornalista nas dependências do DOI-Codi. Um deles foi Ivan Seixas, membro da Comissão da Verdade de São Paulo. Ele relatou ter ouvido os gritos de Nicolau (codinome que era usado por Merlino) sendo torturado. "A noite inteira a gente ouviu as torturas pelas quais passou o Nicolau", disse. Seixas contou que sua cela ficava muito próxima à sala onde Merlino era torturado, e que presenciou Ustra pedindo para que limpassem a sala depois da tortura "porque havia muito sangue".

A irmã de Seixas, Ieda Seixas, que também esteve presa no mesmo local, declarou ter ouvido os gritos de Merlino. "Ele foi torturado a noite inteira. Aquela noite foi especialmente difícil." Segundo ela, no dia seguinte, ouviu torturadores dizendo que "Merlino era uma pessoa difícil" porque se recusava a falar ou delatar alguém.

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Já Leane de Almeida, que militava no mesmo partido do jornalista, contou ter visto Merlino, após as sessões de tortura, sendo retirado do DOI-Codi e colocado dentro do porta-malas de um carro. "Mas não sei dizer se ele já estava morto", disse.

Em seu depoimento, Otacílio Cecchini relatou que estava sendo interrogado no DOI-Codi quando ouviu o comandante Ustra receber um aviso sobre um telefonema de um hospital. "Um estranho - um militar - entrou na sala onde eu estava sendo interrogado e disse que havia um telefonema do hospital. Ele não falou que hospital era, mas (disse) que os médicos estavam pedindo contato de uma família porque havia necessidade de uma amputação. Ou seja, havia uma solicitação de um hospital, de um paciente ainda vivo que estava no hospital, sobre um preso político torturado com princípio de gangrena, com necessidade de amputação de uma perna, e o Ustra recebeu esta informação", ressaltou.

Para Cecchini, os depoimentos de hoje demonstram que Merlino foi torturado e morto por agentes da ditadura. "Todos os colegas (aqui presentes na audiência) viram uma série de fatos que, somados, remontam essa história covarde (sobre a morte de Merlino)", disse.

Há alguns anos, a família de Merlino moveu uma ação por danos morais envolvendo Ustra. Na decisão de primeira instância, o coronel foi condenado a indenizar a família em R$ 100 mil por ter participado e comandado sessões de tortura que mataram o jornalista. A defesa de Ustra recorreu da ação.

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Na audiência desta sexta-feira, o jurista e defensor dos direitos humanos Fábio Konder Comparato citou um relatório feito pela Arquidiocese de São Paulo no qual consta que durante o período em que Ustra comandou o DOI-Codi, entre janeiro de 1970 e dezembro de 1973, 40 pessoas morreram no local e mais de 500 foram torturadas. "Muitos desses mortos faleceram em consequência das torturas", declarou.

Comparato criticou o fato da Lei de Anistia no Brasil não permitir a condenação, responsabilização e punição dos torturadores. "Na Argentina, a Lei de Anistia foi anulada. Mais de 200 policiais e militares foram condenados e dois ex-presidentes foram condenados à prisão perpétua e um deles morreu na prisão. No Brasil, nenhum sequer dos torturadores foi condenado com trânsito em julgado", disse.

No decorrer deste ano, segundo o deputado estadual Adriano Diogo, presidente da Comissão Estadual da Verdade, 106 audiências foram feitas pela comissão, restando ainda mais três para serem feitas até o fim deste mês. "Fizemos o primeiro capítulo, que é o capítulo das vítimas e da memória. No próximo ano, vamos tentar fazer o capítulo da repressão, dos agentes do Estado que provocaram toda essa tragédia e barbárie, os assassinatos e ocultamentos de cadáveres", acrescentou.

Agência Brasil
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