Há mais de uma década que pesquisadores alertam para a falta de recursos e a precariedade do prédio do Museu Nacional, que até ser destruído pelo incêndio de domingo abrigava o maior acervo científico do Brasil. Mas a quem cabia tomar uma providência para evitar a tragédia?
Em entrevista à BBC News Brasil, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, culpou os governos que "levaram o país à pior recessão da história", em referência ao Partido dos Trabalhadores (PT), e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pela situação do museu e a escassez de investimentos.
O Museu Nacional é vinculado à UFRJ, que, por sua vez, é mantida com recursos do governo federal.
"De dois anos para cá, repasses foram reduzidos em várias áreas porque os governos anteriores quebraram o Brasil. Agora, é importante dizer que quem determinava quanto ia ao Museu Nacional era a UFRJ, não era o governo federal nem o Ministério da Educação", disse. A BBC News Brasil tentou contato com a assessoria da UFRJ, que não respondeu até a publicação desta reportagem.
Questionado se o atual governo federal não teria parcela da responsabilidade diante da estagnação no orçamento da UFRJ, ele ressaltou que ajudou na negociação dos R$ 21 milhões que o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) liberaria em novembro para renovar o museu.
"Eu acho que esses problemas foram historicamente ignorados, mas não no meu período como ministro da Cultura. Nós tentamos ajudá-los a achar fundos para viabilizar a revitalização da instituição. E conseguimos os R$ 21 milhões para a revitalização, mas infelizmente o contrato foi assinado no dia 6 de junho, e o dinheiro não chegou antes do que aconteceu ontem."
Nos últimos dois anos, os gastos da UFRJ ficaram estagnados. Em 2016, a universidade gastou R$ 3,9 bilhões. Em 2017, foram liquidados cerca de R$ 4 bi - em valores já corrigidos pela inflação. Neste ano, até agora os gastos foram de R$ 2,45 bilhões, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) levantados pela BBC News Brasil.
Já os gastos totais do Museu Nacional caíram de R$ 480 mil em 2016 para R$ 445,5 mil em 2017, em valores corrigidos pela inflação. Em 2018, o Museu Nacional gastou R$ 268,4 mil até o começo de agosto.
Para o ministro Sá Leitão, museu e universidade deveriam ter corrido atrás de outras fontes de financiamento.
"Eles poderiam ter tentado atrair empresas privadas, poderiam tentar financiamentos ou operações de venda de imóveis e terrenos. É fácil transferir a responsabilidade para os outros, mas se você gerencia algo, você é responsável por isso."
Na noite de segunda-feira, Sá Leitão, ao lado do ministro da Educação, Rossieli Soares, anunciou a liberação imediata de R$ 10 milhões à UFRJ para a realização de obras emergenciais no museu para garantir a segurança e preservação da estrutura do prédio.
Leia, a seguir, trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Ao longo de vários anos, diversos relatórios apontaram para as precariedades do prédio do Museu Nacional e a falta de investimentos. Um Relatório de 2016 da Biblioteca Nacional, por exemplo, falou do risco de que parte do teto caísse sobre a cabeça dos pesquisadores. Esses problemas não foram ignorados pelos governos anteriores e por este?
Sérgio Sá Leitão - Eu acho que esses problemas foram historicamente ignorados, mas não no meu período como ministro da Cultura.
O Museu Nacional é gerenciado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nós tentamos ajudá-los a achar fundos para viabilizar a revitalização da instituição.
Conseguimos os R$ 21 milhões para a revitalização, mas infelizmente o contrato foi assinado no dia 6 de junho, e o dinheiro não chegou antes do que aconteceu ontem. Fiz o que estava ao meu alcance, mas não posso responder por administrações anteriores.
BBC News Brasil - Em 2004, o então secretário de Energia do Estado do Rio disse que o prédio pegaria fogo eventualmente. Mas o que vemos são as diferentes esferas da administração empurrando responsabilidade uma para a outra. De quem é, então, a responsabilidade neste caso?
Sá Leitão - Os gestores têm responsabilidade direta sobre aquilo que é da sua competência. Nessa gestão do Ministério da Cultura, nós somos parte da solução, não parte do problema.
Estamos resolvendo problemas criados em gestões anteriores. Estamos viabilizando obras que estavam paradas e se arrastavam desde 2009, 2010, 2011, saneando convênios parados há anos, pagando editais de 2013 que não foram pagos.
Temos um histórico de negligência, má gestão, populismo, e temos procurado resolver os problemas de maneira objetiva e concreta.
BBC News Brasil - Os repasses às universidades federais foram reduzidos ou ficaram estagnados nos últimos anos, inclusive aqueles direcionados à UFRJ, responsável pelo financiamento do Museu Nacional. O governo federal não tem responsabilidade, portanto?
Sá Leitão - De dois anos para cá, repasses foram reduzidos em várias áreas, porque os governos anteriores quebraram o Brasil.
Levaram o país à pior recessão da história, em 2015 e, em 2016, ao maior déficit fiscal da história. É uma grande situação de descalabro.
Isso fez com que a capacidade de investimento do governo federal fosse reduzida. Várias medidas foram tomadas no sentido de fazer o Estado brasileiro retomar a capacidade de investimento, mas isso é um processo.
Ainda estamos pagando o descalabro das gestões anteriores. Agora, é importante dizer que quem determinava quanto ia ao Museu Nacional era a UFRJ, não era o governo federal nem o Ministério da Educação. O governo federal determinava quanto a UFRJ receberia. Agora, quanto seria destinado para o Museu Nacional, era do âmbito da esfera da UFRJ.
BBC News Brasil - Mas tendo menos recursos do governo federal para UFRJ, é natural imaginar que haveria menos repasses da UFRJ ao museu...
Sá Leitão - Se em menos de um ano nós conseguimos obter R$ 21,7 milhões para o Museu Nacional (em financiamento do BNDES), por que a diretoria da universidade não foi atrás desse dinheiro antes?
Eles poderiam ter tentado atrair empresas privadas, poderiam tentar financiamentos ou operações de venda de imóveis e terrenos. É fácil transferir a responsabilidade para os outros, mas, se você gerencia algo, você é responsável por isso.
BBC News Brasil - Especialistas criticam o uso da Lei Rouanet dizendo que um volume maior desses recursos deveria ir para recuperação de patrimônio histórico. O senhor sempre defendeu que os recursos do incentivo fiscal fossem para usados projetos com valor artístico, mas também comercial. Como vê essa crítica?
Sá Leitão - Acho que é uma crítica que não procede e que está baseada na falta de números e de compreensão sobre o funcionamento dos mecanismos.
O fato é que, apenas via Lei Rouanet, já tivemos um investimento de mais de R$ 500 milhões em restauração de patrimônio histórico e museus desde o início do funcionamento da lei.
Além disso, temos feito um investimento direto significativo se levarmos em conta o quadro de déficit. Investimos R$ 193 milhões em patrimônio histórico no ano passado e esse ano foram R$ 170 milhões. Providências têm sido tomadas. Projetos de renovação de museu incorporam a necessidade de um plano de gestão de risco que precisa ser aprovado. Agora, obviamente temos um imenso déficit para dar conta.
BBC News Brasil - Do ponto de vista histórico, cultural e educacional, qual a dimensão dessa tragédia?
Sá Leitão - É uma das maiores tragédias que já tivemos no campo da cultura no Brasil.
A perda em relação ao acervo e o imóvel é imensa. Óbvio que o imóvel pode ser reconstruído, mas o acervo não pode ser recuperado.
BBC News Brasil - Já sabemos o que foi possível salvar e o que se perdeu?
Sá Leitão - Uma parte do acervo não foi afetada - o que estava na parte chamada horto, que é toda a parte de botânica.
A biblioteca central, com cerca de 500 mil livros, e uma parte do acervo de arqueologia foram poupados, mas, do que estava no prédio central, boa parte se perdeu. Estamos começando a fazer esse inventário e identificar o que não pode ser recuperado.
*Colaborou André Shalders, da BBC News Brasil em São Paulo