Apesar das repetidas declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) minimizando a necessidade da vacinação de crianças contra a covid-19, sob a alegação de que não se trata de um grupo de risco para a doença, cerca de 800 pessoas entre cinco e 11 anos podem ter morrido após infecção por coronavírus desde o início da pandemia até fim de novembro do ano passado.
O número bem mais alto do que o oficial é de um levantamento da consultoria Vital Strategies feito a pedido da BBC News Brasil com base em dados do Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe).
No período, as mortes por covid-19 nessa faixa etária somaram 317. Mas o total sobe para 799 quando passa a incluir óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) sem especificação — quando a vítima morreu de infecção respiratória, mas não houve diagnóstico sobre o vírus que levou à morte.
Fátima Marinho, médica epidemiologista e consultora-sênior da Vital Strategies, que coordenou o levantamento, explica que o número estimado de mortes por covid-19 entre cinco a 11 anos foi corrigido com base nos óbitos de SRAG nessa faixa etária em anos anteriores.
Ela reforça que os dados foram compilados até fim de novembro, quando a epidemia de gripe (H3N2) ainda não havia se espalhado pelo Brasil.
"Portanto, não há como negar que uma parte considerável dessas mortes (por SRAG não especificada) foi, de fato, causada pela covid", diz ela à BBC News Brasil.
Em ambos os casos, o Brasil supera outros países no total de mortes entre pessoas de cinco a 11 anos.
Nos Estados Unidos, que lidera o ranking mundial de mortes totais por covid-19, foram cerca de 220 óbitos nessa faixa etária, segundo dados do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças).
Já na Inglaterra e no País de Gales, apenas 14, de acordo com o Escritório Nacional de Estatística britânico (ONS, na sigla em inglês).
Desde o início da pandemia, os EUA registraram 841 mil mortes por covid. O Brasil, 621 mil. E a Inglaterra e o País de Gales, 157 mil.
Segundo Marinho, falta de diagnóstico adequado, comorbidades (doenças associadas) e vulnerabilidades socioeconômicas são alguns dos fatores que explicam por que o número de mortes nessa faixa etária é superior no Brasil.
"Já testamos muito pouco a população adulta. No caso das crianças, isso é ainda pior. Há uma baixa vigilância dos casos infantis", diz.
Marinho lembra que a covid-19 se tornou, por exemplo, uma das principais causas de morte de crianças com doenças congênitas, como a Síndrome de Down, e diabetes.
"Nessa idade, muitas crianças ainda não receberam diagnóstico positivo para diabetes, por exemplo", lembra.
Mortalidade e vacinação
Proporcionalmente, o número de pessoas entre cinco e 11 anos que morreram por covid-19 no Brasil é bem pequeno, representando menos de 0,1% das mortes totais notificadas.
"E você vai vacinar seu filho contra algo que o jovem por si só, uma vez pegando o vírus, a possibilidade de ele morrer é quase zero? O que é que está por trás disso? Qual é o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual é o interesse daquelas pessoas 'taradas por vacina'? É pela sua vida? É pela sua saúde? Se fosse estariam preocupados com outras doenças do Brasil, que não estão", disse Bolsonaro em 6 de janeiro.
A fala do presidente acabou reforçando a convicção entre alguns brasileiros de que as crianças não deveriam ser vacinadas.
Recentemente, uma consulta pública online realizada pelo governo federal mostrou que a maioria dos participantes se posicionou contra a obrigatoriedade da vacinação infantil.
De fato, as crianças são menos suscetíveis de desenvolver os sintomas mais graves da covid-19 e morrer em decorrência deles, mas o risco não é nulo, alertam especialistas em saúde.
Além disso, a vacinação ajuda a proteger não só os pequenos, que muitas vezes não apresentam sintomas (assintomáticos), mas também os que estão no seu entorno, como idosos e outras populações em risco, visto que podem transmitir o vírus.
"Quando uma criança que contrai covid-19 evolui para um caso grave, ela pode, evidentemente, morrer da doença. O risco não é zero", destaca Marinho.
Em nota divulgada em dezembro, as sociedades brasileiras de Imunizações (SBIm), Pediatria (SBP) e Infectologia (SBI) afirmaram que "os benefícios da vacinação na população de crianças de 5 a 11 anos superam os eventuais riscos associados à vacinação, no contexto atual da pandemia".
Vacinação infantil
As primeiras doses da vacina pediátrica da Pfizer, autorizadas para crianças entre cinco e 11 anos, chegaram ao Brasil na madrugada desta quinta-feira (13/1).
O carregamento inicial é de 1,25 milhão de um total de 4,3 milhões de doses que devem ser entregues ainda em janeiro.
Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil receberá 7,2 milhões de doses em fevereiro e 8,4 milhões em março.
"As vacinas contra a covid são emergenciais e foram autorizadas no âmbito da emergência sanitária e são incluídas apenas no PNO (Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19)", disse o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na quarta-feira (12/1).
Menores com comorbidade, deficiência permanente, indígenas e quilombolas serão vacinados primeiro. Em seguida, crianças que vivem com pessoas dos grupos de risco, segundo recomendação do Ministério da Saúde. Depois disso, o critério será por faixa etária, começando pelos mais velhos.
A Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) já havia aprovado o uso da vacina pediátrica da Pfizer em 16 de dezembro, mas a resistência dentro do governo federal acabou levando a uma demora para a aquisição do imunizante.
Sabia que a BBC está também no Telegram? Inscreva-se no canal.