Moro x Zanin: as discussões cheias de ironia entre ex-juiz e indicado de Lula ao STF

A presença de Moro na comissão que irá sabatinar Zanin é marcante por conta do histórico de antagonismo entre o senador e o indicado ao STF durante o curso dos processos da operação Lava Jato.

20 jun 2023 - 14h19
(atualizado em 21/6/2023 às 06h27)
Sabatina de Zanin no Senado vai colocá-lo frente a frente com Moro
Sabatina de Zanin no Senado vai colocá-lo frente a frente com Moro
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O ex-juiz da operação Lava Jato Sergio Moro (União-PR) e o advogado Cristiano Zanin, que defendeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos processos, ficarão mais uma vez frente à frente na quarta-feira (21/6).

Mas, desta vez, Zanin vai defender a si mesmo e sua indicação para a vaga Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto Moro é um dos senadores que farão a sabatina do advogado para confirmação da indicação.

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Membro da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), Moro não é o único opositor de Lula na comissão que sabatinará Zanin, mas sua presença é marcante por conta do antagonismo histórico entre o senador e o advogado do presidente.

Os dois entraram em discussões e embates cheios de ironia durante o curso dos processos da Lava Jato.

Em tese, os dois não deveriam ter ficado em lados opostos: era o Ministério Público (MPF) que fazia as acusações, e Moro, como juiz, deveria ser imparcial em relação às partes para julgar os casos.

Zanin não conseguiu evitar a prisão de Lula, mas obteve no fim uma vitória: o STF considerou que Moro não foi imparcial nos casos, o que levou à anulação das condenações de Lula.

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Zanin foi indicado para o cargo mais prestigiado do Judiciário - um posto que Moro nunca chegou a ocupar, embora tenha sido especulado que poderia ser indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Mas, quando era ministro da Justiça, Moro rompeu com Bolsonaro e deixou o cargo acusando o ex-presidente de interferir na Polícia Federal.

Acabou preterido nas duas oportunidades que Bolsonaro teve de indicar um ministro do STF, primeiro pelo desembargador Kassio Nunes Marques e, depois, pelo advogado e pastor André Mendonça.

Moro foi trabalhar como consultor, acabou reatando com Bolsonaro e foi eleito para o Senado na eleição passada.

Em seu primeiro mandato político, ele é um dos 27 membros titulares da CCJ, primeira parada da apreciação do nome de Zanin no Senado. Se for aprovada ali, a indicação vai para votação no plenário.

Desde a redemocratização do país, nenhum indicado foi reprovado para o cargo pelo Senado, embora os questionamentos das sabatinas tenham se tornado progressivamente mais intensos — o que é esperado agora para Zanin.

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A sabatina marcará ainda um reencontro potencialmente tenso entre o advogado e o ex-juiz, que ao longo dos anos trocaram farpas e acusações.

'Doutor' x 'Vossa Excelência'

Uma das discussões mais prolongadas entre juiz e advogado se deu em um dos depoimentos de Lula em 2017, no caso do tríplex do Guarujá.

Nesse processo, o MPF defendia a tese de que a empreiteira OAS reformou um apartamento na cidade litorânea paulista para supostamente dar a Lula como propina.

O apartamento nunca pertenceu a Lula formalmente. Sua defesa disse que o petista chegou a visitar o local com o interesse de comprá-lo, mas desistiu pois não gostou do imóvel.

Nos depoimentos de Lula, Moro tentou diversas vezes incluir perguntas sobre o caso do sítio de Atibaia - no qual o presidente foi acusado de receber propina da OAS e da Odebrecht por meio de reformas em um sítio do empresário Fernando Bittar que o petista visitava com frequência com sua família.

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O caso estava sendo julgado em outro processo, como o próprio Moro havia determinado.

Zanin protestou contra as questões alheias ao que estava sendo tratado no momento.

O advogado René Dotti, que era assistente da acusação, levantou uma "questão de ordem" (ou seja, relativa à própria audiência e não ao tema tratado) e disse que não poderia haver "confronto pessoal entre o advogado e o juiz da causa".

Logo em seguida, começou uma discussão entre Moro e Zanin:

Zanin: "Eu também tenho uma questão de ordem..."

Moro: (interrompendo) "Essa questão já foi superada".

Zanin: "Eu tenho o direito de fazer..."

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Moro: (interrompendo) "O doutor já colocou essa questão de ordem."

Zanin: "Eu..."

Moro: (interrompendo) "Doutor, o senhor está impedindo seu cliente de responder. Se o doutor entende que o cliente não tem condições ou não deve responder, ele tem esse direito. O doutor quer responder pelo seu cliente."

Zanin: "Pela lei, inclusive pelo estatuto da OAB..."

Moro: (interrompendo) "O doutor não pode falar o tempo todo. O doutor está tumultuando a audiência. Se seu cliente quiser ficar em silêncio e não responder, ele tem esse pleno direito. Parece que o senhor não entende isso e quer falar no lugar dele. Podemos prosseguir."

Zanin: "Me permita só uma colocação?"

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Moro: "Não, está indeferido, o doutor já falou várias vezes."

Zanin: "Me conceda a palavra?"

Moro: "O senhor não tem essa palavra."

Zanin: "Então na verdade o que se tem aqui..."

Moro: (interrompendo) "Já foi resolvida, doutor. Até os outros advogados estão vendo o senhor turbando a audiência."

Zanin: (levantando a voz) "Outros advogados assistentes da acusação. Eu estou aqui numa posição diferente do professor Dotti e tenho uma visão diferente."

Moro: "O doutor não precisa ficar nervoso."

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Zanin: "Eu não estou nervoso. Toda vez que houver uma violência à lei, tenho não só o direito, como o dever de fazer uma observância."

Outro advogado: "E isso não é nenhuma confrontação com o juízo."

Zanin: "Eu estou dizendo isso. Vossa excelência é que delimitou o objeto da ação. Toda vez que vossa excelência fizer uma pergunta fora do que está delimitado por vossa excelência em decisões anteriores, a defesa vai sim registrar e vai sim impugnar a pergunta."

Moro então afirmou que trazia o tema porque executivos da OAS falavam tanto da reforma do Tríplex quanto do sítio em mensagens.

"Se tem alguém que quer a verdade sobre isso, sou eu", disse Lula. "Quando chegar o processo de Atibaia, eu terei o prazer de responder a verdade absoluta sobre aquilo. Agora acho que é importante resolver o problema do tríplex."

Momentos em que Zanin dizia que suas colocações ao juiz não estavam sendo ouvidas se repetiram diversas vezes ao longo dos depoimentos de Lula. Em outro episódio, o advogado acusou Moro de não respeitar a defesa:

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Moro: "O senhor já colocou seu ponto. Eu já ouvi o senhor várias vezes."

Zanin: "Eu não terminei meu raciocínio. Vossa Excelência quer cortar a defesa. Está claro mais uma vez que Vossa Excelência não respeita a defesa."

Apartando a briga

Ainda nos depoimentos de Lula, o petista chegou a entrar no meio de uma discussão entre Zanin e Moro.

O advogado pediu que Moro especificasse quem eram as testemunhas que supostamente haviam dito que o tríplex no Guarujá estava sendo reformado para Lula.

Sentindo o clima esquentar, Lula interveio:

Lula: "Eu posso falar? Quero evitar que o senhor brigue muito com meu advogado."

Moro: "É o seu advogado que está brigando, eu estou tentando fluir com a audiência."

Em outro momento, Moro perguntou repetidamente ao petista sobre o pagamento do aluguel de um dos imóveis em que ele residiu.

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Lula repetiu diversas vezes que os recibos dos pagamentos foram apresentados, mas Moro continuou insistindo na questão com outras perguntas.

Zanin disse então que "cabe à acusação fazer a prova da culpa e não ao acusado fazer a prova da inocência".

Zanin foi indicado por Lula para a vaga de Lewandowski no STF
Foto: Agência Brasil / BBC News Brasil

Ironias nada sutis

Outra extensa discussão entre o então juiz e o advogado de Lula também aconteceu no caso do triplex do Guarujá, em 2016, no depoimento do ex-zelador José Afonso Pinheiro, que trabalhou no prédio onde fica o apartamento de que o MPF acusou Lula de ser dono.

A discussão começou após perguntas da defesa do presidente para a testemunhas:

Moro: "A defesa está sugerindo que ela [a testemunha] está mentindo por causa da política?"

Zanin: "Vossa Excelência está colocando palavras na minha boca. Eu não sugeri nada, eu fiz perguntas absolutamente pertinentes ao assunto."

Moro: "Precisa ver se (a testemunha) não vai sofrer queixa-crime, ação de indenização pela defesa..."

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Zanin: "Quando as pessoas praticam atos ilícitos, respondem pelos atos. Acho que é isso o que diz a lei"

Moro: "Vai entrar com ação de indenização, então, contra ela [a testemunha], doutor?"

Zanin: "Não sei. O senhor está advogando alguma coisa para ela?"

Moro: "Não sei... a defesa entra (com ação) contra todo mundo."

Zanin: "Eu acho que ninguém está acima da lei. Da mesma forma como as pessoas estão sujeitas a determinadas ações, as autoridades também devem estar."

Moro: "Está bem, doutor. Uma linha de advocacia muito boa".

Zanin: "Faço o registro de vossa excelência e recebo como elogio."

Moro entrou na política para ser ministro da Justiça de Bolsonaro
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Perguntas não feitas

Farpas foram trocadas entre o então juiz e o advogado durante uma audiência em 2018, no caso do Instituto Lula, devido ao fato da defesa não ter tido acesso ao conteúdo integral dos autos.

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O MPF havia afirmado que a Odebrecht comprou um terreno em São Paulo para a construção do instituto, criado por Lula após deixar a Presidência.

Os promotores diziam também que supostas doações da empreiteira para o instituto seriam propina. A defesa de Lula sempre negou as acusações.

Sem o material completo do processo, Zanin decidiu não questionar o dono da empreita, Marcelo Odebrecht, no seu depoimento, exigindo o direito de ter acesso aos documentos.

Moro reclamou da defesa, e a conversa seguiu:

Zanin: "Vossa Excelência tem sempre 'gentis palavras' para dirigir à defesa, mas se vossa..."

Moro: (interrompendo) "Não, eu só não acho que devo perder tempo vindo na audiência a pedido da defesa para depois a defesa entender que não há perguntas. Só isso."

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Zanin: "Eu insisto, a defesa fará perguntas quando tiver acesso ao material. Está documentado que a defesa não teve acesso ao material. Isso é cerceamento de defesa."

Em outro momento, no mesmo depoimento, Moro diz que o advogado não fazer as perguntas seria uma "brincadeira da defesa".

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